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Da Redação
Publicado em 18 de março de 2010 às 10h28.
Se existisse em algum lugar do mundo uma clínica de recuperação para viciados em impostos, como existem clínicas de recuperação para viciados em drogas ilegais, o poder público brasileiro seria um cliente e tanto. É disso mesmo que se trata, no Brasil, quando a discussão envolve impostos: é vício. Tanto faz quem esteja no governo, quanto dinheiro está sendo arrecadado ou qual o uso está sendo dado a ele. A vontade, o tempo todo, é cobrar ainda mais. Entra governo, sai governo, entra oposição, sai situação, e continua-se na mesma: o que era necessidade transformou-se em hábito e, no fim, acabou virando compulsão. O resultado é que, ao se completar o atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil terá vivido 16 anos seguidos de impostos em ascensão - os oito dele mesmo mais os oito do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A questão está outra vez aí, neste momento, com a tentativa do governo de inventar um novo imposto para financiar, como dizem, "a saúde". Como o viciado que, privado da droga, sai em desespero procurando refazer o seu suprimento, o governo está atrás de dinheiro para retomar do contribuinte o que deixou de arrecadar com o fim da CPMF, em dezembro do ano passado.
O presidente Lula diz que o governo não está propondo a reencarnação da CPMF. Mas deixa que suas lideranças no Congresso, ministros variados e altos burocratas da administração proponham exatamente isso, de maneira que nem vale a pena perder tempo no esforço de saber se o governo quer ou não quer; é claro que quer. O argumento, como de costume, é que faltam recursos para as necessidades básicas da população - no caso, e mais uma vez, para a saúde. É inexplicável que possa haver escassez de dinheiro para a saúde, ou para qualquer outra coisa, quando a receita do governo é hoje, sem a CMPF, maior do que era quando ela existia. Neste preciso momento, aliás, a arrecadação federal acaba de bater todos os seus recordes: no primeiro quadrimestre de 2008, conforme o governo anunciou recentemente, entraram nos cofres da União mais de 220 bilhões de reais, o que aponta para uma receita total, neste ano, nas vizinhanças dos 700 bilhões - ou possivelmente até acima disso. Mais dinheiro para quê? Não passa pela cabeça das autoridades que a situação da saúde brasileira é uma das piores do mundo não porque lhe faltem verbas, mas porque a gestão da saúde brasileira é, também, uma das piores do mundo. O presidente da República até agora não parou de reclamar que o fim da CPMF, articulado "pelas elites", deixou em petição de miséria a saúde deste país. Se é mesmo assim, então por que a saúde era tão ruim durante todo o tempo em que seu governo teve à disposição os bilhões da CPMF? Ela continua sendo, agora, o desastre que era antes.
Quem mais sente a falta de novos aportes de dinheiro para a saúde não é o povão, que espera horas nas filas dos ambulatórios, não consegue marcar uma data para cirurgias urgentes, ou mesmo para uma consulta, e não tem recursos para comprar remédios. Para ele, com mais ou com menos verbas, a situação fica na mesma - como ficou exatamente na mesma durante e depois da vigência da CPMF. Já para os políticos que têm gordos lotes na área, os fornecedores e os intermediários de compra e venda, a coisa é diferente; o que fala, aí, é o vício. Quanto mais dinheiro houver, tanto maiores são as oportunidades de mandar, favorecer, empregar e fazer negócios. Alguns deles, como a venda de ambulâncias, podem ser uma verdadeira maravilha.
Bom tamanho
Passados os efeitos especiais que se seguiram à troca de comando no Ministério do Meio Ambiente e à nomeação de Carlos Minc para o lugar ocupado por Marina Silva desde o início do governo do presidente Lula, a questão concreta que parece mais urgente para a economia brasileira é a seguinte: o Ibama vai mudar em relação ao que tem sido até agora? Sim, o Ibama, pois é ali que mora boa parte, talvez até a maior parte, da encrenca criada nestes últimos anos para a construção de obras públicas, a expansão do agronegócio e a execução de projetos empresariais de todo tipo, seja de empresas privadas, seja de estatais. Esqueçam-se um pouco os fogos de artifício lançados pelo novo ministro ("tremei, poluidores" etc.) ou a briga verbal que está fabricando com o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi - que, tanto quanto se saiba, não lhe tinha feito nada de mau até agora. Ele sabe muito bem, além de dizer coisas capazes de fazer sucesso na imprensa, que não foi nomeado para complicar a vida do presidente, da ministra Dilma Rousseff e do PAC - não mais, pelo menos, do que a ex-ministra complicava. O que interessa, mesmo, é como o Ministério do Meio Ambiente vai atender às exigências do Palácio do Planalto e de diversos outros prédios de Brasília habitados por personagens que cuidam de coisas importantes - e a chave da questão, aí, será a conduta do Ibama. Para onde ele se inclinar é para onde se inclinará, provavelmente, a conduta central do ministério.
As pistas a esse respeito, por enquanto, ainda não são claras. O novo ministro nomeou para a presidência do Ibama o geógrafo Roberto Messias, que já estava lá como diretor dos serviços de licenciamento ambiental. Quer dizer, então, que tudo fica mais ou menos na mesma? Não se sabe. Messias disse que dará "continuidade" ao que vinha sendo feito na gestão anterior, mas ele não é uma criatura da era Marina Silva nem da Amazônia; vem de Minas Gerais, onde foi secretário do Meio Ambiente do governo Aécio Neves, e só assumiu a direção da área de licenciamento no ano passado, aparentemente para servir de contrapeso na oposição que Marina fazia às usinas hidrelétricas do rio Madeira. Em relação às obras, suas primeiras palavras foram de moderação. "Os grandes projetos de infra-estrutura do PAC criam a coluna vertebral do país, que tem carência de estradas, de energia, de pontes e de ferrovias", afirmou Messias. "Temos de tratar do ambiente e fazer com que o beneficiado seja a população." Naturalmente, todos falam coisas parecidas - quem vai dizer que o prejudicado com a ação ambiental será o povo? Mas não parece fazer nexo, depois que o governo se livrou da ex-ministra, manter a guerrilha antiobras conduzida durante a maior parte de sua gestão. No fundo, e para simplificar a conversa, há duas posições básicas aí: os que são a favor de dar luz elétrica à população, desde que não sejam construídas usinas hidrelétricas; os que são a favor de dar luz elétrica à população e acham que, para isso, é preciso construir as usinas. As ações concretas do Ibama, daqui para a frente, mostrarão de que lado o Ministério do Meio Ambiente estará.
Em cinco anos e meio de permanência no cargo, Marina Silva não conseguiu mudar, realmente, nada de essencial naquilo que o Ibama tem de pior - ele continua sendo um dos casos mais tenebrosos de ruindade, pura e simples, do serviço público brasileiro. Tudo o que pode dar errado numa repartição do governo dá errado no Ibama: corrupção, inépcia, falta de verbas, falta de meios para trabalhar, poucos fiscais, salários infames, burocracia demente e hostilidade permanente contra a idéia de construir. Atira-se, ali, contra a agricultura, a indústria, o comércio, as obras dos governos da União, dos estados e dos municípios, as empresas nacionais, multinacionais e estatais. Nem a Petrobras, que é a Petrobras, está livre - ao contrário, é uma das empresas mais visadas pelos caçadores de licenças. O presidente Lula sabe, por muita experiência, o custo disso. Não pode fazer grande coisa quanto às dezenas de órgãos similares que agem nas esferas estaduais e municipais, ou ao Ministério Público, ou à legislação de hospício que foi criada em torno do meio ambiente no Brasil. Mas poderia, pelo menos, fazer o novo ministro agir um pouco mais na contenção dos danos causados pelo Ibama. Já ficaria de bom tamanho.