Abel Montoya trabalha com os robôs usados para empacotar vegetais no centro de treinamento da Taylor Farms em Salinas, California (Jim Wilson/The New York Times)
Letícia Naísa
Publicado em 30 de dezembro de 2018 às 08h00.
Última atualização em 30 de dezembro de 2018 às 08h00.
Salinas, Califórnia — Abel Montoya se lembra de sua infância, quando o pai chegava em casa dos campos de alface todas as noites com lama até os joelhos, a própria imagem da exaustão. "Meu pai queria que eu ficasse longe do trabalho manual. Sempre quis que eu estudasse", disse Montoya. Foi isso que ele fez, e foi para a faculdade.
No entanto, Montoya, de 28 anos, filho de imigrante, recentemente arrumou um emprego em uma fábrica de embalagem de alface, um lugar úmido, barulhento, gelado — e sua função em geral exige muito do físico e pouco do intelecto.
Agora, porém, ele pode delegar os piores trabalhos aos robôs.
Montoya faz parte da nova geração de trabalhadores agrícolas na Taylor Farms, uma das maiores produtoras e vendedoras de verduras e legumes frescos do mundo, que recentemente começou a usar uma frota de robôs projetada para substituir os seres humanos — uma das últimas respostas do setor agrícola à diminuição da oferta do trabalho de imigrantes.
As máquinas inteligentes podem montar de 60 a 80 sacos de salada por minuto, o dobro da capacidade de um trabalhador.
Segundo funcionários da Taylor Farms, o uso de robôs faz sentido no aspecto econômico para uma companhia que procura capitalizar o apetite insaciável dos americanos por refeições saudáveis, num momento em que não pode recrutar pessoas suficientes para trabalhar nos campos ou na fábrica.
Há dez anos, centenas de candidatos faziam filas em busca de empregos em empresas de embalagem na Califórnia e no Arizona durante a temporada de alface. Não mais.
"Nossa força de trabalho está envelhecendo", disse Mark Borman, diretor de operações da Taylor Farms. "Não estamos atraindo jovens para nossa indústria. Não há mais uma onda de imigrantes. Como lidamos com isso? Inovando."
A adoção da tecnologia cria posições mais qualificadas, que podem atrair jovens como Montoya — prestes a se formar em ciência da computação —, e reforça a retenção de funcionários veteranos, que recebem novos treinamentos, enriquecendo suas carreiras.
"Estamos oferecendo empregos melhores que, esperamos, irão atrair uma maior variedade de pessoas", disse Borman.
Em uma pesquisa de 2017 com agricultores, feita pela California Farm Bureau Federation, 55% deles relataram escassez de mão de obra, chegando quase a 70% para aqueles que dependiam de trabalhadores sazonais. Os aumentos salariais nos últimos anos não compensaram o déficit, disseram os produtores.
As plantações de morango na Califórnia, os pomares de maçã em Washington e as fazendas leiteiras em todo o país estão lutando contra as consequências do envelhecimento e da diminuição do número de trabalhadores nascidos em outros países, contra a repressão na fronteira e contra o fracasso do Congresso em concordar com uma reforma da imigração, que poderia fornecer uma fonte mais estável de mão de obra.
Os trabalhadores agrícolas que se beneficiaram da última anistia aos imigrantes, em 1986, estão agora com 50 anos e representam apenas uma fração dos atuais. À medida que menos imigrantes chegaram para trabalhar na agricultura, a idade média dos trabalhadores subiu — para 38 em 2016, de acordo com dados governamentais, contra 31 em 2000.
Mesmo assim, cerca de três quartos desses trabalhadores nos EUA nasceram no exterior, e a maioria deles está no país ilegalmente. O aumento do controle na fronteira transformou a migração de mão de obra rural em uma "raridade relativa", de acordo com o Departamento de Agricultura americano.
Os produtores em muitos estados, como a Flórida, grande produtora de cítricos, começaram a utilizar o programa H-2A, para trabalhadores convidados, com o objetivo de importar mão de obra do México. Mas eles se queixam da burocracia do governo, que atrasa chegadas, e de padrões climáticos imprevisíveis, que fazem os frutos amadurecerem prematuramente, antes da chegada dos trabalhadores — tudo isso resultando em perdas.
A Taylor Farms traz cerca de 200 trabalhadores por ano com esses vistos, quase 10% de sua força de trabalho sazonal. "O programa nem sempre é confiável e nossos itens são perecíveis", disse Chris Rotticci, diretor da divisão de automação de colheita da Taylor Farms, que também está procurando maneiras de substituir os seres humanos. "Mas somos obrigados a fazer isso — não temos gente suficiente."
O ideal, dizem os produtores, seria que o Congresso aprovasse um projeto de lei para legalizar os trabalhadores rurais que estão no país ilegalmente, incentivando-os a permanecer nos campos, além de incluir disposições para garantir um fluxo constante de mão de obra sazonal, que poderia ir e vir com relativa facilidade.
A indústria agrícola de 54 bilhões de dólares da Califórnia não pode se dar ao luxo de esperar. Como epicentro da tecnologia e da agricultura no país, o estado lidera o movimento para automatizar os campos e embalar seus produtos.
Cerca de 60% da alface romana e metade do repolho e do salsão produzidos pela Taylor Farms são colhidos com sistemas automatizados. Existe uma parceria com uma empresa de inovação, que anteriormente focava em veículos automatizados, para desenvolver uma máquina de colheita de brócolis e alface americana dentro de dois anos.
A empresa planeja dobrar o número de colheitadeiras automatizadas, que custam por volta de 750 mil dólares cada, nos campos a cada ano — até que quase tudo possa ser colhido por máquinas.
Culturas de trigo, soja e algodão há muito usam automação. As frutas delicadas, como o pêssego, a ameixa e a framboesa, além de vegetais como o aspargo e a erva-doce, continuarão com mão de obra humana indefinidamente.
É difícil substituir os olhos e as mãos de uma pessoa — e a tecnologia ainda está em sua infância.
"Vai ser preciso muito tempo para desenvolver uma tecnologia que reconheça quando é o momento certo de colher os produtos, além de colhê-los da forma correta", disse Tom Nassif, presidente da Western Growers, uma grande associação que representa questões agrícolas no Arizona, na Califórnia, no Colorado e no Novo México.
Mas, devido aos desafios da força de trabalho, "é uma solução de longo prazo que deve ser buscada vigorosamente", disse Nassif, cuja associação abriu um centro de inovação em Salinas há dois anos para incentivar startups de tecnologia agrícola.
Os desafios trabalhistas são a principal razão pela qual a Taylor Farms está construindo uma segunda fábrica no México, que deve começar a funcionar no início do ano que vem.
"Se não podemos encontrar trabalhadores aqui, o lugar lógico para crescer é lá", disse Borman, o executivo.
Dentro da fábrica de processamento em Salinas, onde a temperatura fica próxima do congelamento, os funcionários vestem casacos pesados sob os aventais de trabalho, amarram bandanas sob o chapéu para manter as orelhas aquecidas e usam dois pares de luvas.
Em uma tarde recente, motoristas de empilhadeiras corriam para cima e para baixo entregando caixas de alface para as máquinas, onde eram cortadas de acordo com a especificação e lavadas. Dezenas de trabalhadores operavam centrífugas industriais que removiam o excesso de água das folhas.
Em várias estações, dois robôs de braços amarelos com ventosas redondas na extremidade agarravam pacotes de alface picada, um por um, e os colocavam em caixas que corriam por uma esteira. Perto dali, robôs maiores faziam o trabalho repetitivo e árduo de carregar e empilhar as caixas cheias.
Maria Guadalupe, 43 anos, recém-formada em um curso de tecnologia patrocinado pela empresa, foi transferida da função de colocar os sacos de salada em caixas para a configuração e o monitoramento de robôs que fazem seu antigo trabalho.
"Este trabalho é muito melhor", disse ela em meio ao barulho da fábrica.
Atualmente, nove robôs são usados nas instalações de Salinas; a maioria do trabalho ainda é predominantemente feito por seres humanos.
"Estamos ainda em fase de protótipo", disse Marissa Gutierrez, gerente de recursos humanos. "Vamos conseguir mais robôs, mas sempre dependeremos do trabalho humano, mesmo enquanto nos automatizamos."
No centro de treinamento ao lado, Montoya e outros 15 funcionários aprendiam sobre programação, engenharia e operação de equipamentos. Um intérprete traduzia a explicação do instrutor do inglês para o espanhol para alguns dos trabalhadores.
Montoya, que foi criado em Yuma, Arizona, onde é cultivada a maior parte das verduras consumidas pelos americanos no inverno, candidatou-se a um cargo na Taylor Farms depois de ler sobre o curso de tecnologia que a empresa oferece aos funcionários.
"A tecnologia avançada na agricultura vai ser algo enorme", disse ele, maravilhado com a precisão e destreza dos robôs. "Vai abrir oportunidades para mim."