Criado em 2000, para ajudar a universalizar a telefonia fixa, o Fust nunca foi realmente usado para esse fim (iStock/Thinkstock)
João Pedro Caleiro
Publicado em 24 de julho de 2018 às 17h51.
Última atualização em 24 de julho de 2018 às 17h54.
De todos os setores atingidos pela greve dos caminhoneiros em maio, o de telecomunicações pode ser o mais inusitado.
Quando o governo concordou em subsidiar os preços dos combustíveis para pôr fim à greve que causou longas filas em postos de gasolina e interrompeu o abastecimento de produtos básicos, foi criado um gasto extra de R$ 9,5 bilhões em um cenário fiscal já em deterioração.
Como os cortes de despesas por si só não foram suficientes para cobrir o custo, o governo recorreu a R$ 5,7 bilhões da chamada "reserva orçamentária", dinheiro destinado aos ministérios, mas ainda sem propósito definido.
No Ministério das Comunicações, o Fust - Fundo para a Universalização de Serviços de Telecomunicações - foi escolhido para arcar com os custos. É um dos muitos fundos para os quais as operadoras de telecomunicações contribuem, cada um com uma meta específica que vai de ajudar a fiscalizar os serviços prestados pelas próprias operadoras ao desenvolvimento de tecnologia.
No caso de Fust, o saldo era de R$ 3,53 bilhões no final do ano passado, dinheiro que é mantido no Tesouro e que o governo pode usar quando julgar conveniente.
"O setor de telecom financia do diesel até o cinema brasileiro", disse Carlos Manuel Baigorri, superintendente da Anatel, em entrevista por telefone.
“Na hora que tem pouco dinheiro, é preciso estabelecer prioridades. A prioridade do governo é manter os serviços essenciais e uma nova despesa apareceu com a greve. ”
Criado em 2000, para ajudar a universalizar a telefonia fixa, o Fust nunca foi realmente usado para esse fim, já que de acordo com a legislação brasileira, as operadoras estão sujeitas a pesadas multas se não cumprirem um prazo de sete dias para instalar um telefone fixo em qualquer lugar do país.
A telefonia fixa, portanto, já é onipresente, e o fundo não pode ser usado para expandir qualquer outro tipo de cobertura de telecomunicações, como banda larga e telefone celular, que são as demandas atuais dos usuários.
Existem atualmente mais de 70 projetos de lei no Congresso propondo outros usos para o dinheiro de Fust, mantendo-o no setor de telecomunicações. A Anatel enviou recentemente sua própria proposta.
A decisão de usar os recursos parados no Fust para financiar os subsídios ao diesel foi mal recebida pela Federação de Telecomunicações do Brasil, que disse na época que o governo “está optando pelo caminho do atraso, da desconexão dos brasileiros” e por onerar ainda mais os consumidores. Cerca de metade da conta mensal de telecomunicações no Brasil é de impostos.
O Brasil tem como meta um déficit fiscal de R$ 159 bilhões este ano, à medida que o país sai lentamente da pior recessão da história.
Além de maiores despesas, a greve dos caminhoneiros levou os economistas a reduzir as estimativas de crescimento para o ano, o que significa menores receitas de impostos. Os usuários de telecomunicações só podem torcer para que não se tornem, mais uma vez, a presa fácil.