Economia

A culpa - claro - é da imprensa

Lula tornou-se advogado número 1 do que há de pior em Brasília, como atesta sua firme defesa a Sarney - e sua crítica à divulgação das maracutaias no Senado

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2010 às 17h45.

Uma das perguntas mais interessantes do momento, na vida política brasileira, bem poderia ser a seguinte: qual será a próxima grande maracutaia - para utilizar uma palavra do seu repertório - que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai defender em público? Lula, cada vez mais, vai firmando sua fama como o advogado número 1 de tudo o que aparece de ruim nos usos e costumes de Brasília; tornou-se uma espécie de santo padroeiro das causas perdidas pelo Erário e dos personagens que tiram proveito delas. Seja o que for, e esteja onde estiver, Lula não falha: há alguns dias, lá nos confins do Cazaquistão, saiu em defesa radical do presidente do Senado, José Sarney, que a cada dia se afunda mais num melancólico atoleiro de revelações sobre sua conduta à frente da casa. A bola da vez é uma feia história de nomeação de sobrinhas, mais um neto natural e sua mãe, para empregos no Senado - tudo como fruto de "atos secretos", pelos quais os senadores colocam em vigor decisões que querem ocultar do contribuinte.

Se nomear parentes e agregados por "ato secreto" não é uma maracutaia, o que seria? O que nos leva à próxima pergunta: o que alguém vai ter de fazer para Lula considerar errado? Não dá, realmente, para adivinhar. O que se sabe é que, para o presidente da República, Sarney e seus pares estão sendo as vítimas nessa história toda; o que está errado não são as nomeações por baixo do pano, mas sim publicar que elas foram feitas. A peça de defesa apresentada em favor de Sarney, na verdade, é uma pequena aula em matéria de distrair o público para vender mercadoria falsificada. A divulgação dos fatos, para começar, não é a divulgação dos fatos. Segundo Lula, é "denuncismo" - ou seja, informar o que aconteceu, e achar que os responsáveis por isso estão errados, é uma agressão. Ele informou, em seguida, que sempre fica "preocupado" com esses episódios, porque o processo "não tem fim, e depois não acontece nada". Não disse, é claro, que o processo de denúncias só não tem fim porque a lambança não para - e que se acaba não acontecendo nada a culpa, com certeza, não é da imprensa. Lula sustentou, também, a extraordinária ideia de que haveria uma diferença entre pessoas que "têm história", como Sarney, e o "cidadão comum", o que daria ao senador direitos diferentes em relação aos demais brasileiros. Pelo fato de pertencer a uma categoria superior de cidadão, os "com história", ele não pode ser tratado da mesma forma, perante a lei, que os "sem história".

O presidente da República não se esqueceu, é claro, de afirmar que o caso das nomeações secretas merece uma "investigação séria", para deixar registrada sua preocupação com a verdade. Mas investigação para quê, se ele já absolveu os acusados? E investigar o quê, se o que fizeram está escrito, assinado e admitido por eles mesmos? Para completar, Lula tirou da caixa de ferramentas, mais uma vez, o recurso de espalhar suspeitas em relação a quem divulgou o episódio - teriam, segundo insinua, algum propósito infame ao relatar o episódio das sobrinhas e outros tantos. "Eu acho que essa história precisa ser melhor explicada", disse Lula - não a história das sobrinhas, naturalmente, mas sua publicação. Segundo ele, há "interesses por trás das denúncias". Quais? De quem? O presidente não cita fatos nem nomes - lamenta, apenas, que se queira "enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil" e que seria muito ruim termos um Congresso "desmoralizado". É mesmo? Poucos presidentes da República desmoralizaram tanto o Congresso como ele, ao dizer, no passado, que havia ali "300 picaretas". E quanto ao próprio Sarney, especificamente, a imprensa jamais publicou uma fração das ofensas que Lula já lhe fez. Chamou-o de "grileiro do Maranhão" e sustentou que "Adhemar de Barros e Maluf podem ser ladrões, mas são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República".

Hoje, um faz de conta que não falou. Outro faz de conta que não ouviu. E daí? A culpa é da imprensa.

Acompanhe tudo sobre:Brasíliacidades-brasileirasLuiz Inácio Lula da SilvaPersonalidadesPolíticaPolítica no BrasilPolíticosPolíticos brasileirosPT – Partido dos Trabalhadores

Mais de Economia

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo

Brasil será menos impactado por políticas do Trump, diz Campos Neto