Economia

Em crise, comércio e serviços cortam vagas e fecham portas

Apenas em junho deste ano, os dois setores demitiram juntos 209 mil pessoas nas seis principais regiões metropolitanas do país em relação a igual mês do ano passado, segundo o IBGE.


	Comércio em São Paulo: setor vai fechar mais de 83 mil postos formais
 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Comércio em São Paulo: setor vai fechar mais de 83 mil postos formais (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

DR

Da Redação

Publicado em 2 de agosto de 2015 às 11h54.

Rio - Os dois setores que mais empregam no Brasil não suportaram a pressão da inflação elevada, do aumento dos juros e principalmente da queda na renda e começaram um ajuste rápido em seu contingente de trabalhadores. Diante da demanda das famílias cada vez mais tímida, comércio e serviços caminham para ter, neste ano, o primeiro corte de vagas formais após mais de uma década sustentando o crescimento do mercado de trabalho do país.

Só o comércio vai fechar mais de 83 mil postos formais, na previsão da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que considera a evolução do varejo ampliado (desde setores tradicionais até veículos e materiais de construção) e do atacado no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A entidade não tem uma estimativa fechada para serviços, mas sustenta que a tendência para o setor é até pior. "O impacto é ainda mais forte em serviços porque é mais intensivo em mão de obra", explica o economista da CNC Bruno Fernandes.

Sem escapar da desaceleração da atividade evidente desde o início do ano passado, tanto comércio quanto serviços adiaram por um bom tempo o ajuste no pessoal ocupado. Mas a recuperação cada vez mais distante levou os empresários a uma revisão dos planos. Desde o fim de 2014, o comércio vem enxugando o quadro de funcionários, movimento reforçado mais recentemente pelos outros serviços - que reúnem justamente os segmentos de serviços pessoais, como cabeleireiro e alimentação, mais sensíveis à renda das famílias.

Apenas em junho deste ano, os dois setores demitiram juntos 209 mil pessoas nas seis principais regiões metropolitanas do País em relação a igual mês do ano passado, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE. O levantamento considera tanto empregos formais quanto informais. O número representa 70% das dispensas no período.

Em muitos casos, a situação é tão dramática que inviabiliza o negócio. Na cidade do Rio, 1.280 lojas já fecharam nos primeiros cinco meses deste ano, uma alta de 33% em relação a igual período de 2014, segundo levantamento do Sindilojas Rio. "Considerando a média de funcionários, isso significa entre 13 mil e 20 mil demissões", afirma o presidente da entidade, Aldo Gonçalves. Em todo o Estado, o número de lojas fechadas no período foi ainda maior: 3.290. "Considerando o cenário desfavorável, é mais provável que elas (pessoas demitidas) não tenham conseguido recolocação", acrescenta.

Nem o comércio popular escapa do mau momento. No Saara, tradicional centro de compras no centro carioca, pelo menos 100 lojas estão à venda, algo incomum para a região. "O cenário é muito difícil, e o Rio de Janeiro ainda tem um agravante. A economia é muito voltada para o petróleo. A queda no preço do petróleo gera menos royalties ao governo, e ainda tem a corrupção na Petrobras", diz Gonçalves. Segundo ele, os escândalos envolvendo a estatal drenaram receitas das prestadoras de serviços, o que deprimiu ainda mais a demanda do comércio local.

Diante do quadro, a sala de homologações na sede do Sindicato dos Empregados do Comércio no Rio de Janeiro (SECRJ) não fica mais vazia. A todo o momento há novos pedidos para ratificar demissões. Um levantamento feito pela entidade a pedido do Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, mostra que 2.460 pessoas fizeram a solicitação em junho deste ano, avanço de 7,3% em relação a igual mês do ano passado. Quando levados em conta os pedidos de demissão, o número chega a 3.126, alta de 22%.

Em São Paulo, a situação também é ruim, com o fechamento de 57 mil postos ao longo dos último meses. "Nunca tivemos um início de ano tão ruim para o mercado de trabalho do comércio como no ano de 2015", conta o economista Jaime Vasconcellos, assessor econômico da FecomercioSP. Segundo a entidade, as vendas no comércio paulista já encolheram 4% este ano, e as demissões têm sido a principal maneira encontrada pelos empresários para lidar com a queda na receita e a menor demanda.

Nem as grandes escapam do mau momento da economia. A Via Varejo, dona das Casas Bahia e do Ponto Frio, anunciou há poucos dias que demitiu 4,8 mil pessoas no segundo trimestre deste ano. As posições foram cortadas em lojas, montadores, centros de distribuição e administrativo, e a empresa não descarta novas reduções de custo. Já o Grupo Pão de Açúcar, dono das bandeiras Pão de Açúcar e Extra, informou que dispensou 7 mil trabalhadores entre abril e junho.

O quadro nos serviços tampouco é alentador. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), estabelecimentos com preço médio entre R$ 30 e R$ 70 - que concentram um grande número de restaurantes e bares - são os mais afetados, com queda de 20% a 30% do faturamento. Já os mais caros e aqueles com tíquete médio entre R$ 20 e R$ 30 registram estabilidade.

Apenas bares e restaurantes que cobram em média R$ 20 ou menos estão vendo a clientela crescer. "As pessoas estão buscando lugares mais baratos para comer", explica Paulo Solmucci Júnior, presidente da associação.

Com a pressão dos custos e o movimento em baixa, restaurantes e bares em geral reduziram o número de trabalhadores em 4,5% em todo o País no primeiro trimestre deste ano em relação aos últimos três meses de 2014, segundo levantamento da Abrasel. A alta de custos - principalmente com a energia elétrica, que subiu 42% só neste ano - e a redução no movimento pesam na decisão.

O comércio e os serviços geralmente são os últimos a demitir, mas o ajuste no mercado de trabalho desses setores tende a ser mais rápido, segundo economistas. Isso porque essas atividades são impactadas por um ciclo vicioso - e nada virtuoso. As dispensas antes concentradas na indústria e na construção diminuíram a demanda e aos poucos recebem reforços do comércio e dos serviços. Com isso, muito mais gente deixa de receber um salário, o que significa consumo ainda mais fraco e maior incentivo para as empresas continuarem com os cortes de pessoal.

"Não há perspectiva de recuperação em 2015 e 2016, até 2017. Enquanto houver retração de vagas formais, o ciclo vai piorar", aponta Vasconcellos, da FecomercioSP. O especialista vê "algum equilíbrio" nas receitas do comércio apenas no segundo semestre de 2017.

Acompanhe tudo sobre:ComércioDesempregoMercado de trabalhoServiços diversos

Mais de Economia

BNDES vai repassar R$ 25 bilhões ao Tesouro para contribuir com meta fiscal

Eleição de Trump elevou custo financeiro para países emergentes, afirma Galípolo

Estímulo da China impulsiona consumo doméstico antes do 'choque tarifário' prometido por Trump

'Quanto mais demorar o ajuste fiscal, maior é o choque', diz Campos Neto