Arcabouço: entenda como ele pode impactar sua vida. (RafaPress/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 23 de agosto de 2023 às 09h05.
Última atualização em 23 de agosto de 2023 às 09h22.
Com a aprovação do projeto de lei na Câmara, que estabelece o novo arcabouço fiscal do país, os brasileiros se perguntam como ele pode influenciar na vida da população e por que é importante para o país. O projeto voltou à Casa, após alterações no Senado. Confira abaixo cinco pontos dos efeitos do projeto.
Com uma perspectiva mais favorável para as contas públicas, o Banco Central brasileiro terá mais segurança para continuidade ao ciclo de corte da taxa Selic, hoje em 13,25%. Com juros em queda, haverá maior propensão ao consumo de bens que necessitam de financiamentos, como imóveis, carros e eletrodomésticos.
O projeto de arcabouço fiscal também aumentará a confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira. Com isso, o fluxo de dólares vindo para o país será maior, o que tende a valorizar o real sobre a moeda americana.
Com o dólar em queda, a inflação também ficará menos pressionada. Produtos que têm a moeda americana como referência, como a gasolina e o trigo, poderão ficar mais baratos para os consumidores na ponta final.
As contas públicas em ordem e a queda dos juros irão estimular os investimentos públicos e privados. O país com as contas organizadas será visto pelos investidores como um lugar mais "seguro" para alocar recursos.
Com juros mais baixos, inflação em queda e mais investimentos, a tendência é de revisão para cima das estimativas de crescimento do PIB do país. Isso significa maior geração de empregos e renda para a população.
Desenhado pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com a participação de técnicos de outras pastas, como as de Planejamento e Gestão, o novo arcabouço fiscal foi aprovado na Câmara 379 votos a favor e 64 contrários, e vai agora para a sanção presidencial.
O conjunto de regras vai permitir que o governo tenha recursos para programas sociais e para manter funcionando a máquina pública sem que haja um descontrole de gastos e um excesso de endividamento.
Manter as contas públicas em ordem é fundamental para que se aumente a confiança dos investidores na economia brasileira e, assim, haja espaço para o Banco Central continuar o ciclo de redução da taxa de juros do país, permitindo um maior crescimento econômico e a geração de mais empregos. Entenda a seguir os principais pontos do projeto.
O novo arcabouço vai substituir o teto de gastos, criado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), que impede o crescimento das despesas federais acima da inflação, ou seja, na prática congelando o tamanho da máquina pública e dos investimentos do governo.
Introduzido na Constituição brasileira em 2016, desde então o teto de gastos teve exceções aprovada por sete propostas de emendas constitucionais (PECs) que permitiram aumentos de despesas — o que, na visão de seus críticos, evidencia como o regime era excessivamente rígido.
A PEC da Transição, aprovada no fim do ano passado, previu o fim do teto de gastos e a criação de uma nova regra fiscal que seria instituída como lei, sem necessidade de previsão constitucional.
A nova âncora fiscal permitirá que os gastos públicos cresçam entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. O objetivo de estabelecer uma banda para o avanço dos gatos é criar um mecanismo anticíclico: quando a economia estiver crescendo menos, o governo terá espaço para ampliar as despesas. Em tempos de bonança, a alta dos gastos fica mais limitada.
Na elaboração do Orçamento da União, as despesas poderão crescer num ritmo acima da inflação registrada no ano anterior. Mas essa expansão será atrelada ao aumento da arrecadação do governo.
O governo só poderá gastar a mais o equivalente a 70% do incremento real (descontada a inflação) da arrecadação no ano anterior, dentro de uma faixa que garantirá ampliação das despesas entre 0,6% e 2,5% acima da inflação a cada ano.
O encontro entre receitas e despesas da União perseguirão uma meta a cada ano. Atualmente, esse resultado (diferença entre despesas e receitas, sem contar o pagamento de juros) está negativo: a previsão é que o país terá déficit fiscal primário de 2,2% do PIB este ano.
O objetivo do novo arcabouço é sair do vermelho e zerar o déficit fiscal em 2024 e produzir, a partir de 2025, resultados positivos, no azul. Essas metas terão um intervalo de cumprimento em percentual do PIB. O texto prevê um superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. A meta estará cumprida se oscilar 0,25 ponto percentual do PIB para cima ou para baixo.
Caso o resultado fique abaixo do piso da meta, os gastos no ano seguinte só poderão crescer o equivalente a até 50% da alta real da receita em vez de 70%. Se o resultado ficar acima do limite da meta, o excedente será usado para investimentos públicos, como obras de infraestrutura, saneamento e habitação. Estão sob as regras as despesas dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Atualmente, as restrições impostas pelo teto vêm reduzindo a parcela livre do Orçamento para investimentos. Com o novo arcabouço, haverá um mínimo de gastos desse tipo. A Fazenda propôs um piso de cerca de R$ 75 bilhões, atualizado anualmente pela inflação, mas o texto aprovado na Câmara definiu esse patamar em 0,6% do PIB, o que em 2024 representará algo em torno de R$ 60 bilhões.
O governo poderá gastar mais que isso se conseguir ampliar espaço no Orçamento sem desobedecer os critérios estabelecidos no arcabouço.
Com o novo arcabouço, o crescimento das despesas em 2024 vai considerar, primeiramente, a arrecadação acumulada entre julho de 2022 e junho de 2023. Depois será feita uma comparação entre a arrecadação de 2023 e o projetado para 2024. A diferença entre esses dois indicadores, se positiva, vira aumento real de despesas, limitado a 2,5%.
A cada Orçamento, o índice de inflação (IPCA) usado para corrigir os gastos será o acumulado num período de 12 meses até junho do ano anterior. Se o IPCA do ano fechado for maior, a diferença pode se tornar aumento de despesas.
Na primeira rodada na Câmara, foram acrescentadas medidas de ajuste caso a meta fiscal do ano, fixada no início de cada governo, não seja cumprida. Se isso acontecer por um ano, o governo fica proibido de: criar cargos ou funções que impliquem em aumento de despesas; alterar estrutura de carreiras do funcionalismo que possam elevar o gasto com pessoal; criar ou elevar auxílios para servidores públicos; conceder ou ampliar incentivos fiscais a empresas e setores econômicos.
Se o descumprimento da meta fiscal ocorrer por dois anos seguidos, além das restrições anteriores, o governo ficará proibido de conceder reajuste salarial ao funcionalismo e realizar concursos para a contratação de novos servidores. O presidente Lula conseguiu garantir que o reajuste do salário mínimo, que afeta benefícios do INSS, ficará preservado, fora das sanções previstas em caso de descumprimento da meta.
Em caso de descumprimento da meta e acionamento dos gatilhos, o presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de um projeto de lei, propondo medidas de aumento de receitas ou de corte de gastos. Se as medidas forem suficientes para corrigir o rumo, os efeitos dos gatilhos serão reduzidos ou retirados.
Os deputados também incluíram um outro gatilho no arcabouço para forçar o equilíbrio fiscal. Quando as despesas obrigatórias (como salários, benefícios e repasses constitucionais com saúde e educação) atingirem 95% dos gastos totais, serão acionados todos os mecanismos de ajuste previstos para o caso de descumprimento da meta. Atualmente, as despesas obrigatórias são cerca de 90% do Orçamento.
A Câmara também mudou a proposta para a dinâmica de contingenciamento de gastos ao longo do ano, caso o monitoramento das despesas aponte que o governo está se distanciando da meta estabelecida. A União terá de bloquear na mesma proporção gastos com investimentos, custeio da máquina pública e emendas parlamentares.
Atualmente, é feito um relatório a cada dois meses para verificar se a meta fiscal está sendo cumprida. Se não estiver, o governo define quais gastos vai bloquear para garantir o cumprimento. Para o novo arcabouço, a Fazenda propôs relatórios de avaliação trimestrais, em março, junho e setembro, sem obrigação de contingenciamento.
Mas os deputados mantiveram os relatórios bimestrais, com contingenciamento linear obrigatório em caso de descumprimento, mas com limites. Será preciso preservar um nível mínimo de despesas discricionárias (que não são obrigatórias) consideradas necessárias ao funcionamento da máquina pública. A cada ano, será definido esse nível mínimo.
O relator também fez alterações na forma como o presidente da República será punido se descumprir as metas fiscais. Atualmente, isso é considerado um crime de responsabilidade, passível de impeachment a ser decidido pelo Congresso. O governo propôs que o descumprimento da meta não mais caracterize crime de responsabilidade, mas os deputados mantiveram algum tipo de responsabilização do governante.
Só será considerado crime de responsabilidade o descumprimento da meta sem que o governo tenha feito contingenciamentos, respeitando os limites estabelecidos na lei, ou tenha autorizado gastos como a criação de cargos e auxílios em meio a um cenário de descumprimento do objetivo fiscal do ano.