O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)
Fabiane Stefano
Publicado em 15 de abril de 2021 às 06h00.
Última atualização em 16 de abril de 2021 às 09h13.
O impasse em torno do Orçamento deste ano não deve ter solução fácil para o governo e a ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de apresentar uma PEC que retira despesas obrigatórias do teto de gastos causaria danos importantes à credibilidade fiscal do país, avaliam economistas consultados pela EXAME.
A proposta permitiria que despesas emergenciais com a pandemia ficassem fora do teto de gastos para abrir espaço para emendas parlamentares e resolver o problema do Orçamento. O uso de uma PEC, no entanto, pode desgastar a norma do teto, avaliam o economista-chefe da Necton, André Perfeito, e o pesquisador do Insper Marcos Mendes.
Mesmo se fosse apresentada com texto parcial, a confiança do mercado tende a diminuir, pondera Perfeito. "É visto como uma utilização sistemática de um instrumento que deveria ser muito raro", afirma.
Para cobrir gastos emergenciais com a pandemia, o governo pode usar créditos extraordinários, lembra Mendes. Segundo o analista, por conta desse dispositivo, a apresentação da PEC seria injustificada. "A pandemia se intensificou quando muita gente esperava que fosse refluir no final de 2020. Então é mais do que justificável ter créditos extraordinários", afirma.
Mendes avalia que a regra do teto deveria ser estável e não sujeita a alterações frequentes. "O teto de gastos é a única regra fiscal que ainda efetivamente segura despesa no Brasil. Na hora que fica a percepção de que a qualquer momento pode mudar, as pessoas não acreditam mais na regra."
A consequência disso, com a manutenção de um risco Brasil alto, seria a evasão de investimentos do país. Depois seguem o aumento da taxa de juros e do câmbio, que passa a pressionar a inflação.
Para não incorrer em uma medida que levaria a mais desgastes econômicos, o governo precisará encarar o veto a parte das emendas parlamentares -- recursos carimbados por deputados e senadores -- previstas, avaliam os analistas.
A solução, no entanto, tem enfrentado resistência do presidente Jair Bolsonaro, que passa por momento delicado no Congresso e necessita do apoio dos parlamentares em meio à instauração da CPI da Covid-19. Os vetos desagradam a base política do governo nas casas legislativas, que conta com a verba para executar emendas.
O texto aprovado pelo Congresso com aval do Planalto no dia 25 de março adicionou R$ 30 bilhões em emendas parlamentares. Isso só foi possível pela estimativa abaixo do valor necessário de despesas obrigatórias como aposentadorias, pensões e auxílios. Cálculos da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara prevêem que o Orçamento traz uma previsão de despesas obrigatórias R$ 32,7 bilhões menor do que deveria.
O temor do Ministério da Economia é que a sanção do texto da forma como está pelo presidente possa render acusações de crime de responsabilidade ao chefe do Executivo. Diante do impasse, o Planalto tem se esforçado para encontrar uma saída. O prazo final para a assinatura do documento é o dia 22 de abril.
"Não tem solução política fácil", afirma Perfeito. "Criou-se essa situação no Orçamento para cooptar o Centrão, que precisa ser cooptado exatamente para evitar esse tipo de situação", afirma.
Mendes aposta em uma saída que passe por um acordo político sem a PEC de Guedes. Segundo ele, uma opção possível seria a transferência de dotações da área da Saúde e de programas emergenciais relacionados à pandemia, como o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), de auxílio a empresas, para créditos extraordinários para abrir espaço no Orçamento ao longo do ano.
Apesar de a contenda em relação ao Orçamento deste ano ter iniciado com a versão aprovada pelo Congresso em março, o problema da disputa de recursos públicos deve seguir afetando o desenvolvimento econômico do país nos próximos anos, avalia o professor da FGV EBAPE Fernando Rezende.
"O problema não surgiu com a covid-19. Ela só exibiu uma face de um problema que vem ficando cada vez mais grave", afirma. O crescimento dos gastos obrigatórios nas últimas décadas comprimiu o espaço para as despesas chamadas discricionárias, que envolvem, por exemplo, investimento público. Com a expectativa do crescimento das desigualdades sociais e o encolhimento da base dos regimes previdenciário e de seguridade social, a tendência é o agravamento do problema, pondera. "É uma armadilha fiscal de baixo crescimento", afirma o professor.
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