Transporte: regra do custo mínimo de frete foi implementada no final de maio na tentativa de apaziguar caminhoneiros em greve (Washington Alves/Reuters)
Da Redação
Publicado em 19 de julho de 2018 às 15h16.
Última atualização em 19 de julho de 2018 às 15h20.
Esta deveria ser uma época de euforia no cerrado brasileiro, onde a soja reina. A guerra comercial entre a China e os EUA está forçando os compradores chineses a buscar freneticamente alternativas à soja americana, e o Brasil é a primeira e mais lógica opção.
No entanto, os produtores não estão acelerando as vendas para aproveitar esse aumento repentino da demanda e dos preços. Na verdade, eles estão interrompendo a comercialização.
Em uma medida polêmica, o governo impôs valores mínimos para o frete rodoviário no final de maio, uma decisão com potencial para elevar os custos de transporte em até 150 por cento de acordo com estudo da CNA (Confederação Nacional de Agricultura). A mudança pressiona tanto as margens de lucro dos agricultores que eles estão adiando a comercialização da safra futura. Também estão vendendo lentamente a soja restante da última safra, que em algumas localidades permanece nos silos junto com o milho que está sendo colhido.
Em outras palavras, mesmo quando o País recebe um verdadeiro presente - uma vitória infalível devido a uma disputa geopolítica distante -, a oportunidade é desperdiçada. É claro que a medida elevando os valores de frete poderá ser revertida a tempo de os agricultores começarem a aproveitar os preços mais altos. Mas e se a desavença entre os EUA e a China acabar rapidamente?
"Estamos perdendo uma grande oportunidade", diz Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Aprosoja Brasil, associação que representa os produtores de soja.
Ricardo Arioli, produtor no estado de Mato Grosso, o coração da soja no País, congelou as vendas antecipadas de sua colheita na safra 2018-2019 semanas atrás e, até o momento, vendeu apenas 8 por cento dessa safra. Nesta época do ano passado, ele já havia vendido 40 por cento da safra futura.
"Ninguém quer comprar nem vender. Estamos esperando uma solução para a tabela de fretes", disse Arioli, de 58 anos.
A regra do custo mínimo de frete foi implementada no final de maio na tentativa de apaziguar os caminhoneiros que fizeram uma greve nacional para protestar contra o aumento de custo do combustível. A greve durou 10 dias, tempo suficiente para causar a maior queda de um mês no indicador de atividade econômica do Brasil desde pelo menos 2003. Ironicamente, os agricultores originalmente apoiaram a greve, porque achavam que ela conseguiria reduzir os preços do combustível. Ninguém imaginava que a solução do governo passaria também por um aumento obrigatório nos custos de frete.
Os agricultores estão arcando com as despesas adicionais porque as tradings que compram dos fazendeiros e exportam a safra geralmente descontam os custos de frete dos preços pagos aos produtores.
O congelamento das vendas realizado pelos produtores ainda não está causando muito impacto nas tradings, que estão exportando de estoques armazenados. Isso significa que o intermediário está colhendo a maior parte da riqueza à medida que os prêmios da soja nacional aumentam com a forte demanda chinesa.
"O produtor é quem vai pagar essa conta", disse Arioli. "Eu tenho certeza disso."
Para aumentar a confusão: vários grupos industriais e agrícolas contestaram as novas leis de frete no Supremo Tribunal Federal, aumentando a imprevisibilidade em relação aos custos futuros de transporte. A venda de grãos praticamente parou devido à falta de clareza sobre o tema.
"Os prêmios e a taxa de câmbio estão a nosso favor", disse Pereira. "Seria uma grande oportunidade de fazer grandes negócios, mas isso não está acontecendo por causa da imprevisibilidade envolvendo a questão dos fretes."
A indefinição também pode afetar a produção na próxima safra. O aumento no custo de transportes resultou em uma alta nos preços dos fertilizantes e praticamente paralisou as entregas do insumo aos produtores e revendas. Com isso, os agricultores podem ser obrigados a adiar o plantio de soja ou reduzir a aplicação de fertilizantes, prejudicando o potencial produtivo da próxima safra, segundo o presidente da Aprosoja.
"Esses problemas internos estão nos impedindo de aproveitar a briga entre a China e os EUA", disse Pereira, que também é produtor no estado de Goiás.