Um navio sob reparos em Pireus, na Gréxia: a cidade foi transformada pelos chineses que investiram quase US$ 500 milhões no porto (Angelos Tzortzinis/The New York Times)
EXAME Hoje
Publicado em 11 de setembro de 2017 às 18h31.
Última atualização em 11 de setembro de 2017 às 18h31.
Atenas, Grécia — Depois de anos de luta por causa da austeridade imposta por parceiros europeus e um apoio tímido dos Estados Unidos, a Grécia vem aprovando as investidas da China, sua pretendente mais ardente e geopoliticamente ambiciosa.
Enquanto a Europa estava ocupada pressionando a Grécia, os chineses vieram com inúmeros investimentos que agora começam a se pagar, não só economicamente, mas aparentemente criando para a China um ponto de apoio político no país e, por extensão, na Europa.
No verão passado, a Grécia ajudou a impedir que a União Europeia emitisse uma declaração unificada contra as agressões chinesas no Mar do Sul da China. Em junho, Atenas impediu o bloco de condenar o relatório de direitos humanos da China. Dias depois, opôs-se a um rastreamento mais rígido dos investimentos chineses na Europa.
A posição diplomática da Grécia com certeza não passou despercebida por seus parceiros europeus ou pelos Estados Unidos — anteriormente a preocupação era que a vulnerabilidade econômica do país pudesse torná-lo um alvo da Rússia, sempre desejosa de dividir o bloco.
Em vez disso, os chineses se tornaram um agente estrangeiro cada vez mais poderoso na Grécia após anos de cortesia e diplomacia com talões de cheques.
Entre as iniciativas, a China planeja fazer do porto grego de Pireus “a cabeça do dragão” do seu vasto projeto “One Belt, One Road”, um novo caminho da seda para a Europa.
Quando a Alemanha tratou a Grécia como o delinquente da zona do euro, a China fez do país em recuperação seu “parceiro mais confiável” na Europa.
“Enquanto os europeus estão agindo com a Grécia como sanguessugas medievais, os chineses continuam trazendo dinheiro”, diz Costas Douzinas, chefe do Comitê de Relações Exteriores e Defesa do Parlamento grego e membro do partido governante Syriza.
A China já usou sua musculatura econômica para marcar uma grande pegada geopolítica na África e na América do Sul, enquanto atravessa o globo em busca de recursos naturais para alimentar sua economia. O país foi inicialmente bem-vindo como um investidor com muito dinheiro — e uma alternativa aos Estados Unidos —, mas enfrenta agora críticas crescentes de que é menos um parceiro econômico e mais uma versão do século XXI de um poder colonialista.
Apesar de não estar procurando recursos naturais na Europa, a China tem investido há anos em todo o bloco, seu maior parceiro comercial. Agora, no entanto, crescem as preocupações de que Pequim esteja usando sua influência econômica para aumentar seu poder político.
Douzinas afirma que a China nunca solicitou explicitamente à Grécia o apoio ao voto na questão dos direitos humanos ou em outros assuntos sensíveis, embora ele e outras autoridades gregas reconheçam que pedidos explícitos não são necessários.
“Se você está por baixo e alguém lhe dá uma bofetada e outra pessoa lhe dá uma mão, quando você puder fazer algo em troca, apoiará quem o ajudou ou quem lhe bateu?”, compara Douzinas.
Recentemente, o governo Trump, reconhecendo que tem um rival geopolítico e econômico, interveio para ajudar a alavancar um acordo dos EUA sobre um concorrente chinês — e os gregos pareceram felizes por assumir uma posição de poder.
Os oficiais da União Europeia se preocupam com o fato de a China estar comprando o silêncio a respeito de questões de direitos humanos e prejudicando a capacidade do bloco de falar com uma só voz. Os analistas dizem que a China tem como objetivo países menores que precisam de dinheiro, entre eles Espanha, Portugal e outros que sofreram com a crise financeira. A Hungria, onde a China promete gastar bilhões em uma ferrovia, também bloqueou a declaração da UE sobre o Mar do Sul da China.
Vários analistas observaram que o veto da Grécia à questão dos direitos humanos aconteceu depois de o primeiro-ministro Alexis Tsipras retornar de uma reunião de cúpula em Pequim, em maio, onde assinou novos memorandos de investimentos de bilhões de euros com empresas chinesas.
Funcionários do governo grego insistiram que o país é leal, identifica-se com a UE e não fez qualquer concessão à China. Alguns oficiais europeus não têm tanta certeza.
“O governo grego precisa escolher onde faz suas alianças e perceber que a UE não é apenas um mercado, mas antes, e mais que tudo, uma comunidade de valores”, explica a holandesa Marietje Schaake, membro proeminente do Parlamento Europeu.
Durante o verão, a chanceler alemã, Angela Merkel, reforçou as regras para limitar as aquisições de ativos estratégicos alemães, um movimento destinado às empresas chinesas apoiadas pelo Estado. Como Merkel afirmou em um jornal alemão, após o voto da Grécia bloqueando a condenação das violações chinesas dos direitos humanos, a Europa “tem que falar com a China com uma só voz”.
Ela acrescentou que o poder econômico da China permite pressionar as nações europeias mais fracas. “Vista de Pequim”, acrescentou, “a Europa é uma península asiática”.
Mesmo que Berlim e Bruxelas se preocupem com o investimento chinês, a Grécia talvez não se importe, depois de ter sofrido sob a austeridade forçada pela Alemanha, ligada aos socorros internacionais que mantiveram o país à deriva desde a crise da dívida de 2010.
Ao longo de mais de 30 quilômetros de litoral na costa de Atenas, uma floresta de guindastes no porto de Pireus carrega e descarrega milhares de contêineres chineses e do mundo inteiro. Uma doca flutuante ultramoderna deve chegar da China em novembro.
A China transformou Pireus no porto mais movimentado do Mediterrâneo, investindo quase meio bilhão de euros através do conglomerado de frete COSCO, respaldado pelo Estado. Agora, espera fazer do Pireus o ponto de entrada na Europa de seu projeto One Belt, One Road.
Os bens chineses viajariam por uma nova malha ferroviária e por estradas que se irradiam através de países da Europa Central, tendo como destino principal a Alemanha, onde a China investiu US$12 bilhões apenas no ano passado.
A COSCO abriu cerca de mil postos de trabalho na área, mas equipou as docas de carga com guindastes fabricados na China, não na Grécia, e expandiu-as com materiais de construção chineses. E, à medida que a Grécia luta contra um desemprego recorde, a companhia usou empresas terceirizadas para recrutar cerca de 1.500 trabalhadores, principalmente com contratos de curto prazo e salários muito abaixo dos pagos aos trabalhadores gregos sindicalizados.
“Há mais trabalhadores, mas ganham salários menores”, afirma Giorgos Gogos, secretário-geral do sindicato portuário de Pireus.
No entanto, a Grécia precisa de todos os empregos, e as lideranças estão contando com mais investimentos chineses. O Fosun International Holdings, um conglomerado chinês administrado por Guo Guangchang, está gastando bilhões de euros num consórcio com investidores gregos e árabes para converter um antigo aeroporto abandonado à beira-mar, fora de Atenas, em um parque elegante, com três vezes o tamanho de Mônaco, para turistas endinheirados. O projeto, chamado Hellenikon, faz parte de um plano maior para trazer mais de 1,5 milhão de turistas chineses para a Grécia nos próximos cinco anos.
Tsipras conseguiu se livrar de obstáculos legais, limpando dois grandes campos de refugiados instalados no antigo aeroporto e anulando tentativas de membros de seu próprio partido para atrasar a construção devido às preocupações de que o projeto poderia pavimentar antigos sítios arqueológicos.
“Isso também foi irrelevante”, diz Dimitri B. Papadimitriou, ministro da economia grega.
Após a Segunda Guerra Mundial, o benfeitor que derramou milhões na Grécia foram os Estados Unidos, cortesia do Plano Marshall. Os EUA foram considerados como o padrão-ouro para oportunidades econômicas. Hoje já não é mais assim.
Tsipras está tentando jogar dos dois lados. Depois de viajar duas vezes em um ano para Pequim para encontrar o presidente chinês e participar dos fóruns do One Belt, One Road para atrair investimentos, ele recentemente recebeu empresários dos EUA e fez propaganda da recuperação da Grécia para legisladores americanos.
Em maio, quando a Fosun e outras duas empresas chinesas tentaram assumir uma grande seguradora grega, o secretário de comércio dos EUA, Wilbur L. Ross, interveio para ajudar a empurrar o negócio para as mãos da Calamos Investments, um consórcio grego-americano cujo chefe-executivo é apoiador do presidente Donald Trump. O Exin Group, uma parceria holandesa da Calamos, ficou com o negócio.
“Ele nos enviou uma carta pedindo que olhássemos para a Calamos”, afirma Papadimitriou, ministro da economia. Qualquer acordo, Ross implicou na carta, “poderia ser o início de mais investimentos na Grécia”, conta ele.
Alguns funcionários do governo grego citaram a derrota da Fosun como prova de que Atenas não está sob o domínio da China.
“Não queremos ser vistos como colônia de outro país”, diz Panagiotis Kouroumblis, ministro da navegação da Grécia. “Nada pode avançar sem o acordo do Estado grego.”
Jason Horowitz e Liz Alderman | © 2017 New York Times News Service