Economia

Cada vez mais, cada um faz o que quer

Seja na criação do fundo soberano, seja na decisão de dar asilo a um criminoso, prevalece a lógica deste governo: tudo o que não incomode a popularidade do presidente está permitido

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 10h08.

Há certas coisas na vida que só os governos podem fazer - ou, talvez, que só o governo brasileiro faça. Nenhum cidadão normal, por exemplo, pede dinheiro emprestado para abrir uma caderneta de poupança ou colocar num fundo DI. Com o governo do Brasil, a história já é outra. Temos aí, criado no fim de 2008 por medida provisória, o fundo soberano do governo federal - um caso possivelmente único, em todo o mundo, de poupança feita com dívida. Mais ainda, o propósito desse fundo não é economizar para o futuro, e sim gastar no presente. É o contrário, exatamente, dos demais fundos soberanos montados por outros países. Em todos eles, os recursos vêm de dólares que sobraram no caixa dos governos - das receitas de petróleo, nos casos de Arábia, Noruega ou Emirados Árabes, ou das exportações, como acontece com a China ou com Singapura; a finalidade desse dinheiro é formar uma reserva para encarar necessidades futuras. Pode haver algumas nuances aqui ou ali, mas basicamente é isso.

Todos se lembram de como essa conversa de fundo soberano começou por aqui, no segundo semestre do ano passado. O governo federal sonhava, então, com os bilhões de dólares que as reservas de petróleo recém-confirmadas em alto-mar iriam trazer para o Brasil. Diversos planos apareceram, na época, para aproveitar esse dinheiro todo - e um deles era formar um fundo de investimento a ser abastecido pelos lucros da exploração dos novos poços e pelos rendimentos que sua aplicação iria trazer. Mudou o mundo de lá para cá, mas o governo não mudou de ideia. Como o dinheiro do pré-sal é uma conversa que saiu do ar, resolveu montar o fundo emitindo títulos do Tesouro - ou seja, tomando empréstimos no mercado e contraindo mais dívidas. O objetivo disso não tem mais nada a ver com a formação de uma reserva; é colocar em "obras de infraestrutura", que não se sabe exatamente quais são e muito menos quando ficariam prontas.

Não se pode esperar nada de bom de um fundo montado sem fundos, como diz o ex-ministro Mailson da Nóbrega, mas o problema vai além disso. Tão ruim ou pior que a incoerência do fundo soberano é a postura de descaso diante das regras que o governo federal mais uma vez insiste em exibir quando algum interesse seu é contrariado - no caso, como não podia aumentar os recursos do orçamento com uma medida provisória, tratou de fazer esse aumento emitindo papéis. Por que não? A ligeireza com que se tratam as leis neste governo tornou-se hoje um procedimento-padrão. Pelo entendimento comum da legislação em vigor no país, por exemplo, uma empresa estatal como a Petrobras teria a obrigação de produzir a cada ano os melhores resultados possíveis para seus acionistas majoritários, ou seja, para o conjunto dos cidadãos brasileiros. Mas o governo não pensa assim. Acha que tem o direito de usar a Petrobras, para atender aos interesses da Bolívia, como acaba de fazer ao obrigá-la a comprar dos bolivianos gás de que não precisa - pois prestar favores a governos sul-americanos de esquerda combina com as ideias políticas dos ministros que mandam na diplomacia brasileira de hoje.

Na mesma toada vai o ministro Tarso Genro, que acaba de dar a proteção do Brasil a um criminoso condenado à prisão perpétua na Itália por ter participado de quatro homicídios, sob o extraordinário argumento de que ele sofreu uma "condenação política" e teve o seu direito de defesa cerceado pelo Poder Judiciário italiano. Alegar motivos "políticos" para matar alguém não é desculpa nas leis da Itália nem nas do Brasil - mas e daí? O ministro, em sua decisão, ignorou as posições do Conselho Nacional de Refugiados, do procurador-geral da República, do Itamaraty, da Corte Europeia de Direitos Humanos e da própria Justiça da Itália, que tomou sua decisão sem ferir uma única vírgula da lei. (Genro acha que os direitos do cidadão são mais respeitados em Cuba, a quem devolveu dois atletas que tinham se refugiado no Rio de Janeiro após o Pan de 2007.) O estranho, na verdade, seria o ministro obedecer à lógica dos fatos e atender ao pedido de extradição legítimo feito pelo governo democrático da Itália. Genro, como ministro da Justiça, não é um funcionário imparcial; é um militante político que age em favor de seu grupo. Como tantos outros de seus colegas, segue a regra número 1 do governo: contanto que não incomode a popularidade do presidente, cada um pode fazer o que quiser.

Acompanhe tudo sobre:aplicacoes-financeirasCapitalização da PetrobrasEmpresasEmpresas abertasEmpresas brasileirasEmpresas estataisEstatais brasileirasFundos de investimentoGás e combustíveisGovernoIndústria do petróleoLegislaçãoMercado financeiroPetrobrasPetróleoTesouro Nacional

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo