Crise na Venezuela: salário mínimo de um venezuelano - 1,50 dólar pela taxa do mercado paralelo - dá somente para comprar um quilo de frango (Adriana Loureiro/Reuters)
AFP
Publicado em 27 de julho de 2018 às 09h21.
Última atualização em 27 de julho de 2018 às 09h23.
A inflação da Venezuela pode chegar a 1.000.000% este ano, segundo uma projeção do FMI que dá margem a muitos cenários e a uma única certeza: a dramática deterioração das condições de vida no país.
Hoje a salário mínimo de um venezuelano - 1,50 dólar pela taxa do mercado paralelo - dá somente para comprar um quilo de frango. As finanças públicas definham com a queda da produção petroleira, responsável por 96% das receitas do país.
O horizonte sombrio apontado pelo FMI - com uma queda de 18% do PIB - não surpreende a população, que enfrenta a crise diariamente.
"Nada mais me surpreende. Todos os dias as coisas aumentam. Não é gradual, é exponencial", comentou à AFP Marcos Salazar enquanto comia um hambúrguer que custou um salário mínimo.
Professor de 31 anos, ele sobrevive com três trabalhos e remessas de familiares no exterior.
Estima-se que 1,6 milhão de venezuelanos tenham emigrado desde 2016 por causa da crise, que segundo as principais universidades do país elevou a pobreza para 87% em 2017.
O FMI acredita que esse êxodo se intensificará ainda mais pela escassez de comida e medicamento e pela deterioração dos serviços públicos, com um forte impacto na região.
Segundo a Opep, a produção da estatal petroleira, quase única fonte de divisas, caiu de 3,2 milhões de barris diários (mbd) em 2008 para 1,5 milhões em junho deste ano, sem conseguir aproveitar a recuperação dos preços no mercado internacional.
A redução continuará até os 1,3 mbd no fim do ano, segundo a consultora Ecoanalítica, acentuando um déficit que especialistas avaliam em 20% do PIB.
"Só se sai da hiperinflação com reformas econômicas profundas. Assim terminaram todos os casos", disse à AFP Henkel García, diretor da consultora Econométrica, lembrando que esses fenômenos não se mantêm de forma permanente, como demostrou o caso do Zimbábue.
O FMI prevê, entretanto, que o governo socialista de Nicolás Maduro continuará cobrindo o déficit com financiamento monetário, o que impulsiona ainda mais a inflação.
A base monetária se multiplicou por 250 nos últimos dois anos, segundo o Banco Central.
García diz que além de frear essa expansão, é necessário resgatar a indústria - que funciona com 30% de sua capacidade - e desmontar o controle de preços e da taxa de câmbio, que confere ao Estado o monopólio das divisas.
Também é fundamental encontrar financiamento, com o obstáculo das sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela e a PDVSA, em default parcial por não pagar títulos da dívida.
Para a Econométrica, é preciso injetar entre 20 e 30 bilhões de dólares anuais por dois ou três anos.
No entanto, "não se vislumbra interesse algum do Executivo para modificar a política econômica", exceto algumas flexibilizações cambiais, considera a Ecoanalítica em seu relatório mais recente de perspectivas.
Maduro, cuja reeleição em 20 de maio não foi reconhecida em grande parte da comunidade internacional, tem à frente um desafio de equilibrista para não perder o controle.
Ele enfrenta crescentes protestos de funcionários estatais por melhorias salariais e de cidadãos cansados das contínuas falhas nos serviços públicos.
Essas manifestações, entretanto, estão isoladas e contam com a liderança da oposição, por enquanto desarticulada e com vários líderes presos ou exilados.
"O protesto social continuará aumentando", declarou à AFP o analista político Michael Penfold.
Ao mesmo tempo, e com recursos escassos, o governo deve atender às demandas de uma coalizão governante composta - segundo a Ecoanalítica - por "múltiplos grupos captadores de rendas".
"É provável que apenas a piora da crise gere as pressões necessárias para alterar o equilíbrio" dessa aliança ou, inclusive, "provoque sua substituição", adverte a Ecoanalítica, que prevê mudanças estruturais no começo de 2019.
Para o cientista político Miguel Martínez Meucci, "a principal ameaça para Maduro continua sendo o racha das Forças Armadas", cujo alto comando, com grande poder político e econômico, lhe jura lealdade.
"Embora um conflito social possa propiciar isso, o regime trabalha noite e dia para sufocar ambas as coisas", disse à AFP.
Dirigentes do chavismo elevaram nos últimos dias suas vozes pedindo mudança econômica. Essas tensões poderão vir à tona no congresso do partido do governo, que começará no sábado.
"Temos 19 anos de revolução, já somos responsáveis pelo bem e pelo mal", afirmou Freddy Bernal, influente colaborador de Maduro, reconhecendo que "a governabilidade foi perdida".