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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h44.
Por Marcelo Carvalho*
Se, por um lado, os recentes tremores do mercado de câmbio estão relacionados a fatores globais, por outro lado suspeitamos que o déficit em conta corrente do Brasil pode começar a chamar a atenção do mercado nos próximos meses.
Com a recuperação da economia brasileira, o crescimento das importações deve superar a retomada nas exportações, e o saldo comercial deve encolher, enquanto a crescente rentabilidade doméstica das empresas deve abastecer crescentes saídas de lucros e dividendos, tornando a conta corrente mais sensível ao ciclo econômico.
O resultado final: o déficit em conta corrente pode facilmente dobrar este ano, chegando perto de 3% do PIB. Embora a magnitude ainda não seja preocupante, principalmente se seu financiamento puder contar com investimentos estrangeiros diretos (IED), um déficit em conta corrente crescente poderia começar a levantar algumas inquietações, se sua tendência de agravamento for persistente.
A conta corrente irá piorar
O superávit da balança comercial pode desaparecer este ano, com uma recuperação nas importações superando rapidamente a taxa de crescimento das exportações. O saldo comercial terminou o ano passado em US$26 bilhões, muito parecido com o de 2008 - embora tanto exportações quanto importações tenham caído significativamente em meio à crise no Brasil e no exterior. Enquanto o Banco Central espera uma queda na balança comercial para $15 bilhões em 2010, suspeitamos que o excedente comercial possa estreitar-se ainda mais, encolhendo para perto de zero este ano. Se por um lado as exportações devem crescer graças à recuperação na demanda global, por outro as importações brasileiras crescerão ainda mais rapidamente do que exportações, com a demanda nacional superando a recuperação global.
Apesar do cenário para os preços do comércio internacional ainda permanecer incerto, há menor dúvida quanto à direção que deverão tomar os volumes comerciais. Certamente a balança comercial pode beneficiar-se do aumento nos preços das exportações - que, no caso do Brasil, mantém uma correlação razoavelmente boa com os preços das matérias-primas internacionais. Tudo o mais constante, uma mudança de 1% nos preços médios das exportações anuais pode representar uma mudança equivalente a 0,1% do PIB na balança comercial brasileira - embora o impacto líquido final nos termos de troca do Brasil possa ser parcialmente compensado pelos preços das importações, que às vezes também mostram alguma correlação parcial com preços das exportações. Embora os termos de troca possam mostrar-se erráticos, há pouca dúvida de que a expansão do volume das importações deve facilmente ultrapassar o crescimento do volume das exportações este ano, a julgar pelos diferenciais de crescimento da demanda doméstica.
Além da própria balança comercial, há outros itens da conta corrente que devem piorar com a recuperação do ciclo econômico este ano. Apesar de frequentemente negligenciada, a conta de serviços desempenha um papel cada vez mais importante no resultado final da conta corrente. De fato, mudanças expressivas na composição dos serviços ao longo dos anos significam que a conta corrente tornou-se provavelmente mais sensível ao ciclo de negócios com o tempo. Há uma década, a carga relativa ao pagamento de juros sobre a dívida externa era o item de maior peso na conta corrente brasileira. Considerando que os pagamentos de juros eram relativamente estáveis e normalmente insensíveis ao ciclo econômico doméstico, os movimentos cíclicos na economia doméstica costumavam refletir-se na conta corrente através da balança comercial. Este retrato mudou. Agora, a carga de pagamentos de juros externos é relativamente muito menor. Por outro lado, outros artigos da conta corrente, como lucros e dividendos, têm ganhado importância muito maior nos últimos anos.
De fato, a remessa externa de lucros e dividendos tem se transformado numa parte muito mais relevante da conta corrente total. Esta crescente importância reflete em parte o estoque cumulativo de entradas de investimentos estrangeiros diretos ao longo dos anos. Os movimentos na remessa de lucros e dividendos também parecem refletir considerações cíclicas - quando a economia doméstica vai bem, e a rentabilidade está crescendo, é natural esperar que haja mais lucros e dividendos a serem enviados para o exterior. Estas transferências internacionais podem ser particularmente bem-vindas nas matrizes multinacionais quando as condições de negócios revelam-se desafiadoras no país de onde veio o investimento inicial. As saídas líquidas de lucros e dividendos desaceleraram com a economia doméstica para US$ 25 bilhões em 2009, de US$ 34 bilhões em 2008, mas parecem destinadas a crescer novamente em 2010 com a recuperação da economia.
Ou seja, nós suspeitamos que a conta corrente tenha se tornado mais sensível ao ciclo econômico. Esta é uma boa notícia quando o financiamento externo seca e a demanda doméstica tem que se ajustar a fim de limitar a conta corrente. Mas também pode intensificar a piora no déficit de conta corrente durante a retomada cíclica do crescimento doméstico. O resultado: o déficit em conta corrente irá aumentar substancialmente.
O déficit em conta corrente pode facilmente dobrar este ano, comparado aos US$ 24 bilhões de 2009 - o Banco Central espera um déficit de US$ 40 bilhões em 2010, mas acreditamos que este número possa facilmente superar a marca dos US$ 50 bilhões. O consenso do mercado para o déficit em conta corrente tem se agravado consideravelmente nos últimos vários meses, e pode vir a deslizar ainda mais.
De fato, o ano de 2010 deverá produzir o maior déficit em conta corrente registrado no Brasil, pelo menos aquele medido em dólares. Mas o crescimento econômico ao longo dos anos e uma moeda forte ajudaram a aumentar as projeções do PIB real em dólares, limitando desse modo o déficit quando mensurado como porcentual de um PIB crescente. Em nossas projeções, o déficit em conta corrente deverá aumentar de 1,6% do PIB em 2009 para cerca de 3% do PIB em 2010.
A boa notícia é que um déficit em conta corrente de 3% do PIB não parece muito preocupante de acordo com o padrão internacional. O Brasil já viu déficits em conta corrente maiores em seu próprio passado - tão grandes quanto 4%-5%, no turbulento final dos anos 90.
E, só para ser claro, não há necessariamente nada de errado com um déficit em conta corrente, particularmente no caso de um mercado emergente com escassez de poupança como o Brasil. De fato, o Brasil teve um déficit em conta corrente durante a maior parte de sua história moderna - mostrou um déficit em 50 dos 62 anos desde o começo dos registros em 1947. Consequentemente, o Brasil teve um saldo positivo em conta corrente em somente 12 anos, cinco dos quais foram durante 2003-07. Os superávits em conta corrente no Brasil devem ser considerados como uma exceção, não a regra.
Felizmente também, o investimento estrangeiro direto (IED) deve facilmente financiar boa parte do déficit em conta corrente. O IED caiu de US$ 45 bilhões em 2008 para US$ 26 bilhões em 2009, mas deverá saltar nos próximos meses, retomando aos níveis vistos em 2008.
Então, por que se preocupar? Se por um lado a magnitude do provável déficit em conta corrente para o ano ainda não parece preocupante, principalmente se financiado pelo crescente IED, por outro lado, o déficit pode eventualmente começar a levantar alguns pontos de interrogação se continuar seguindo uma tendência de deterioração. De fato, isto poderia deixar o Brasil mais dependente de entradas de capitais estrangeiros e, portanto, vulnerável às potencias paradas repentinas nos fluxos internacionais. Em outras palavras, um déficit em conta corrente de 3% do PIB não é alarmante, mas sua tendência de agravamento pode eventualmente transformar-se num motivo de inquietação.
Conclusão
Enquanto os tremores recentes do mercado refletem fatores globais, no futuro o déficit em conta corrente do próprio Brasil poderá começar a chamar a atenção do mercado. Embalado por um crescimento doméstico robusto, o déficit em conta corrente deverá aumentar significativamente este ano. O crescente investimento estrangeiro direto deverá ajudar a financiar o déficit, mas uma tendência de agravamento da conta corrente pode começar a levantar alguns pontos de interrogação se deixar o Brasil mais vulnerável a movimentos nos fluxos de capital estrangeiros.
*Marcelo Carvalho é economista-chefe do Morgan Stanley para o Brasil. O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor. Esta seção não se responsabiliza por operações decididas a partir das informações e opiniões divulgadas neste artigo.