Michel Temer, presidente interino (ASCOM/VPR)
Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2016 às 17h27.
Se a recessão econômica foi o pontapé inicial para a queda da popularidade de Dilma Rousseff, ela poderá representar a marca do novo governo.
O presidente interino Michel Temer tem pouco tempo para tomar difíceis decisões na tentativa de cumprir o que diz ser suas duas prioridades: pacificar o País e criar empregos.
Se unir o País, dividido atualmente pelos diferentes viés políticas, já será uma tarefa nada fácil, tentar frear a disparada da taxa de desemprego, que já registrou 11 milhões de brasileiros sem trabalho, parece ainda mais difícil.
Agora, diante de tantas mudanças, o que esperar do governo Temer na área econômica? Quais são as propostas e, principalmente, como o peemedebista pretende lidar com a recessão, aumento de preços, desemprego e conquistar a volta da credibilidade do País?
Apesar da euforia ter tomado conta do mercado financeiro nos últimos meses – queda do dólar, valorização da bolsa de valores, etc – é consenso que Temer terá um baita desafio na economia brasileira, sobretudo em relação à dívida da União, inflação e juros altíssimos, recuo da atividade econômica e o temido desemprego, que economistas apostam em um aumento ainda neste e nos próximos anos.
Para combater tudo isso e o que ainda está por vir, o presidente interino se encarregou de montar uma equipe para comando do apelidado pelo mercado de “Superministério": Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central na gestão Lula, foi para o Ministério da Fazenda, Romero Jucá para o Planejamento e José Serra para o Itamaraty.
Ainda nesta terça-feira (16), o ministro Henrique Meirelles deverá anunciar o nome do novo presidente do Banco Central, assim como o presidente da Caixa Econômica Federal. Os nomes mais cotados para comandar o Banco Central são os dos ex-diretores Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, e Mário Mesquita, sócio do banco Brasil Plural.
Desde que assumiu a presidência, Temer quis passar a mensagem de corte de gastos para o mercado. Dos 32 ministérios, a Esplanada passa a ter 24 pastas. Ministérios como da Cultura e Direitos Humanos foram extintos e fundidos com outros.
Na última sexta-feira, Meirelles já anunciou que os esforços de seu Ministério estão focados na dívida pública e que, para diminuí-la, o governo pode até optar pela recriação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). "Sem o aumento de imposto é preferível, porque a carga tributária é muito elevada", reconheceu o ministro.
"Temos que analisar se é necessário um imposto temporário, com prazo determinado, ou que não haja, mas a ideia é que esse decisão não seja tomada precipitadamente."
No mesmo dia, Jucá disse que o presidente em exercício determinou que revejam estrutura de ministérios, com a previsão, em 31 de dezembro de 2016, de cortes de 4 mil cargos de comissões e outras formas de contratação sem concurso. "Cortes corresponderão ao dobro do que governo anterior disse que faria e não cumpriu", afirmou.
'Uma Ponte para o Futuro'
Além de nomes fortes para a área econômica, o PMDB lançou dois documentos com as principais propostas defendidas pelo partido para conter o avanço da crise econômica: Uma Ponte para o Futuro, lançado em outubro de 2015, e o mais recente e elaborado A Travessia Social, lançado neste mês, com pontos que abrangem programas sociais, entre outros pontos.
Para especialistas ouvidos pelo HuffPost Brasil, apesar de os documentos sinalizarem medidas importantes para a volta da atividade econômica, ele mostra pouco como tais ações serão implantados. Além disso, o ajuste fiscal e corte de gastos terão grande impacto para a população no curto prazo. “A situação é amarga. Para melhorar, é preciso piorar primeiro”, analisa Juliana Inhasz, sócia-fundadora da consultoria Stokos Economic Research e professora da FGV.
As propostas presentes no primeiro documento Uma Ponte Para o Futuro chegaram a ser criticadas pelo senador Roberto Requião, um dos líderes do PMDB. À BBC Brasil, ele disse que o que o partido propõe causaria a “maior crise social da história do Brasil”.
"É uma espécie de protocolo dos sábios do mercado. É mais radical do que toda a operação fiscal do (ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, que beneficia o capital especulativo e prejudica duramente o trabalho. É pior do que o que se propôs para Grécia, Itália, Portugal e Espanha", explicou.
Para Agostinho Pascalicchio, professor de economia no Mackenzie, o documento é um sinal de correção da desconfiança fiscal do País e é apoiado no tripé “redução das despesas públicas, diminuição do custo da dívida e a volta do crescimento do PIB". “O documento é vago no aspecto operacional – em como vai operacionalizar todas as propostas. Mas apresenta um conjunto de intenções no sentido de corrigir o que temos hoje”, explica.
Os planos de Temer
Documentos do PMDB incluem algumas medidas de austeridade, maior poder do Congresso sobre o Orçamento, mudanças na Previdência Social e manutenção dos programas sociais.
Política Fiscal
Em Uma Ponte para o Futuro, o partido diz que é preciso construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradoura, com superávit e redução progressiva do endividamento público. Para isso, a meta seria alcançar, em no máximo três anos, a estabilidade da relação dívida/PIB e voltar a uma taxa de inflação no centro da meta de 4,5% ao ano.
Para este ano, o mercado financeiro prevê uma retração de 3,66% para o PIB de 2016. Já para a inflação, a previsão é de 7,28% no ano.
A redução dos juros básicos da economia (Selic) também está nos planos de Temer – a ideia é estar em linha com uma média internacional de países desenvolvidos e emergentes. Hoje, a Selic está em 14,25%, muito acima das taxas praticadas em países dos EUA e europeus, que não chegam a 1%.
O documento também diz que a taxa de câmbio deve refletir condições relativas de competitividade, sem citar qual seria este parâmetro.
“O que ele [Michel Temer] propõe é a parte mais triste: não está nada fora do que ela [Dilma Rousseff, com Joaquim Levy] propôs um tempo atrás”, diz a professora de economia da FGV. “As pessoas não entendem que se está dando roupa nova a uma coisa que já se discutia.”
Segundo Juliana, a diferença pontual entre a proposta do PMDB e do Joaquim Levy é a crítica de que o caminho não seja aumentar a tributação, mas repensar em redução de gastos, eficiência do Estado. “A elevação da tributação dificilmente viria em num primeiro momento. O essencial é estabilizar a dívida. A gente não consegue fechar a conta hoje.”
No Orçamento da União, um dos pontos levantados é a eliminação de vinculações orçamentárias previstas na Constituição, inclusive para a saúde e educação. Também cita uma reforma no processo de elaboração e execução do orçamento público, tornando o gasto mais transparente e eficiente.
Previdência
No primeiro documento, é proposta a adoção de idade mínima para aposentadorias, que não seja inferior a 65 anos para homens e a 60 anos para as mulheres.
Esta proposta também já foi confirmada pelo ministro da Fazenda. Sobre o tema, Meirelles disse que são mudanças fundamentais [que se pretende], pois o mais importante é assegurar as aposentadorias dos brasileiros no futuro. “Não é estar prometendo valores e coisas que não podem ser cumpridas no futuro, porque não são financiáveis”. Segundo ele, é preciso entender que despesas públicas são sempre pagas pela população, incluindo o sistema previdenciário.
Segundo Inhasz, boa parte dos recursos do governo está sendo direcionada para pagar benefícios sociais. “O que eles propõem é o que muitos já queriam: refazer o desenho da previdência. Estamos convivendo com a necessidade de reforma desde os anos 90.”
A economista da FGV explica que, enquanto a economia crescia, esta questão estava em segundo plano, pois as receitas cobriam os gastos com a previdência. Agora, com o aperto nas contas públicas, não é possível mais remanejá-los. “As pessoas vivem mais, ganham benefício por mais tempo. Então é preciso fazer algo mais realista, que é colocar idade mínima, porque não pode aumentar a contribuição, que já é elevada.”
O PMDB cita também o fim da indexação de qualquer benefício previdenciário ao valor do salário mínimo. Na avaliação do economista da Cofecon (Confederação Federal de Economia) e pós-doutorando da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Luciano D'Agostini, a indexação seria uma prática positiva apenas se a inflação brasileira fosse próxima a zero. “Indexação é razoável na teoria, mas não tem cabimento na nossa economia. Quando aumentamos o salário mínimo acima da inflação, damos maior poder de compra para o aposentado. Isso é bom para quem recebe o benefício, mas com 10 anos de um aumento artificial do mínimo, temos um custo lá na frente.”
“Você está dando aumento real [de renda] para quem está fora da economia”, acrescenta Juliana. “Não faz sentido este benefício indexado ao mínimo, sendo que este tem um ganho acima da inflação.”
Privatizações
Em ambos os documentos é defendida a proximidade entre o governo e o setor privado. “O Estado deve transferir para o setor privado tudo o que for possível em matéria de infraestrutura”, diz o texto.
Neste ponto, o texto também diz que o Estado deixará de ser provedor direto de bens públicos e que deverá ter foco em prover apenas o que o mercado não consegue. As privatizações são citadas como sugestão para melhorias em serviços como o de saúde.
Inhasz avalia a medida como positiva, uma vez que considera o Estado um “gestor ineficiente". “A gestão é ruim e acarreta em um imenso ônus”. Para ela, privatizações significam mais eficiência e produção. “O PIB cresce, as taxas de desemprego caem e o Estado acaba saindo de cena, diminuindo os gastos.”
Questionada sobre o aumento dos preços para os brasileiros com as possíveis concessões, a economista explica que já se paga custos embutidos, como aumento da dívida pública, juros e inflação. “Ele [governo] dá subsídio, baixa os preços e não tem como bancar, então aumenta a dívida, que causa mais juros e inflação. No final, temos grande inflação e todo mundo ajuda a bancar.”
Relações exteriores
Os dois documentos citam maior abertura comercial. O PMDB deixa claro que, na visão do partido, os investimentos privados e as exportações são os principais “motores” para o crescimento do País.
Para isso, será feita busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – como EUA, União Europeia e Ásia – “com ou sem a companhia do Mercosul”.
Com Serra como chefe do Itamaraty, a expectativa é de que mudanças apareçam rápido em relação à Venezuela. "Será o fim rápido de qualquer tendência pró-bolivariana por parte do governo brasileiro", disse o coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV, Matias Spektor, em entrevista à Época.
"Isso é fácil de mudar porque o regime venezuelano está implodindo sozinho. Mas em áreas onde há muitos interesses brasileiros em jogo, como o Mercosul, será difícil ver uma guinada radical. Porque apesar de o Serra ser crítico do Mercosul, o Temer não chega ao governo com um mandato popular para fazer grandes guinadas. Temer vai evitar, na medida do possível, comprar grandes brigas."
Programas sociais
Após ameaças da oposição sobre o fim de programas sociais, como Bolsa Família e Fies, o PMDB dedicou os principais pontos do documento A Travessia Social ao tema. Ele prevê o aumento da “eficiência dos programas sociais”, dando foco principalmente na parcela mais pobre da população.
No caso do Bolsa Família, o alvo seria nos que compõem os 5% mais pobres da população, que seriam 10 milhões de brasileiros. Atualmente, o programa comtempla 14 milhões de famílias, repassando, em média, um total de R$ 2,3 bilhões por mês. O valor médio é de R$ 163,57 por família.
Para o PMDB, os brasileiros que estão acima do limite e que estão na faixa de até 40% dos mais pobres estão “perfeitamente” conectados à economia e devem ter benefícios com uma eventual retomada da atividade econômica. Para os 70 milhões que estão na faixa entre os 40% e 50% mais pobres, a prioridade será aprimorar a entrada no mercado de trabalho.
O programa Minha Casa, Minha Vida também terá como foco a população mais pobre. O PMDB diz que vai manter outros programas, como Fies e o Pronatec, e diz que dará uma revisão neles, sem dar detalhes sobre a execução dessas reformas.
“De forma geral, os programas sociais do PT foram muito importantes e são imprescidíveis até hoje. Não vejo espaço político para acabar com esses programas, mas veja um espaço para ajustes”, diz o cientista político do Insper, Carlos Melo. “Eles perderam o foco ao longo dos anos. Tem setores que precisam de mais atenção, e outros de menos.”
Segundo o cientista político, o chamado “freio de arrumação” de Temer já era proposta, de outra forma, por Levy. “Isso não é muito diferente das questões levantadas um ano atrás."
Reforma tributária
No documento Uma Ponto para o Futuro, o PMDB diz que é preciso fazer um “vasto esforço de simplificação, reduzindo o número de impostos” e cita a desoneração das exportações e dos investimentos, assim como a necessidade de reduzir as exceções para que “grupos parecidos paguem impostos parecidos.”
Apesar de afastar a possibilidade de aumento de impostos no primeiro momento, Meirelles diz não descartar, num segundo momento, a volta temporária da criticada CPMF para ajudar no período de ajuste das contas públicas. A medida entraria em ação caso o corte de despesas, defendido pelo possível governo, não fosse suficiente para diminuir o rombo no Orçamento, que é de pelo menos R$ 140 bilhões – ou 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
Na avaliação da economista da FGV, Juliana Inhasz, o Brasil não passou ainda pela “pior fase”, uma vez que ajustes, corte de gastos e planos para conter a dívida pública não saíram do papel.
“Para melhorar hoje, precisamos piorar. A melhoria da economia passa por uma piora desse cenário que vemos hoje. É como se a gente precisasse descer um pouco para subir. A questão é: por que não tomou impulso quando começamos a cair? Não fizemos nada até agora.”
Emprego e capacitação
Também no documento A Travessia Social, o partido propõe a criação de um programa de certificação de capacidades, com formação anual para trabalhadores, estejam empregados ou não. Esta espécie de “cupom” da qualificação poderia ser usado como uma ferramenta para o trabalhador que emprego ou que queira melhorar a renda dos que já estão empregados.
A pauta da terceirização não foi mencionada como uma das propostas para aumentar o emprego. O projeto de lei 4330/2004, bandeira levantada pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, afastado na última quinta-feira (5) do mandato, está nas mãos do Senado.
O projeto amplia a terceirização para atividades-fim e não apenas aos serviços secundários, como funciona hoje. Na prática, será legalizada a contratação de prestadoras de serviços para executarem quaisquer atividades. Além dele, tramita no Congresso Nacional o PL 4193/2012, que permite que convenções e acordos coletivos de trabalho negociados entre patrões e empregados prevaleçam sobre a legislação trabalhista – mesmo que isso signifique perdas aos trabalhadores.
Na opinião do jornalista e ativista da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, tais projetos vistos como “graves retrocessos” para os direitos trabalhistas devem contar com o apoio de um eventual governo Michel Temer.
“Nesse momento de grave crise econômica, a legislação trabalhista tem sido apontada como 'culpada'' pela situação. Ou, pelo menos, como um entrave à saída rápida dela quando, na verdade, tem funcionado como um colchão de amortecimento, garantindo que a pancada no trabalhador seja menos pior.”
Segundo Sakamoto, algumas das forças políticas que darão sustentação a um eventual governo Temer já estariam pressionando por mais “flexibilidade, menos regulação estatal, menos intervenção do Estados e mais liberdade entre as partes, patrões e empregados, na hora de contratar”.
Já o professor da USP, Fernando Zilveti não acredita que o novo governo entre neste mérito num primeiro momento. “Ele não vai fazer significativas alterações nos direitos trabalhistas. Ele vai olhar para 2018 e garantir a participação do partido dele”, sugere. “Hoje ele depende essencialmente das eleições para se manter e não vai propor mudanças que tirem as representações. Uma revolução nunca foi marca do PMDB.”
Na prática, o que muda?
Apesar de as medidas parecerem favoráveis para a economia, pouca coisa deve mudar no primeiro plano. “As cartas são fundamentalmente políticas. A questão central é a legislação, é o Senado e o Congresso aprovarem isso também”, dispara o economista da Cofecon, Luciano D'Agostini.
“Se quer cortar gastos de verdade, terão de cortar verba de parlamentar, cortar passagens, reserva de gabinete, mas eles não querem perder o conforto”, disse. “Temer foi vice-presidente do Lula e sempre foi aliado a essas e outras medidas [que hoje critica]. Não vejo reforma estrutural, apenas alternância de poderes.”
Para o cientista político, Carlos Melo, Temer pode dar um “reload” no "sistema", mas problemas estruturais ele não deve resolver. “Continua sendo a mesma coisa, com todos os problemas, mas a navegação é um pouquinho melhor. Se Temer se colocar numa transição, com sentido na retomada do rumo, já pode ser positivo na situação em que nos encontramos hoje.”
Melo acrescenta que tudo vai depender dos resultados alcançados nos primeiros cem dias . “É preciso ver se o governo cria um ambiente favorável e engrena uma expectativa boa para os investimentos”, diz. “O que não dá é tentar prever o que vai acontecer. A política se faz a cada dia.”
“O que é importante entender é que não temos uma saída fácil. Tudo vai depender da política. É um cenário muito volátil e as coisas podem mudar a qualquer hora.”