Economia

China: terra dos novos bilionários e da pobreza extrema

Quase sete décadas depois que o Partido Comunista Chinês subiu ao poder, 43 milhões de pessoas ainda vivem com o equivalente a menos de US$ 0,93 por dia

VILA RURAL DE CHASHAN: Han Guiying vive com o marido e depende de bolsa do governo central / illes Sabrie/ The New York Times

VILA RURAL DE CHASHAN: Han Guiying vive com o marido e depende de bolsa do governo central / illes Sabrie/ The New York Times

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Da Redação

Publicado em 14 de novembro de 2017 às 12h34.

Última atualização em 14 de novembro de 2017 às 13h51.

Chashan, China – De sua casa nas montanhas no noroeste da China, Li Zhi assiste à distância enquanto a prosperidade transforma seu país em uma terra de trens de alta velocidade, bilionários e arranha-céus.

O boom econômico que tornou a China rica, porém, nunca chegou a Chashan, uma pequena vila com 40 habitantes a cerca de seis horas de carro de Pequim. Li, de 72 anos, passa seus dias mancando em estradas de terra para coletar lixo em troca de dinheiro. Rígido e magro, ele sobrevive com uma dieta de arroz, pão cozido e bebidas alcoólicas fortes.

“O país não toma conta de mim. Ninguém liga para mim”, diz Li enquanto enrola um cigarro em sua casa.

Quase sete décadas depois que o Partido Comunista Chinês subiu ao poder com a promessa de prosperidade para todos, o presidente Xi Jinping prometeu cumprir a intenção original dos comunistas, empenhando seu legado em um plano ambicioso para erradicar completamente a pobreza nos meios rurais até 2020.

O plano foca em mais de 43 milhões de pessoas que ainda vivem com o equivalente a menos de US$0,93 por dia, a linha de pobreza estabelecida pelo governo Chinês. Cinco anos atrás, cerca de 100 milhões de pessoas viviam abaixo dessa linha, segundo estatísticas oficiais.

Xi, que já consolidou seu status junto com Mao como um dos mais poderosos líderes modernos da China, vê a melhora dos padrões de vida como essencial para aliviar a frustração do povo com a desigualdade e garantir o poder do partido durante o que o presidente anunciou como uma nova era de força nacional.

A visão grandiosa de Xi, no entanto, entra em conflito com a dura realidade de grande parte da China rural. Em várias vilas, os jovens se foram, deixando os moradores mais velhos sozinhos. As disparidades em educação, saúde e serviços sociais permanecem enormes.

Apesar de as cidades chinesas terem se tornado playgrounds para os novos ricos e apesar do crescimento da classe média, quase 500 milhões de pessoas, ou cerca de 40 por cento da população do país, vivem com menos de US$5,50 por dia, segundo o Banco Mundial.

“A ideia de socialismo era que todos os chineses teriam um padrão de vida razoável. A preocupação agora é com o fato de que o Partido Comunista criou bilionários e uma classe média forte, mas ainda há muitos pobres. Isso parece ser uma contradição enorme”, diz Kerry Brown, especialista em China no King’s College London.

Enquanto a China trabalha para modernizar sua economia, enfrenta a realidade de que, apesar de ser a mais nova superpotência do mundo, ainda é uma nação em desenvolvimento com um grande problema de pobreza. Os especialistas dizem que a desaceleração da economia e a perda de empregos nas fábricas poderiam aumentar as pressões sobre as famílias de baixa renda, prejudicando a visão de Xi.

Sob Xi, que assume uma imagem de homem comum, a luta contra a pobreza se tornou um mantra nacional. A imprensa estatal o mostra diariamente visitando vilas pobres, experimentando a comida e a água e checando a saúde dos moradores. Os noticiários da noite estão cheios de histórias de comunidades rejuvenescidas e de moradores das vilas transformados em empreendedores, que elogiam Xi e o governo por fornecer empréstimos e apartamentos novos.

Em 25 de outubro, durante uma fala que marcou o começo de seu segundo mandato de cinco anos como líder do partido, Xi afirmou que erradicar a pobreza até 2020 era uma de suas prioridades e prometeu não “deixar ninguém para trás na marcha em direção à prosperidade de todos”.

Xi também usou a luta contra a pobreza para fortalecer as alianças globais da China, financiando programas na África e no Sudoeste da Ásia e pedindo ao mundo que aprenda com a experiência de seu país.

Agora, ele enfrenta uma pressão para fazer o que prometeu.

Alguns dizem que o foco do governo nas 43 milhões de pessoas é muito estreito, afirmando que outros milhões vivem apenas acima da linha oficial, em condições não muito melhores. Outros acreditam que, ao concentrar os esforços nas zonas rurais, Xi está negligenciando a situação dos pobres urbanos, muitos dos quais vindos das áreas rurais.

“As iniciativas do governo parecem boas, mas a questão é como manter a redução da pobreza. Algumas pessoas podem estar procurando soluções rápidas em vez de realmente lidar com a pobreza”, diz Qin Gao, professor da Universidade Columbia que estuda políticas sociais chinesas.

Xi mandou seus oficiais focarem no alívio da pobreza em áreas rurais como Chashan, onde as condições agrícolas são ruins, o acesso aos serviços sociais é limitado e os moradores lutam contra doenças do coração e outros problemas sem ter nem uma clínica por perto.

Por séculos, Chashan, aninhada nas montanhas a quase dois mil metros acima do nível do mar, vem abrigando fazendeiros que plantam trigo e inhame e criam porcos e ovelhas nos terrenos secos.

O governo está tentando transformar a vila em um destino turístico, mas até agora apenas um punhado de visitantes apareceu. A cidade é difícil de alcançar e não possui instalações modernas.

Vários moradores dizem que praticamente não têm qualquer renda e que os subsídios do governo são inadequados.

“Não há saída. Não tenho como ganhar qualquer dinheiro”, afirma Li Chao, de 70 anos, fazendeiro que vem lutando contra coágulos no sangue em suas pernas.

Li Zhi, o coletor de lixo, vive com as doações dos poucos turistas para comer e se vestir. Há uma placa onde se lê “A riqueza virá” pendurada em sua casa. Ele diz que ainda não tem certeza de que um dia poderá comprar suas próprias roupas.

“É impossível eliminar a pobreza”, garante.

O governo já usou várias abordagens para ajudar a tirar as pessoas da pobreza, devotando dezenas de bilhões de dólares ao esforço e mais de US$370 bilhões em empréstimos. As autoridades locais, que são parcialmente julgadas pelo sucesso que obtêm em melhorar os padrões de vida, estão trabalhando febrilmente para cumprir o prazo de Xi.

Algumas aldeias experimentaram fundar cooperativas rurais, permitindo que as famílias aumentassem a produção ao juntar mão de obra e recursos. Bancos estatais ofereceram pequenos empréstimos para ajudar os moradores a explorar o boom do comércio eletrônico, vendendo vestidos bordados e outros produtos on-line.

No entanto, o trabalho mais difícil ainda está por vir. Até a metade das 43 milhões de pessoas que são oficialmente classificadas como pobres podem ter deficiências, segundo o governo. E a campanha também precisa chegar a áreas que têm sido cronicamente pobres há gerações, incluindo várias regiões que abrigam minorias étnicas.

As autoridades dessas áreas estão reassentando as pessoas perto de cidades, em apartamentos fornecidos pelo governo, algumas delas contra a própria vontade e oferecem subsídios em dinheiro para moradores deficientes. Eles também seguem o apelo de Xi para uma abordagem “direcionada”, rastreando o progresso dos moradores individuais em quadros de avisos gigantes colocados nos centros municipais.

Um dos problemas surgidos no rastro desse esforço foi a corrupção, com mais de 1.800 pessoas sendo investigadas no ano passado por desvios de fundos contra a pobreza e crimes relacionados, segundo as estatísticas do governo. Estudiosos também lançaram dúvidas sobre a confiabilidade dos dados, dizendo que alguns oficiais locais parecem estar subestimando as taxas de pobreza por causa da intensa pressão para atingir os objetivos de Xi.

Além disso, há o fato de que a campanha de Xi não é focada nas áreas urbanas. Existem mais de 200 milhões de migrantes rurais nas cidades chinesas, onde vários precisam brigar para receber educação, saúde e outros benefícios, porque os governos locais não os consideram residentes. Alguns acabam desempregados ou têm problemas de saúde e vivem em condições miseráveis.

“Este é um grande buraco na imagem geral sobre o qual o governo raramente fala”, diz Philip G. Alston, estudioso de assessor das Nações Unidas que produziu um relatório este ano sobre a pobreza extrema e os direitos humanos na China. “A realidade é que vários deles estão vivendo na pobreza extrema.”

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