Economia

Como as mudanças no FGTS podem gerar novos empregos

Com a possibilidade de acessar o dinheiro do fundo todo ano, governo quer atacar a alta rotatividade, mas tese encontra barreiras

Mulher procura emprego: empresas brasileiras são uma das que menos investem na qualificação de seus trabalhadores (Paulo Fridman/Bloomberg)

Mulher procura emprego: empresas brasileiras são uma das que menos investem na qualificação de seus trabalhadores (Paulo Fridman/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 3 de agosto de 2019 às 08h00.

Última atualização em 5 de agosto de 2019 às 13h30.

São Paulo — O governo está tentando mudar o papel do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e com isso gerar efeitos de longo prazo sobre a economia brasileira.

As novas regras propostas na semana passada criam o "saque-aniversário", que permitiria ao trabalhador sacar anualmente parte do saldo do fundo a partir de abril de 2020. Se ele optar pelo saque anual, no entanto, perde o direito de receber todo o valor depositado no fundo caso seja demitido.

A previsão do governo é que haja um crescimento adicional de 0,35 ponto porcentual no Produto Interno Bruto (PIB) em 12 meses, em grande parte devido ao estímulo de curto prazo dos saques com limite de até 500 reais. 

Mas o governo também prevê 2,9 milhões de novos empregos em dez anos com base em uma tese mais ambiciosa: de que as novas regras ajudariam a atacar a alta rotatividade, um problema crônico do mercado de trabalho brasileiro.

O número de desligamentos chegou a atingir quase 50% do emprego médio no período 2011 e 2014, de acordo com dados do Caged destacados por um estudo da PUC do Rio de Janeiro.

"Uma das principais formas de acúmulo de capital humano é o learning by doing [aprender fazendo]. Se o funcionário fica pouco na empresa, ele se apropria pouco desse aprendizado e o empresário investe pouco na qualificação", diz Adolfo Sachsida, secretário de políticas econômicas do Ministério da Economia, em entrevista a EXAME.

O argumento é que ao servir como uma renda extra para o empregado, o saque-aniversário estimule o funcionário a permanecer por mais tempo no emprego.

"O FGTS é um prêmio que o trabalhador ganha quando é demitido. Se ele ganha um prêmio, tem um incentivo de querer ser mandado embora em algum determinado momento", explica José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

De acordo com ele, esse é um dos motivos pelos quais "as empresas brasileiras são uma das que menos investem na qualificação de seus trabalhadores, principalmente dos menos qualificados."

A alta rotatividade é maior ainda em cenários de pleno emprego, pois quando os trabalhadores sabem que têm mais opções, também têm mais incentivos para deixar o emprego atual.

"Se nós pudermos aumentar o tempo de permanência do funcionário na empresa, teríamos ganhos de produtividade, de renda, de produção e, consequentemente, de empregos. É por isso que a nossa medida tem efeitos estruturais na economia", diz Sachsida.

Limites

Hélio Zylberstajn, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), acredita que o raciocínio básico está correto, mas que o efeito pode ser limitado.

Isso porque há várias características das regras trabalhistas que também estimulam a rotatividade, como as atuais regras do seguro-desemprego e a multa de 40% sobre o saldo do fundo em caso de demissão sem justa causa. Uma pequena mudança no FGTS teria então um efeito pontual e imprevisível.

"Se todos aderirem é uma coisa, se poucos aderirem, é outra", diz Hélio. "E a gente não sabe se quem aderir realmente vai deixar de ter comportamento de rotatividade porque ele está abrindo mão de apenas um elemento desse pacote, e que pode não ser o principal", completa.

Um ponto que pode limitar o efeito da medida é que as pessoas com o perfil de maior rotatividade são justamente aquelas que costumam acumular pouco no FGTS e não ganhariam muito com a nova regra.

Um levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2016 mostrou que 20% dos trabalhadores que cursaram até a 4ª série do Ensino Fundamental tiveram mais de dez trabalhos com e sem carteira de trabalho assinada na sua trajetória profissional. Entre os brasileiros com curso superior, eram apenas 8% nessa situação.

Vale lembrar que a nova regra para o FGTS só entra em vigor após a aprovação da medida provisória 889/2019.

A MP ainda vai passar por uma comissão mista de deputados e senadores e pelos Plenários das duas Casas, e precisa ser aprovada até o dia 20 de novembro para não perder a validade.

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