Marcos Buckeridge, biólogo, professor titular da Universidade de São Paulo. (Germano Lüders/Exame)
Vanessa Barbosa
Publicado em 22 de novembro de 2018 às 11h43.
Última atualização em 22 de novembro de 2018 às 15h25.
São Paulo - O mundo tem apenas até 2030 para evitar um aquecimento global de 1,5 grau Celsius (°C) em comparação com o período pré-industrial e conter mudanças climáticas catastróficas. As empresas globais podem fazer parte da solução? E onde estão as oportunidades para o Brasil retomar sua liderança global no tema? Essas questões nortearam a primeira rodada de discussões da edição 2018 do EXAME Forum Sustentabilidade realizado na manhã desta quinta-feira em São Paulo.
“As grandes empresas felizmente estão mostrando comprometimento com a sustentabilidade, não obstante as dificuldades econômicas do país. Este momento pós-eleições é particularmente importante para trabalharmos juntos. Se o Brasil conseguir reafirmar seu protagonismo nessa discussão, a gente talvez saia maior lá na frente”, afirmou o diretor editorial de EXAME, André Lahóz Mendonça de Barros.
E como fazer isso? Para Marcos Buckeridge, biólogo, professor titular da Universidade de São Paulo, presidente da Academia de Ciência do Estado de São Paulo e um dos autores do relatório 1,5° Celsius do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a questão mais importante neste momento do país é a da governança, que exige articulação e equilíbrio para tomada de decisão, planejamento e aplicação de políticas públicas, “algo que vamos ver se Bolsonaro e equipe terão”.
Cidades mais livres para tomar a frente nas estratégias de combate às mudanças climáticas, como tem ocorrido nos Estados Unidos, são outro fator diferencial na equação por um mundo mais sustentável. “As cidades no Brasil são escravas do Estado. Mas as soluções climáticas estão cada vez mais atreladas às soluções locais, então precisamos mudar o pacto federativo para dar mais autonomia às cidades”, afirmou o biólogo.
Ao avaliar o papel das empresas nesse processo, Denise Hills, presidente da Rede Brasil do Pacto Global da ONU e superintendente de sustentabilidade e negócios inclusivos do Itaú Unibanco, se declarou uma “otimista consciente”. A Rede é uma iniciativa voluntária que procura fornecer diretrizes para a promoção do crescimento sustentável e da cidadania, por meio de lideranças corporativas comprometidas e inovadoras.
“O que vejo são empresas que compreendem o impacto das mudanças climáticas, que promovem essa consciência nas cadeias de valores, e entendem que resultado empresarial não difere de resultado no ambiente onde opera. As ações empresariais estão cada vez mais alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU”, destacou.
A combinação de cidades mais autônomas e empresas mais comprometidas cria um ambiente poderoso muito propício para mudanças positivas. Em termos relativos, dos 200 maiores PIBs do mundo, 154 são empresas, exemplificou Denise, destacando que esse movimento, muitas vezes, independe dos governos nacionais.
Exemplo disso vem dos EUA, onde número de empresas e cidades-estados que mantiveram seus compromissos com questões ambientais e climáticas representam o quarto maior PIB mundial, apesar do desmonte que o governo Trump tem promovido na seara ambiental.
“Acredito que as empresas vão continuar cumprindo seus compromissos, muitos deles públicos. O Pacto Global assume um protagonismo quase político. Investidores internacionais olham cada vez mais para esse compromisso. E o protagonismo das empresas acaba trazendo para a economia uma mudança positiva mesmo em cenário adverso. Quando o Brasil perdeu investiment grade foi quando mais emitimos green bonds, o que representa uma maturidade das nossas empresas".
Agindo em paralelo e sintonizados, governos, cidades e empresas podem reescrever o futuro e reverter a tendência de aquecimento do Planeta, atingindo o melhor cenário previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
“Nesse cenário, se investíssemos 100 trilhões de dólares, evitaríamos o aumento de temperatura. Os gastos com mitigação e adaptação levariam a uma recessão mundial de menos 1%, mas nos recuperaríamos até meados do século (1960) e voltaríamos a crescer mais rápido ainda”, apontou o professor da USP.
No momento atual, segundo Buckeridge, com influência de governos menos sensíveis às questões ambientais, como Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil, estamos mais próximos do segundo cenário climático previsto pelo IPCC. Nessa caso, passamos de 1,5 grau Celsius, mas conseguimos baixar as emissões até 2060. Eventos extremos ocorrem com mais frequência, os custos de adaptação são de várias ordens de magnitude superiores aos 100 trilhões do cenário 1 e os mais pobres sofrerão, aumentando a desigualdade no mundo.
O pior dos mundos é o cenário três: não conseguimos mobilizar o planeta e a temperatura passa de 4 graus Celsius até o fim do século, os eventos extremos se acentuam drasticamente, com custos econômicos e humanos sem precedentes. A solução em tempos extremos passaria pelo uso de tecnologias de abrangência planetária (geoengenharia), como jogar aerossóis na estratosfera para escurecer o planeta e reduzir a radiação solar e jogar ferro nos oceanos para aumentar a absorção de C02. “Mas todos seríamos cobaias, não dá para reproduzir em laboratório”, observa o biólogo.
Contra as incertezas, é melhor agir no presente para garantir um futuro próspero e sustentável.