PIÑERA COM A MULHER, CECILIA: o ex-presidente é o favorito a vencer as eleições presidenciais no país mais desenvolvido da América do Sul / Ivan Alvarado/ Reuters (Ivan Alvarado/Reuters)
Da Redação
Publicado em 18 de novembro de 2017 às 08h56.
Última atualização em 18 de novembro de 2017 às 16h06.
SANTIAGO — Enquanto no Brasil e na Argentina se discutem reformas que no Chile foram realizadas nos anos 80 pela ditadura de Augusto Pinochet, as eleições chilenas deste domingo são um plebiscito acerca das contra-reformas, ou “reformas de segunda geração”, como são chamadas aqui, levadas adiante pela presidente Michelle Bachelet, do Partido Socialista (PS).
A julgar pelas pesquisas de intenção de voto, a maioria dos eleitores não as aprovou. O bilionário Sebastián Piñera, de centro-direita, que já presidiu o país entre 2010 e 2014, é o favorito tanto no primeiro quanto no segundo turno, marcado para 17 de dezembro.
Piñera encabeça a pesquisa mais importante, do Centro de Estudos Públicos (CEP), com 44%, seguido pelo candidato de Bachelet, o senador Alejandro Guillier, com 20%, e pela representante da Frente Ampla, de esquerda, Beatriz Sánchez, com 8,5%.
Esses números revelam não só uma rejeição ao governo socialista, mas também o enfraquecimento e divisão da esquerda. A tradicional aliança de centro-esquerda Concertación, que governou o Chile quase todo o período da democracia, a partir de 1990 — com exceção do primeiro mandato de Piñera (2010-2014) —, rachou no governo Bachelet.
A presidente atraiu para a coalizão o Partido Comunista. A Democracia Cristã (DC), de centro, tradicional parceira do PS, sentiu-se gradualmente excluída do governo. Pela primeira vez nesses 27 anos, a DC lançou candidata própria, Carolina Goic, presidente do partido. O tiro saiu pela culatra. Ela está em quinto lugar na pesquisa do CEP, com 3,9%, depois do candidato de esquerda Marco Enriquez-Ominami, que tem 4,6%. MEO, como é conhecido, já contribuiu para a eleição de Piñera em 2010, ao dividir o voto da esquerda e do centro. Agora Goic e Sánchez o estão ajudando nisso.
As reformas anti-liberais de Bachelet tocaram em três áreas: impostos, leis trabalhistas e educação. O governo socialista aumentou os impostos para as empresas de 20% para 27%. Isso está acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), grupo de países desenvolvidos, do qual o Chile é o único membro sul-americano.
Piñera, que teve que fazer frente a gastos inesperados com o grande terremoto de 2010, já havia elevado a carga tributária das empresas de 17% para 20%. Ele promete reduzir para 25% e simplificar o sistema.
“O governo Bachelet tornou o sistema tributário complexo demais”, disse a EXAME o economista Harald Beyer, que foi ministro da Educação de Piñera. Para combater a sonegação e aumentar os impostos das empresas, o governo socialista eliminou a integração entre as declarações de pessoas jurídicas e físicas, na esfera das sociedades anônimas, que lhes permitia deduzir alguns tributos. Com isso, diz Beyer, a carga dos membros de SAs aumentou de 40% para 44,5%.
“Essa é uma das razões pelas quais caiu a taxa de investimentos”, explica Beyer. Piñera deve reintegrar e simplificar o sistema, e devolver a carga tributária das sociedades anônimas para o patamar de antes.
No âmbito trabalhista, Bachelet aumentou o poder dos sindicatos, dando ênfase aos dissídios coletivos em detrimento das negociações dentro das empresas, na contramão das reformas realizadas na França e no Brasil.
“Essas medidas geraram inquietudes no empresariado”, observa uma fonte do mercado de ações que prefere não ser identificada. Ela diz que os empresários e investidores sentiram no governo Bachelet, e na sua aliança com os comunistas, um ambiente hostil, e isso paralisou as aberturas de capitais, os projetos e as contratações. “Por isso também a economia cresceu menos, por falta de investimentos.” A outra razão foi a queda no preço do cobre, que responde por um terço à metade da receita do país, dependendo de sua cotação no mercado internacional.
O valor do minério, do qual o Chile é o principal produtor mundial, vem se recuperando, e com ele a atividade econômica no Chile. O crescimento este ano deve atingir 1,5% e, no ano que vem, a projeção é de 3%. A taxa de juros básica do Banco Central está em 1,75% e a inflação, 2,4% — abaixo do centro da meta, de 3%, no intervalo entre 2% e 4%.
A dívida pública subiu de 20% para 24% do PIB no governo Bachelet. No Brasil, Estados Unidos e países europeus, ela fica ao redor dos 100%. Mesmo assim, os chilenos, cautelosos, já ficaram alarmados. Praticamente toda a dívida do governo chileno é negociada na Bolsa: são 600 a 800 milhões de dólares por dia de aplicação na renda fixa. Ou seja, é uma economia arrumada.
Livre das amarras da Tarifa Externa Comum do Mercosul, do qual é apenas Estado associado, o Chile firmou acordos de livre comércio com todos os países e blocos relevantes nos últimos anos. Agora, já está também na segunda geração de acordos, reduzindo as listas de exceções de produtos e ampliando para investimentos, serviços e compras públicas. Mas os chilenos querem mais. “A taxa de investimento caiu muito nos últimos anos”, assinala Beyer. “A produtividade não cresce há dez ou doze anos. E ela foi a base do forte crescimento econômico nos últimos 30 anos.” Além de reverter a reforma tributária feita por Bachelet, o economista diz que outras medidas são necessárias. A primeira é ajustar as regras sobre o impacto ambiental dos empreendimentos: “Muitos projetos estão paralisados por causa disso”.
Outra medida é flexibilizar as leis trabalhistas. O cumprimento das jornadas de trabalho é rígido no Chile. Beyer acha que também nisso o país deve seguir as reformas introduzidas na França e no Brasil.
O economista acrescenta que o Estado precisa ser reformado: “Ele é muito burocrático. Não está a serviço do cidadão. É preciso melhorar a gestão tanto das empresas públicas quanto da administração”.
Uma outra iniciativa enumerada por Beyer é aperfeiçoar o sistema de concorrência em setores como transportes de cargas, bancos e administração de fundos de pensão, que no Chile são responsáveis pela cobertura previdenciária dos cidadãos, já que o sistema foi privatizado no início dos anos 80.
Esse é um segmento que precisa de ajustes. Quando trocou o sistema público pelas contas individuais de capitalização, custeadas com no máximo 10% dos salários, o governo Pinochet prometeu benefícios previdenciários generosos. Talvez não contasse que os chilenos alcançariam uma expectativa de vida de 80 anos, ao se aposentar. Contribuir com 10% do salário durante 30 anos, aposentar-se aos 60 (mulheres) ou 65 anos (homens) e depois usufruir do benefício durante 15 ou 20 anos em média condena o aposentado à pobreza. O governo Bachelet propôs aumentar o teto da contribuição para 15%. O tema está em discussão.
Na questão politicamente explosiva do financiamento do ensino superior, também há uma diferença importante entre a presidente e seu candidato, de um lado, e Piñera, de outro. Assim como acontece em países tão diversos como Estados Unidos e China, não existe universidade gratuita no Chile: as públicas também são pagas — e muito bem pagas. As mensalidades nas faculdades públicas, cujo acesso é tão difícil quanto no Brasil, por sua melhor qualidade, oscilam entre 350.000 pesos (555 dólares) e 500.000 (793 dólares), no caso de medicina.
O governo socialista aprovou a ampliação das bolsas integrais, da faixa de 40% dos mais pobres para 60%. Atualmente, a cobertura está em 50%. Setores mais à esquerda, que apoiam Bachelet, como a candidata Beatriz Sánchez, defendem que universidade pública seja gratuita, e amplie suas vagas dos atuais 15% (exatamente como no Brasil) para 50%. Piñera propõe que as bolsas integrais continuem beneficiando os atuais 50% mais pobres, e que o restante seja financiado por crédito estudantil, a ser pago depois de os alunos se formarem, comprometendo no máximo 10% de seus salários.
Já Guillier fala em ampliar as bolsas integrais de 60% para 80%.
Provável futuro presidente do Chile, Piñera se deslocou da direita para o centro, com uma plataforma que prevê mais benefícios sociais. Sua meta é fazer com que em 2025 o Chile seja um país desenvolvido. Em outubro, relatório da OCDE já assinalou que o Chile deixou para trás a condição de subdesenvolvido. Mas há um consenso entre os chilenos de que, para se considerar desenvolvido, o Chile precisa diminuir a desigualdade e estender a rede de proteção social da previdência, saúde e educação para a classe média.
“Nossa principal meta é que o Chile alcance um alto nível de desenvolvimento humano, erradicando definitivamente a pobreza, melhorando substancialmente a distribuição da renda e ampliando as oportunidades e qualidade de vida de todos”, afirma Piñera em seu programa de governo.
Para fazer frente aos investimentos necessários, ele anuncia uma série de medidas destinadas a impulsionar o crescimento econômico. Afinal, cada ponto porcentual de incremento do PIB traz 700 milhões de dólares em arrecadação tributária, diz o seu programa.
A economia não é uma ciência exata, e há muitos imponderáveis no caminho dos chilenos. Mas pelo menos eles fazem a parte deles.