Unidade do Sicredi: cooperativas crescem em tempos de crise, quando acesso ao crédito fica mais difícil. (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 4 de abril de 2016 às 08h04.
São Paulo - Dobrando a esquina, rumo ao Morro da Igreja, em Urubici, um dos cartões postais da serra de Santa Catarina, chama a atenção o letreiro O Bifão, estampado na parede do bar e lanchonete que carrega o nome.
Recentemente, os donos decidiram fazer uma reforma para melhorar o ambiente, mas precisavam de crédito. Ao contrário do que se imagina, essa foi a parte mais fácil da empreitada.
"Sem burocracia. Nenhum empecilho. Contrato na hora. Dinheiro direto pra conta. Metade do preço", resume um dos donos, Luiz Carlos Alves.
O dinheiro veio de uma cooperativa de crédito chamada Sicoob, onde há 14 anos está a conta corrente dO Bifão.
Casos como esse estão se proliferando país afora. Em busca de juros mais baixos, 7,8 milhões de pessoas e empresas se tornaram associados a cooperativas de crédito, segundo dados do Banco Central.
E as cooperativas, que tiveram origem no setor agrícola - caso da Sicredi, que tem mais de 100 anos -, agora se espalham por todos os setores.
Esse contingente tem feito as instituições crescerem a um ritmo acelerado. Na média, 20% ao ano - acima dos 16% que foram registrados pelos grandes bancos ou dos 11% de avanço dos bancos médios.
Juntas, as quatro maiores do País - Sicredi, Unicredi, Sicoob e Confesol - já seriam hoje o sexto maior banco de varejo, segundo estudo inédito feito pela consultoria alemã Roland Berger.
E não é exagero de Luiz Carlos, dO Bifão. As taxas de juros são de fato metade das que cobram os bancos. Enquanto o cheque especial fica em média 11% ao mês nos grandes bancos, nas cooperativas é de 5,5%. O crédito pessoal é um terço do valor. Nas cooperativas, sai, na média, por 2,1% ao mês.
Os juros mais baixos são possíveis porque as cooperativas não têm fins lucrativos, já que emprestam basicamente para seus próprios associados, que são, portanto, os donos do negócio.
Outro motivo é que os resultados dessas instituições, diferentemente dos bancos, possuem isenção fiscal, segundo conta o chefe adjunto da área de cooperativas do Banco Central, Rodrigo Pereira Braz.
Mas, como diz a máxima americana, "não existe almoço grátis". Os juros mais baixos da cooperativa também trazem risco aos associados. Por serem donos, eles recebem o rateio dos resultados ao fim do ano, mas também são responsáveis por eventuais prejuízos, ou seja, são chamados a cobrir perdas com seu próprio capital. Braz, do BC, diz que são poucos os casos registrados, mas reforça que é um risco a que se deve ficar atento.
São nos momentos de crise que as cooperativas mais crescem, segundo o presidente da Roland Berger, Antonio Bernardo.
Isso acontece porque o crédito se torna mais escasso nos bancos e também porque nas cooperativas o atendimento é de maior confiança entre as partes.
Mas, apesar do crescimento acelerado, as cooperativas ainda representam apenas 3% do sistema financeiro e enfrentam o desafio de ganhar mais escala.
Segundo Bernardo, associação, fusão ou compartilhamento seria uma forma eficiente de cortar custos e crescer mais rápido. Ele lembra que em países da Europa, os sistemas cooperados são muito fortes. Na França, por exemplo, quase 50% do sistema financeiro é formado por cooperativas.
No Brasil, a fusão das quatro maiores já é um assunto discutido. O diretor financeiro da Confresol, Adriano Michelon, diz que o primeiro passo foi dado ao ser criado há dois anos o Fundo Garantidor para cooperativas, que cobre, em até R$ 250 mil por pessoa, as perdas em caso de quebra de uma instituição.
O presidente da Unicredi, Léo Trombka, diz que o segundo passo está sendo dado neste ano com a exigência de auditorias especializadas em cooperativas.
As cooperativas de crédito ainda ocupam uma fatia pequena na "pizza" do sistema financeiro brasileiro, de apenas 3%.
Mas a cada dia estão ficando mais parecidas com grandes bancos, ofertando toda gama de produtos financeiros, registrando lucros na casa do bilhão e ocupando espaços antes restritos a grandes bancos nacionais ou internacionais.
Em maio, a Sicredi, uma das maiores do País e que no ano passado lucrou R$ 1,4 bilhão, vai inaugurar uma agência de 750 metros quadrados em plena Avenida Paulista, um dos endereços mais caros do país.
Também neste ano, o logotipo da Sicredi passou a ser visto nas rodadas do Campeonato Brasileiro de Futebol - a cooperativa patrocina diversos clubes de menor porte.
A Sicredi também está empreendendo um crescimento para toda a região Nordeste. Até o fim do ano, a cooperativa terá agências em 20 Estados brasileiros.
Essa expansão por todo o País já faz das cooperativas de crédito a segunda maior rede de agências do País, atrás apenas do Banco do Brasil, segundo dados do Banco Central.
Se postos de atendimento e caixas eletrônicos forem incluídos na conta, a importância das cooperativas fica um pouco reduzida, mas mesmo assim elas ainda ocupam o sexto lugar.
De acordo com estudo realizado pela consultoria alemã Roland Berger, as cooperativas de crédito têm hoje potencial para se tornarem um antídoto à grande concentração bancária no País, que ficou ainda maior depois que o HSBC foi comprado pelo Bradesco, em 2015.
Até o fim deste ano, há a expectativa de que o americano Citibank deixe o varejo brasileiro - entre seus potenciais compradores destacam-se dois bancos já bastante fortes no mercado, como o Itaú e o Santander.
Hoje, o domínio que instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander têm do setor é considerado mais forte na comparação com o resto do mundo.
Embora a concorrência no mercado esteja cheia de "pesos-pesados", o presidente da Sicredi, Edson Nassar, diz que há muito espaço a ser ocupado pelas cooperativas. "Temos 97% do mercado a conquistar", diz Nassar, em referência à fatia de 3% das instituições no sistema financeiro.
A Sicredi não está sozinha na busca de uma atuação mais abrangente. Desde que o Banco Central (BC) permitiu que as cooperativas de menor porte deixassem de ser exclusivas de uma categoria, a Confresol tem investido para conquistar clientes fora do setor agrícola, sua origem.
A Confesol tem hoje convênio com o Banco do Brasil e a Rede 24 horas para que seus clientes possam efetuar saques em caixas eletrônicos.
Para ficarem cada vez mais comparáveis aos bancos, as cooperativas também oferecem investimentos. A mais clássica é o RDC, uma espécie de depósito a prazo remunerado que oferece entre 10% e 12% de remuneração por ano, em média. O presidente da Unicredi, Léo Trombka, diz que a cooperativa só não oferece caderneta de poupança.
Quanto mais clientes conquistarem, mais as cooperativas vão conseguir ampliar sua capacidade de emprestar dinheiro, hoje ainda limitada em função do volume de ativos.
Os recursos para concessão dos financiamentos hoje vêm basicamente dos depósitos, do volume de capital próprio dos associados e de linhas repassadas por bancos, entre eles o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.