Carnaval: No Brasil, a CNC projeta uma receita de R$ 6,78 bilhões, 2% maior do que a de 2018 (Nacho Doce/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de fevereiro de 2019 às 11h27.
São Paulo — Desde de dezembro de 2018, a Colormake, fabricante de maquiagem artística e distribuidora de glitter no país, está em ritmo de carnaval.
A fábrica da Vila Maria, zona norte de São Paulo, recebeu duas máquinas novas para automatizar a produção. Também foram contratados 20 trabalhadores, que se juntaram aos 50 funcionários da empresa.
Além disso, faz quase dois meses que a fábrica funciona com dois turnos.
Toda essa movimentação que ocorre na indústria é para conseguir cumprir os pedidos de carnaval que, neste ano, cresceram, em média, 40%. Só de glitter, a companhia vai despejar 15 toneladas na folia, um volume 50% maior do que o do último carnaval.
"Este será o melhor carnaval da nossa história", afirma Marcelo Fiedler, gestor comercial. A empresa, fundada em 1990, abastece escolas de samba, lojas do varejo e outras indústrias de enfeites.
A transformação pela qual passa a Colormake é uma amostra do que o avanço do carnaval de rua de São Paulo tem feito com a economia da principal cidade do país.
Com um número recorde de blocos (516) e de desfiles (556) programados para este ano, segundo a Prefeitura, a receita do Estado de São Paulo com a venda de produtos e serviços ligados ao carnaval é a que mais deve crescer neste ano entre 12 Estados.
Um estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) projeta que a receita de serviços em São Paulo durante o carnaval deve atingir quase R$ 1,9 bilhão. É uma cifra 5,4% maior do que a alcançada no mesmo período de 2018.
"São Paulo puxa a recuperação do faturamento do carnaval e cresce mais que o dobro da média do País", afirma o economista-chefe da CNC, Fabio Bentes, responsável pelo estudo.
O Rio de Janeiro é líder em receita, com um pouco mais de R$ 2 bilhões, mas cresce 2,5%, menos da metade de São Paulo (ver quadro).
A projeção considera o recorte do índice de atividade dos serviços de turismo da Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE, a massa de rendimentos das famílias, inflação, dólar e crédito.
O estudo não consegue colocar a lupa sobre o que é exatamente gasto nos blocos e nos desfiles, pois há muita informalidade, pondera Bentes. Mas avalia o que ocorre sazonalmente com os serviços por causa da data.
Depois de uma queda real (descontada a inflação) de quase 20% acumulada entre 2016 e 2018 na receita de vendas de produtos e serviços turísticos no carnaval, o faturamento na data deve voltar a crescer este ano no país.
A CNC projeta uma receita de R$ 6,78 bilhões, 2% maior do que a de 2018, descontada a inflação. Numericamente é um avanço ainda pequeno, mas mostra a volta ao terreno positivo.
"Essa virada é um indício de que o orçamento das famílias está sendo um pouco menos asfixiado pela inflação." O economista acrescenta que o dólar 20% mais caro neste ano estimula a vinda de estrangeiros e inibe viagens ao exterior.
O estudo mostra que 60% dos gastos do carnaval são despesas com alimentação. Levantamento da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) com estabelecimentos localizados em São Paulo, Belo Horizonte, Rio e Salvador mostra que a expectativa é de aumento de 8% a 10% das vendas no carnaval deste ano ante o de 2018.
Paulo Solmucci Jr., presidente da Abrasel, observa que o crescimento é muito significativo, especialmente nas praças de São Paulo e Belo Horizonte, que já tiveram um movimento muito bom nos últimos quatro anos, com o avanço dos blocos.
"Os foliões adormecidos, que antes do blocos ficavam em casa, agora vão para rua. É um faturamento que não existia antes", frisa.
O fenômeno dos blocos em São Paulo trouxe turistas para a cidade. Na agência de viagens CVC houve alta de 3% na venda de pacotes este ano ante 2018.
Com isso, a ocupação de hotéis cresceu. No carnaval deste ano, deve passar de 50%, ante 45% em 2018, diz Bruno Omori, presidente da Associação Brasileira de Hotéis de São Paulo. "O carnaval de São Paulo não virou um produto, mas deve virar."
"Parece o boom da paleta mexicana", diz a empresária Renata Guimarães sobre o aumento de empreendedores produzindo e vendendo acessórios e fantasias de carnaval, principalmente pelas redes sociais.
A própria Renata começou sua marca, a Sassaricando, há quatro anos comercializando pela internet. Antes, produzia as próprias fantasias e havia feito apenas um teste levando 30 tiaras decoradas para o ensaio do bloco em que toca. Vendeu todas.
Hoje, além das redes sociais, a Sassaricando vende também em quatro lojas físicas, com a receita crescendo em média 100% por carnaval.
Para manter a empresa durante todo o ano, Renata passou a trabalhar também com peças para festas temáticas infantis, despedidas de solteira e festivais de música eletrônica, além de ter criado uma marca só para noivas.
A história de Renata costuma se repetir no setor de acessórios e fantasias carnavalescos. Os novos empreendedores começam fazendo para si e amigos próximos e depois passam a comercializar pela internet. Foi assim também com a urbanista Viviane Tiezzi.
Com uma colega, ela criou a Podre de Chic, que começou em janeiro deste ano no Instagram. "Começamos em cima da hora e achamos que seria algo só para amigos e amigo de amigos, mas cresceu mais do que imaginávamos."
A dupla teve de parar de receber pedidos no último dia 11 para conseguir entregar tudo antes da folia. Sozinhas, as duas produziram 200 peças, entre brincos e tiaras, vendidas de R$ 30 a R$ 50. "A ideia é continuar depois do carnaval, para aproveitar esse momento."
Uma das marcas mais famosas - e caras - da capital paulista, a Can-Can também começou na internet, ainda na época dos blogs, em 2010. Com loja no bairro de Pinheiros, em São Paulo, desde 2015, a empresa tem tiaras cujos preços beiram R$ 1.500.
"Há uns três anos, decidimos focar em um nicho específico para nos diferenciarmos. Hoje vendemos peças únicas, que são usadas tanto na cabeça como em decoração de casas", conta Fernanda Guimarães, uma das fundadoras da empresa.
A Can-Can, que tem uma segunda loja em Trancoso, na Bahia, também faz acessórios para festas e noivas, mas 70% da receita anual ainda é gerada no carnaval.
Nos últimos anos, a empresa vinha dobrando seu faturamento. Em 2019, porém, a expansão decepcionou, de acordo com Fernanda. "Crescemos só 30% neste ano. Houve um boom no mercado. As pessoas viram que é possível ganhar dinheiro com isso."
A onda das peças de carnaval chegou também às grandes redes de varejo. Hering, Renner, C&A, Riachuelo e até as marcas de roupa íntima Hope e Loungerie estão vendendo fantasias ou roupas que remetem à folia.
Na C&A, a data foi incorporada ao calendário comercial em 2015. A Riachuelo investe em patrocínio e desenvolvimento de peças especiais desde 2010.
"Mas a coleção dobrou de tamanho de um ano para outro, e o carnaval também mudou muito. Antes, bastava oferecer uma roupa leve, agora temos adereços e peças que são um híbrido entre roupa e fantasia", diz a gerente de marketing, Marcella Kanner.
Para aproveitar o crescimento do carnaval como data comercial, até a rede de chocolates Cacau Show lançou um pacote de bombons que vem com glitter e maquiagem.
Faz uma semana que Viviane Martins da Silva, de 34 anos, voltou a trabalhar, depois de dois anos e meio procurando emprego. A vaga, com carteira assinada, apareceu numa indústria que fabrica itens de carnaval. "Trabalho na expedição", diz.
O último emprego de Viviane com registro na carteira tinha sido numa loja, quatro anos atrás, antes de nascer a sua filha.
Na época, ganhava R$ 1.600 por mês para ser operadora de caixa. Na indústria, vai receber quase o mesmo salário, só que quatro anos depois.
Viviane diz que o mercado de trabalho está difícil. Até conseguir essa vaga, ela distribuiu mais de 200 currículos. Houve ocasiões em que a empresa anunciava 20 vagas e apareciam mil candidatos.
Mas, nos últimos tempos, notou alguma melhora por causa do aumento da demanda por produtos e serviços vendidos no carnaval. Além do seu caso, ela lembra que tem duas amigas que conseguiram trabalho numa confecção de fantasias.
A Carnival, loja e confecção de fantasias que fica na região da 25 de Março, em São Paulo, por exemplo, aumentou neste ano em 30% o quadro de funcionários com admissão de temporários para atender à procura por itens de carnaval, conta Kaled Couri Jr, que administra a loja.
"Graças a Deus e ao carnaval consegui a vaga", diz Viviane, que nasceu na Bahia e passou a gostar ainda mais de carnaval.
Viviane e as duas amigas são exemplos concretos da reação que houve no mercado de trabalho por conta da festa. Estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC) feito com base nos dados do Cadastro de Empregados e Desempregados (Caged), projeta que 23,6 mil vagas temporárias com carteira assinada foram abertas para o carnaval deste ano.
É um volume 20% acima do registrado no carnaval de 2018 e o maior número de temporários para a data desde 2015.
Além do emprego com carteira assinada, o carnaval é uma oportunidade de renda para os ambulantes, que vendem sobretudo bebidas. Em São Paulo, por exemplo, a Prefeitura informa que foram abertas 10 mil vagas de ambulantes este ano, o mesmo número do carnaval do ano passado.
A patrocinadora do carnaval de rua de São Paulo neste ano é a Arosuco, uma subsidiária da Ambev. Segundo a Secretaria Municipal das Subprefeituras, a empresa vai investir R$ 16,1 milhões no patrocínio.
É o maior valor que o carnaval de rua de São Paulo já recebeu, informa a secretaria. No ano passado, o patrocínio da Dream Factory foi de R$ 15,5 milhões.
A Skol, marca de cerveja da Ambev, vai patrocinar mais de 50 blocos da capital paulista e será a cerveja vendida pelos ambulantes. A Ambev não revela a expectativa de vendas na capital.
Mas a reportagem apurou que a projeção do mercado é de um aumento de consumo da ordem de 15%, impulsionado pela melhora da economia e do calor intenso deste verão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.