Economia

De olho na reforma tributária, Mercado Livre, Tigre e IBM ajustam operações para novo cenário fiscal

De mudanças na equipe tributária à modernização de sistemas, as grandes empresas já se preparam para o novo modelo de tributação no Brasil

Atentos à transição, os setores empresariais dizem buscar não apenas garantir conformidade regulatória, mas também se posicionar estrategicamente para um ambiente tributário mais competitivo (Leandro Fonseca/Exame)

Atentos à transição, os setores empresariais dizem buscar não apenas garantir conformidade regulatória, mas também se posicionar estrategicamente para um ambiente tributário mais competitivo (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 20 de março de 2025 às 11h23.

Última atualização em 20 de março de 2025 às 12h13.

Grandes empresas que atuam no Brasil já começaram a se movimentar para mitigar impactos e aproveitar oportunidades com a reforma tributária. Mais do que uma simples adequação às novas regras, a adaptação envolve uma reestruturação operacional, fiscal e tecnológica, como mostram os exemplos de Mercado Livre, Tigre e IBM.

Atentos à transição, os setores empresariais dizem buscar não apenas garantir conformidade regulatória, mas também se posicionar estrategicamente para um ambiente tributário mais competitivo como destacaram durante o Synergy, evento promovido pela Thomson Reuters em São Paulo, nesta terça-feira, 18, para debater a reforma tributária, economia, inovação e tecnologia entre executivos.

Com a reforma, os cinco impostos sobre o consumo cobrados hoje serão unificados apenas em 2026, quando se inicia oficialmente o período de transição, que vai até 2032. A partir de 2033, o PIS, Cofins, ISS, ICMS e IPI serão extintos e substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Tigre: simulações de impacto e reforço da equipe tributária

O Grupo Tigre, gigante do setor de saneamento e construção civil, no entanto, iniciou sua preparação nas discussões legislativas que promulgaram, em 2023, a Emenda Constitucional (EC) 132 da Reforma Tributária, muito por conta do trabalho de advocacy da empresa ao longo da aprovação do Marco Legal do Saneamento, três anos antes, e junto a associações como a Trata Brasil.

O objetivo era garantir que o setor tivesse algum tipo de incentivo, o que não foi incluso no principal projeto de regulamentação, sancionado em janeiro. Por outro lado, o incentivo fiscal às tubulações para irrigação foi mantido no novo regime a exemplo de como é hoje com o ICMS.

Em meio às discussões, a Tigre também realizou um trabalho de identificação de impacto e margem nos segmentos da empresa, simulando uma alíquota de impostos combinada de 27% a 30% para entender também a necessidade de mudanças nos preços. O resultado trouxe uma perspectiva muito otimista sobre a reforma, principalmente pela simplificação da tomada de crédito, segundo Viviane Valente, CFO da companhia.

A Tigre calcula que a nova sistemática de créditos tributários com a reforma pode reduzir sua carga tributária em até três pontos percentuais. O que representará um impacto na empresa cuja receita bruta de todas as suas operações pelo mundo é de aproximadamente R$ 6 bilhões e 60% dela está concentrada no Brasil.

Hoje, a empresa arca com R$ 1 bilhão de impostos indiretos, R$ 800 bilhão de crédito sobre matéria-prima e custo de produção e entre R$ 100 a R$ 150 milhões de imposto de renda.

"A questão do crédito é um tema que sempre cabe discussão e isso faz com que tenhamos discussões infindáveis de crédito extemporâneo ou de discussões legislativas e de teses. [Com a reforma tributária], acreditamos a ampliação do crédito vai simplificar muito a escrita fiscal e vai simplificar muito a vida das empresas e otimizar o fluxo de caixa também", afirmou a executiva.

Nesse processo de ajustes, Valente também tomou uma "decisão pessoal", como destacou, de reformular o time tributário da Tigre, agregando profissionais com expertise em Business Intelligence (BI) e análise de dados, visando maior eficiência na gestão fiscal.

"Acredito que mesmo antes da reforma essa já era uma demanda, mas com a reforma será muito importante ter analytical skills e um dashboard de imposto para entender como é que as simulações devem ser feitas para impacto em malha de distribuição e precificação", disse a CFO da Tigre.

A companhia de tubulações também já investe em novas plataformas de apuração fiscal para garantir conformidade com as mudanças regulatórias e otimizar seus processos.

Mercado Livre: do advocacy à educação interna

O Mercado Livre também vem atuando de forma proativa, tanto na esfera legislativa quanto na internalização das mudanças.

A empresa se envolveu nas discussões da reforma tributária desde suas fases iniciais, com participação ativa em debates no Congresso e em associações do setor e conseguiu, como parte do pleito de outras plataformas, vetar a trava de imunidade de responsabilização solidária nos casos de IBS não recolhido corretamente por revendedores que utilizam suas estruturas de varejo digital.

Atualmente, segundo o CFO do Mercado Livre, João Lima, a varejista digital promove um trabalho interno para disseminar informações sobre a reforma e garantir que todas as áreas estejam alinhadas.

"A transição será longa, mas nós tomamos decisões diariamente para infraestrutura e investimentos a longo prazo. Ou seja, temos que trazer um pouco do que nós já sabemos da reforma para o dia de hoje, para que depois as decisões tomadas hoje não sejam equivocadas", afirmou.

Impacto nos pequenos negócios

Lima avalia que um dos impactos mais significativos no modelo de negócios do Mercado Livre será sobre os pequenos vendedores do marketplace.

Com a nova estrutura tributária, muitas dessas empresas do Simples Nacional, diz ele, poderão migrar para o regime do Simples Nacional Híbrido, que permitirá a apropriação de créditos fiscais.

"Nós trouxemos mais de 300 mil empresas para a formalidade e a reforma vai ser uma oportunidade também de colocar muitos desses vendedores, pequenos empresários, dentro da reforma. Na parte de marketplace, a reforma tributária é um ecossistema que vai solidificar cada vez mais a formalização e a inclusão".

IBM: gestão colaborativa e digitalização

Na empresa de tecnologia americana IBM, a preparação para a reforma tributária também acontece desde o início da tramitação da emenda constitucional no Congresso. A empresa estruturou um comitê interno multidisciplinar para acompanhar as mudanças, envolvendo profissionais das áreas de tributação, tecnologia e finanças.

Leonardo Dias, CFO da IBM Brasil, destaca que um dos principais focos da empresa é a modernização de sistemas internos para garantir conformidade com as novas regras. "A reforma é altamente pautada pela tecnologia, e precisamos garantir que nossos sistemas estejam preparados para a nova dinâmica tributária", afirmou.

A IBM também tem apostado no benchmarking, trocando experiências com outras empresas e consultorias para entender os melhores caminhos de adaptação. "Estamos todos no mesmo barco, e a colaboração entre empresas e setores é essencial para uma transição eficiente", disse Dias.

O desafio da implementação

João Batista Ribeiro, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo(IBEF-SP), observa, porém, que embora algumas empresas já estejam avançadas na adaptação, muitas ainda ignoram a necessidade de preparação. "Mercado Livre, IBM e Tigre estão entre as exceções, estão naqueles 26% que já estão trabalhando. Mas existem outros 74% que eu chamo de negacionistas", afirma.

O IBEF-SP tem se posicionado como um hub de discussão sobre a reforma, promovendo debates e incentivando a troca de boas práticas entre os seus 1.500 associados.

"A reforma tributária não é uma questão apenas do departamento fiscal, mas uma mudança estrutural na forma de fazer negócios no Brasil. Quanto antes as empresas se prepararem, menor será o impacto e maiores serão as oportunidades", disse Ribeiro.

Uma pesquisa da Thomson Reuters, divulgada em setembro do ano passado, mostrou que 95% das empresas entrevistadas acreditam que a reforma tributária terá um impacto significativo em seus negócios, sendo este impacto, majoritariamente, de médio a alto. Porém, 76% delas ainda se encontravam em fase inicial de preparação para a mudança.

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