Economia

Crescimento no 1º trimestre não é sinal de recuperação, diz Alberto Ramos

As medidas tomadas pelo governo para estimular o consumo têm efeito passageiro, diz o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco Goldman Sachs

Boletim Focus: Mercado estima queda de mais de 5% do PIB brasileiro em 2020 (Cesar Okada/Getty Images)

Boletim Focus: Mercado estima queda de mais de 5% do PIB brasileiro em 2020 (Cesar Okada/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 30 de maio de 2022 às 09h47.

Última atualização em 30 de maio de 2022 às 09h47.

O aumento das vendas no varejo e no setor de serviços nos últimos meses tem levado economistas do mercado financeiro a revisar para cima as projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022. Um deles é Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco Goldman Sachs, que elevou a sua estimativa de 0,9% para 1,2% recentemente. Os dados do PIB do primeiro trimestre serão divulgados na quinta-feira, 2.

Segundo Ramos, a melhora tem relação com a reabertura da economia, o aumento das exportações, o maior valor do Auxílio Brasil e com medidas tomadas pelo governo para estimular o consumo. No entanto, o economista afirma que esses efeitos são passageiros e não são um sinal de uma recuperação mais forte à frente. "O que aconteceu no primeiro trimestre não representa a saúde econômica do País", disse Ramos, em entrevista ao Estadão durante uma visita a São Paulo neste mês:

Muitos economistas estão revisando para cima a projeção do PIB para 2022. Por que as estimativas estão subindo?

O crescimento já surpreendeu um pouco no final de 2021, e a economia mostrou um grau de resiliência no primeiro trimestre. O fator número 1 foi o aumento do preço de commodities, que levou a uma transferência adicional de renda para a economia. O segundo tem a ver ainda com a reabertura. E, depois, em fevereiro e março, a melhora tem relação com uma transferência adicional de renda - com o aumento do salário mínimo, a antecipação do décimo terceiro (de aposentados) e o Auxílio Brasil mais parrudo. Houve um conjunto de fatores que levou a um crescimento maior do que o esperado. Tem algum efeito de arrasto para o segundo, mas o que aconteceu no primeiro trimestre não representa a saúde econômica do País.

Por que não?

Porque temos à frente um segundo semestre complicado, com taxa de inflação em dois dígitos e com condições financeiras e monetárias apertadas. A economia mundial está desacelerando. É possível ainda que a economia venha a contrair no segundo semestre. Olhando para o biênio de 2022 e 2023, estamos em uma toada bem modesta, com crescimento inferior a 1% em média.

IGP-M: inflação do aluguel desacelera a 0,52% em maio

PIB, inflação e Petrobras: os assuntos quentes na próxima semana

Forças Armadas têm maior ganho salarial entre servidores em 10 anos

Por que os efeitos do primeiro trimestre não devem continuar?

Alguns dos fatores que levaram ao crescimento são efêmeros. Além disso, o Brasil está numa armadilha de baixo crescimento, baixo investimento e baixa produtividade já há vários anos, se não há várias décadas. A última vez que o Brasil cresceu mais de 3% foi em 2013, há quase dez anos. O crescimento médio trimestral dos últimos 33 trimestres é 0%. O crescimento médio dos últimos 42 trimestres, que são dez anos e meio, é de -0,1%. O PIB per capita do Brasil no final de 2021 estava 9% abaixo comparado ao primeiro trimestre de 2014. Se for medir em dólares, mesmo com paridade de poder de compra, é ainda pior. Então, Houston, we have a problem. Temos um problema estrutural de crescimento. É um problema estrutural que só se resolve com reformas pró-crescimento, que resolvam a parte fiscal. Essa continua a ser a grande agenda pendente para este governo e para o que virá.

O sr. vê algum movimento nessa direção?

Não. Infelizmente, não. E até me preocupa se há um efeito cicatriz na economia. É possível que o motor de crescimento possa ter sofrido um dano estrutural nos últimos anos. Já era um Fiat 600 e perdeu um carburador no caminho.

Em que sentido?

O setor público perdeu capacidade de investir. Isso ocorreu pela própria expansão do gasto que hoje é tomado em grande medida pelo gasto corrente, e não pelo investimento. Não é o setor público que vai alavancar o crescimento, porque não tem capacidade financeira de o fazer. O outro fator é que as famílias estão altamente endividadas. Temos um nível recorde de endividamento. E um terceiro ponto é que estamos há sete anos com uma taxa de desemprego em dois dígitos. Se os motores de crescimento já eram débeis, podem ter se debilitado ainda mais.

O presidente Jair Bolsonaro e Lula culpam a regra do teto de gastos pela falta de recursos para o investimento público. O teto de gastos é o culpado nesse sentido?

Essa narrativa não está correta. O teto de gastos não limita o investimento. O teto de gastos limita o gasto. E, quando olhamos para a composição do gasto, mais de 95% são gastos correntes. Dado que o Brasil já tem uma carga tributária enorme, deveria olhar um pouco para a despesa. Não me convenço de que em um Orçamento de R$ 1,5 trilhão por ano não haja onde cortar e que todos os programas governamentais são bem estruturados. É óbvio que o investimento é necessário. Mas também é necessário não ir à falência. Então vamos cortar o gasto.

Acompanhe tudo sobre:economia-brasileiraPIB do Brasil

Mais de Economia

Reforma tributária: videocast debate os efeitos da regulamentação para o agronegócio

Análise: O pacote fiscal passou. Mas ficou o mal-estar

Amazon, Huawei, Samsung: quais são as 10 empresas que mais investem em política industrial no mundo?

Economia de baixa altitude: China lidera com inovação