Economia

Contas externas do Brasil têm rombo recorde e podem afetar câmbio em meio ao tarifaço de Trump

Situação deixa o país em uma posição menos confortável para absorver choques de fora

Contas externas do Brasil: resultado deficitário foi de US$ 65,4 bilhões, ou 3,02% do PIB (	SimpleImages/Getty Images)

Contas externas do Brasil: resultado deficitário foi de US$ 65,4 bilhões, ou 3,02% do PIB ( SimpleImages/Getty Images)

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Publicado em 20 de março de 2025 às 12h05.

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Mesmo antes de qualquer impacto direto no Brasil da política protetiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a situação das contas externas do país já emite um sinal de alerta. No ano passado, as fontes de financiamento estrangeiro não foram suficientes para cobrir o déficit brasileiro nas trocas com o mundo e geraram o maior "buraco" desde 1995, nas contas do sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do Ibre/FGV, Livio Ribeiro.

Essa situação deixa o país em uma posição menos confortável para absorver choques externos. A isso, se soma a ofensiva tarifária de Trump, que deve diminuir ainda mais o fluxo de capitais para países emergentes este ano. A deterioração nas contas externas brasileiras, porém, não é considerada alarmante por especialistas e está longe de um cenário de vulnerabilidade ou crise externa, mas a tendência é que o câmbio fique mais volátil e desvalorizado.

Um dos sinais de alerta vêm do estreitamento do "financiamento" do déficit externo do país. Em janeiro, o rombo em transações correntes (que mostra o saldo nas trocas com o resto do mundo) praticamente se igualou ao volume de Investimento Direto no País (IDP), considerando o período de 12 meses.

O resultado deficitário foi de US$ 65,4 bilhões, ou 3,02% do PIB, contra US$ 68,5 bilhões do IDP (3,16% do PIB). A diferença de 3,1 bilhões é a menor desde maio de 2020, um dos períodos mais desafiadores para a atividade econômica global durante a pandemia de covid-19.

A relação entre o resultado em transações correntes e o Investimento Direto no País (IDP) é comumente utilizada para medir a “saúde” das contas externas. O IDP é considerado um fluxo de capital mais "saudável", porque é direcionado para aportes produtivos, com perspectiva de permanência maior no país, ao contrário dos investimentos no mercado financeiro.

"É a principal fonte de arrecadação para o déficit. A aproximação acende um sinal de alerta, mas existem outras formas de se financiar, como o investimento em portfólio, que é mais volátil. É sim a fonte mais segura que o Brasil pode se financiar por meio de reservas internacionais", explica Luiza Pinese, economista da XP Investimentos.

A economista revisou a projeção para o déficit em conta corrente de 2025, de US$ 52,5 bilhões para US$ 62,6 bilhões (3,0% do PIB).

Contabilizando todas as fontes de financiamento externo, faltaram US$ 26,4 bilhões para financiar o déficit em conta corrente e as parcelas de empréstimos internacionais no ano passado, nos cálculos de Livio Ribeiro. A conta considera, além do saldo líquido de IDP, os investimentos no mercado financeiro, as captações externas, os contratos cambiais e derivativos, entre outros. Esse é o pior resultado da série do BC, iniciada em 1995.

Intervenções do BC

Ribeiro reconhece que o resultado do ano passado foi bastante prejudicado pela forte intervenção no mercado de câmbio realizada pelo Banco Central em dezembro do ano passado, em meio à escalada do dólar. A atuação extraordinária foi de US$ 32,574 bilhões - US$ 21,5 bilhões só no mercado à vista. Mas o pesquisador argumenta que esse foi mais o efeito do que a causa do problema.

"O BC precisou entrar no mercado porque faltou dinheiro. A venda da reserva é o efeito, não é a causa. O que na verdade é relevante é que a realidade do financiamento externo piorou. O mundo ficou menos palatável, mais difícil. O fluxo de financiamento para economias emergentes será mais complicado em 2025".

Para Livio Ribeiro, com a taxação de Trump, o momento é ruim para o mundo inteiro, mas os emergentes têm um "dever de casa" maior. No Brasil, a questão é fiscal. Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria, vê a redução do fluxo de capital como o maior risco das políticas do governo do republicano para o país, especialmente em um momento em que a dependência de capitais mais voláteis está aumentando. Ele lembra que o Brasil não é um alvo prioritário para Trump na tarifação.

"Com a margem mais estreita entre déficit em conta corrente e IDP, os capitais voláteis passam a ser mais importantes e estão mais sujeitos ao humor do mercado".

Crescimento da economia

Do outro lado da conta, o déficit em conta corrente mais que dobrou em 2024 principalmente devido ao forte crescimento da economia brasileira. O consumo transbordou para o exterior na forma de aumento das importações de bens e serviços.

"É um dos sintomas de um crescimento econômico acima do potencial. Um deles é a inflação. O outro é que o aumento da demanda vaza para o exterior na forma de importações de bens e serviços, provocando a redução do saldo comercial e o aumento do déficit da conta de serviços", diz Silvio Campos Neto.

Os especialistas dizem, porém, que o cenário, apesar de mais delicado, não é alarmante. Em primeiro lugar, é esperada uma redução do déficit em conta corrente este ano, em virtude da perspectiva de desaceleração econômica e do dólar mais alto, com efeito sobre as importações.

Projeções Na Tendências, a projeção é de rombo de cerca de US$ 50 bilhões. As previsões de IDP são de US$ 76 bilhões e R$ 60 bilhões, respectivamente. Livio Ribeiro espera uma sobra" de US$ 5 bilhões no financiamento do déficit externo este ano. Outro ponto a favor do país é que a dívida externa é condizente com o estoque de reservas internacionais e a maior parte é de longo prazo.

"Não é um sinal de vulnerabilidade externa ou qualquer questionamento de solvência externa. De certa forma, é um sinal de menor conforto. A correção disso passa por um crescimento econômico mais comedido e uma depreciação cambial. No mínimo, é um limitante para a apreciação. Talvez tenhamos que nos acostumar com o câmbio a R$ 5,80 e não muito abaixo disso", diz Silvio Campos Neto.

O pesquisador do Ibre/FGV concorda que o principal efeito é uma volatilidade maior do câmbio e uma tendência de enfraquecimento.

"O ambiente mudou. Estávamos há muitos anos sem discutir problemas de financiamento externo. Agora voltamos a discutir. Mas não é que o país vai quebrar. Não é uma crise de balanço de pagamentos. Mas não tem sobra. Vai trazer mais sensibilidade. No fim do dia, o câmbio vai ficar mais volátil e com uma tendência a enfraquecer. Hoje, eu diria que o dólar tem mais chance de chegar a R$ 6,50 do que R$ 5,50".

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