Clodoaldo Hugueney Filho: Para o ex-embaixador, a relação da China com o Brasil é uma prioridade para os dois países (Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2013 às 09h56.
São Paulo – Entre 2008 e o começo de 2013, Clodoaldo Hugueney Filho foi embaixador do Brasil na China. No período, viu de perto o crescimento do que chama de “potência assimétrica” e diz que agora, provavelmente, a economia chinesa vai passar por um período em que a taxa de investimento no país vai se reduzir.
Já no primeiro trimestre de 2013, o PIB chinês cresceu 7,7%, indicando uma desaceleração inesperada – com fraqueza na produção industrial e em gastos em investimentos. A China determinou uma meta de crescimento do PIB para 2013 de 7,5%. “A expectativa é que a China não enfrente uma crise mas, depois de 40 anos de elevado crescimento, sempre é possível que haja algum tipo de perturbação”, afirmou Hugueney.
Hugueney participou nessa semana do evento “China: the challenges of the new leadership”, realizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso e pelo Conselho Empresarial Brasil-China, e conversou com EXAME.com antes da apresentação.
EXAME.com - Fala-se muito que por volta de 2020 a economia chinesa vai ultrapassar a norte-americana. Há alguma previsão do tipo quanto à influência global e poder da China em comparação com a americana?
Clodoaldo Hugueney Filho - A economia chinesa tem pela frente desafios importantes, que constam no próprio plano chinês. A China tem condições de superar esses desafios mas, provavelmente, a economia chinesa vai passar por um período em que a taxa de investimento vai se reduzir, e como está acontecendo esse ano, a expectativa é de que a China não enfrente uma crise mas, depois de 40 anos de elevado crescimento, sempre é possível que haja algum tipo de perturbação. A minha visão é de que a China tem condições de superar esses desafios e, provavelmente, irá se transformar na maior economia do mundo num prazo de dez a 15 anos, no máximo.
EXAME.com - E em influência global?
Clodoaldo Hugueney Filho - Essa questão é muito mais complexa. A China é uma potência assimétrica, ao mesmo tempo que tem um PIB que hoje é o segundo maior do mundo, um comércio exterior gigantesco, ela tem uma renda per capita muito baixa, tem ainda 47% da população vivendo no campo, ainda precisa fazer um processo de urbanização imenso, precisa mudar a base de produção, flexibilizar o sistema politico, criar reformas no campo social que permitam uma distribuição de renda muito melhor do que a que existe hoje na China. Há uma quantidade de temas que fazem com que a China tenha uma configuração de um país que é uma potência econômica, comercial, regional, mas não é uma potência nem homogênea nem global. Os Estados Unidos seguem sendo a grande superpotência apesar da dificuldade que estão passando hoje.
Na área militar, apesar de tudo que se fala do desenvolvimento militar chinês, não há nenhuma comparação possível com o poder militar americano. E os chineses insistem na tese do desenvolvimento pacífico e duas coisas que são relevantes nisso é que a China não busca hegemonia, porque ela sabe que a hegemonia é um caminho para a crise, para problemas, e a segunda coisa é que é preciso desenvolver um novo tipo de relação entre grandes países que não esteja baseado na competição, mas sim na cooperação. Tudo isso, no fundo, vai acabar sendo influenciado pelo processo de modificação no plano politico. À medida que o sistema chinês evoluir, os parceiros da China irão vê-la como um parceiro cada vez mais positivo, com capacidade de contribuir. É inegável que a china está assumindo maiores responsabilidades.
EXAME.com - A mudança de liderança na China (Xi Jinping assumiu a presidência do país em março) pode significar alguma mudança nas relações com o Brasil?
Clodoaldo Hugueney Filho - A relação com o Brasil é uma prioridade para os dois países. É uma prioridade para o Brasil, a China é nosso maior parceiro comercial, e também para a China, não é uma prioridade só econômica. A China vê o Brasil como um parceiro importante, no G20, nos Brics, na área ambiental. O nosso diálogo hoje com a China é um diálogo importante. Isso não vai mudar, pelo contrário, tende a crescer.
EXAME.com - E nas relações comerciais?
Clodoaldo Hugueney Filho - O comércio vai passar por um período de acomodação, porque ele cresceu em um ritmo tão rápido que agora não tem como. A economia chinesa também está passando por um período de acomodação, reduzindo a taxa de crescimento. A prioridade seguirá, a importância seguirá, mas a relação vai mudar. Penso que o grande acontecimento no campo das relações no período que eu estava lá foi a visita da presidente e a proposta do Brasil de mudar a qualidade da relação. A quantidade estava bem mas, para o Brasil, a qualidade não estava.
EXAME.com – Como a relação entre os países irá mudar?
Clodoaldo Hugueney Filho - É necessário fazer um trabalho de diversificação da nossa pauta para a China, de investimento brasileiro na china, de parcerias entre empresas brasileiras e chinesas, tem que desenvolver muitas áreas na em ciência e tecnologia, hátodo um conjunto de coisas que estão expressos na fórmula que a presidente colocou do salto qualitativo nas relações. O salto qualitativo não é só mudar a estrutura do comércio, isso é importante, mas é abrir novas áreas, outras formas de atuar, desenvolver a relação em outros campos, desenvolver o diálogo político.
EXAME.com - A China participa de vários órgãos internacionais, recentemente recebeu autoridades de Palestina e de Israel, ela colhe os frutos desses relacionamentos com os outros países?
Clodoaldo Hugueney Filho - No plano econômico, a maior parte do comércio mundial de hoje se deve à China, que tem cerca de 15% ou 17% do comércio mundial, sendo que há 20 ou 30 anos tinha cerca de 2%. Os chineses se beneficiaram enormemente e conseguiram não só aumentar as exportações, mas atrair uma quantidade imensa de investimentos para seu país, que se transformou no grande centro manufatureiro das cadeias produtivas asiáticas e globais. No plano político, a China vem trabalhando o que ela chama de teoria do desenvolvimento pacífico.
Essa teoria parte do pressuposto de que um país em desenvolvimento como a China, com renda per capita muito baixa, problemas internos, tem que ter como grande prioridade o seu próprio desenvolvimento, que passou a ser pensado como algo através de parcerias, não como algo fechado. E a China desenvolveu parceiras regionais muito importantes e tem procurado se apresentar como um parceiro importante e confiável. O mantra do discurso de política externa chinesa é isso, o desenvolvimento pacífico, as parcerias para criar relações de benefício mútuo, o respeito aos grandes princípios de não intervenção, soberania e a capacidade de desenvolver relações com países de todas as regiões.