Davi Alcolumbre, Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e Rodrigo Maia. Fevereiro de 2020. Foto: REUTERS/Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)
Ligia Tuon
Publicado em 1 de março de 2020 às 08h00.
Última atualização em 1 de março de 2020 às 08h00.
São Paulo — O mercado financeiro não via uma semana como esta há mais de uma década, com o avanço do coronavírus levando as bolsas de valores americanas à maior queda desde a crise de 2008. O Ibovespa caiu 10% em apenas três dias, e o risco de propagação da epidemia foi elevado para "muito alto" pela OMS na sexta-feira.
O Brasil sofre o impacto econômico por vários canais, mesmo tendo só dois casos confirmados, e ainda teve que lidar com um problema extra: a tensão entre os poderes após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar com aliados um vídeo de convocação para um ato no próximo dia 15 contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
A equipe econômica não conta a instabilidade política como fator de atraso na economia, mas admite preocupação com o vírus. O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, disse na sexta que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 poderá ser revisado até o fim da semana que vem devido à epidemia.
Junto aos dados decepcionantes de atividade no fim de 2019, o avanço do surto tem gerado uma onda de corte das previsões de crescimento brasileiro neste ano. O medo é que se repita o fenômeno que vem desde 2017, com as projeções começando o ano perto de 2% e depois sendo cortadas sucessivamente até o patamar de 1%.
A queda no crescimento da China, nosso maior parceiro comercial, afeta diretamente as exportações brasileiras e também o preço das commodities que o Brasil exporta, como minério de ferro e soja.
"Esse é o grande fator de risco no cenário. De longe, essa é uma preocupação muito maior do que o 15 de março", diz Christopher Garman, diretor de Américas da consultoria Eurasia.
Ele diz que o ato gera desgaste "mas o governo tem incentivos e instrumentos para poder desarmar isso para que não chegue a minar a agenda de reformas", diz. Além disso, o Congresso também estaria em uma nova dinâmica, mais favorável à agenda e consciente do risco em não avançá-la.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, está menos confiante e enxerga uma eventual rodada adicional de queda nas expectativas para o PIB se a crise política permanecer nas próximas semanas.
"O governo batendo o pé com o Congresso, toda essa discussão pela qual o ministro da economia passou recentemente e os riscos de ele não ficar na equipe (por conta das últimas declarações sobre servidores públicos e empregadas domésticas), vão trazendo uma certa dificuldade de prever o crescimento", diz Vale.
"Havia expectativa que as reformas fossem motivo de foco por parte do governo este ano. Não é o que estamos vendo", diz. A previsão da MB para o PIB do ano ainda está em 2%, mas pode ser cortada caso o desgaste continue.
Garman diz que um momento importante para entender os próximos passos será a votação do veto ao orçamento impositivo, marcada inicialmente para terça-feira (02), e que foi o estopim da crise.
O orçamento impositivo, que obriga o governo federal a empenhar emendas parlamentares individuais e de bancadas, passou no Legislativo no ano passado, mas foi vetada pelo presidente.
O Congresso pode agora derrubar o veto e ganhar mais controle do Orçamento, algo que o governo Bolsonaro encarou como uma "chantagem" que mereceria uma resposta das ruas, apesar do próprio presidente e seu filho Eduardo terem defendido o orçamento impositivo enquanto eram deputados.
Até mesmo aliados do governo reconhecem que a tensão pode mexer na agenda do Congresso. Apesar de afirmar que a repercussão do vídeo está concentrada fora do parlamento, o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), coordenador da bancada da bala, diz que pequenos atrasos são esperados.
"A oposição deve aproveitar o tempo de liderança e encaminhamento para falar disso, e atrasar um pouquinho, mas não acredito que vá impactar, muito menos prejudicar a aprovação da reforma tributária e da administrativa", diz.
Antes prevista para fevereiro, a votação da Lei das Concessões, outra pauta considerada importante para ajudar a atrair investimento estrangeiro, deve ficar para a segunda quinzena de março, segundo o deputado Arnaldo Jardim, líder do Cidadania e relator do projeto na Câmara.
"Esse tom que surgiu agora não ajuda nenhum pouco, atrapalha. Quando sentimos que o governo tem atitude beligerante, o diálogo fica mais difícil de fluir. A própria votação dos vetos no orçamento ninguém sabe quando ocorrerá por conta disso. E, se essa votação não caminha, as outras podem ficar represadas", diz.
O presidente da comissão mista da reforma tributária, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), soltou um comunicado na sexta afirmando que a tensão não afetará o calendário da reforma, que segundo ele a pode ser aprovada ainda no primeiro semestre. A comissão marcou o início de seus trabalhos para a próxima quarta-feira (04).
"Eu também entendo que a tributária é suprapartidária e de interesse da União, dos estados, dos municípios, dos empresários e dos trabalhadores. Tem mais consenso do que dissenso", disse a EXAME o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, autor de uma das propostas de reforma tributária que tramita no Congresso.
O mercado calcula em quatro meses a janela para que as medidas mais relevantes sejam analisadas no Congresso. Depois disso, vem as eleições municipais e, no ano que vem, haverá um novo presidente na Câmara, que pode não ter o perfil reformista e agregador de Rodrigo Maia. E com o ritmo dos acontecimentos, sabe-se lá o que mais pode acontecer até lá.