Pedestres e morador de rua em São Paulo (Patricia Monteiro)
João Pedro Caleiro
Publicado em 7 de março de 2017 às 12h10.
Última atualização em 7 de março de 2017 às 18h20.
São Paulo - É oficial: o Brasil teve dois anos seguidos de recessão, o que não acontecia desde os anos 30.
A queda do PIB foi de 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016, de acordo com os dados divulgados hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O órgão confirmou que a queda acumulada de 7,2% é a pior pelo menos desde 1948, quando começa a série histórica.
O resultado trimestral anualizado foi o pior entre 38 países, segundo ranking divulgado hoje pela Austin Ratings.
O PIB per capita, que divide o bolo econômico pelo número de habitantes, despencou 11% desde o final de 2014.
Foram 8 trimestres seguidos de queda tanto no número final quanto em seu principal componente: o consumo das famílias.
É um reflexo da inflação alta, do crédito escasso e da eliminação de quase 3 milhões de postos de trabalho, o que ajudou a praticamente dobrar a taxa de desemprego em 2 anos, de 6,8% para 12,6%.
"O consumo cresceu demais e agora estamos vendo o reverso. Quando você tem crescimento com expansão de crédito a retomada é mais lenta porque você tem que fazer desalavancagem. Isso também vale para as empresas e para o governo", diz Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV).
Chama a atenção, pelo lado da despesa, que o consumo do governo tenha caído apenas 1,1% em 2015 e 0,6% em 2016.
A maior reforma fiscal aprovada até agora, o teto de gastos, começa a valer só a partir deste ano, e a margem para cortes é limitada porque rubricas centrais (como Previdência) são obrigatórias por lei.
"Um dos grandes responsáveis pela crise foi o desarranjo das contas públicas e quem está ajustando é o setor privado", resume Alberto Ramos, diretor para América Latina do Goldman Sachs.
O investimento, primeira vítima da crise mesmo antes de a recessão se confirmar, cai há 11 trimestres consecutivos.
A taxa de investimento em relação ao PIB caiu quase dois pontos percentuais só em 2016, indo de 18,1% para 16,4% - a pior da série histórica iniciada em 1996.
Otto Nogami, professor do Insper, nota que o investimento tem um efeito multiplicador e calcula que para cada 1 real investido, de 3 a 4 reais são gerados no longo prazo.
A esperança nesse quesito vem da possibilidade de um bom andamento das concessões (o governo deve anunciar um novo plano ainda hoje), mas o setor privado ainda está em compasso de espera.
"Porque o investimento iria bombar se há capacidade ociosa e incerteza politica? E ainda tem eleição ano que vem. Qualquer sinal negativo pode acabar com essa lua de mel", diz Silvia.
No lado industrial, a recuperação dos estoques já esgotados deve contribuir para o lado da oferta, mas a construção civil, que caiu 7,5% em 2016 e tem um peso grande, ainda depende da recuperação do crédito.
Um grande alívio nesse sentido é que as projeções de inflação finalmente estão entrando no centro da meta, com o Banco Central indicando que pode acelerar o ritmo de cortes nas taxas de juros.
Os dados de confiança tem vindo mais positivos em todos os setores, e o recuo do risco-país, apreciação do real e valorização da bolsa nos últimos meses expressam otimismo no mercado financeiro.
"O comportamento dos preços das ações – sintetizado pelo Ibovespa – é, historicamente, um razoável indicador antecedente do crescimento do PIB, não somente no Brasil mas em boa parte do mundo.", diz um relatório da LCA Consultores.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, tem uma visão positiva de 2017 a começar pela agricultura, que teve a maior queda do ano passado (-6,6%).
"Os sinais para este ano são positivos, a começar do agronegócio, que vai ter uma safra bastante forte. O impacto será bastante positivo ao longo do ano, com crescimento esperado no setor de 7,7%."
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, destacou na manhã de hoje que os dados divulgados hoje são um "olhar no espelho retrovisor".
Ele prevê crescimento anualizado de 3,2% no último trimestre, mas a média do ano deve ser bem mais baixa. O motivo é que um buraco tão fundo continua influenciando os dados por um tempo.
"O carry over (ou a ‘herança estatística”) de 2016 para 2017 é de -1,1% ou seja, mesmo que em todos os trimestres o crescimento seja nulo a economia em 2017 terá contração de -1,1%", diz nota do Banco Fibra assinada pelo economista-chefe Cristiano Oliveira.
As projeções de crescimento para este ano vão de 0,4%, segundo o IBRE/FGV (que acertou o número trimestral), a 0,6% segundo o Goldman e 1% segundo a MB Associados e o Fibra.