XI E TEMER EM PEQUIM: entre 2015 e 2016, mais de 20 bilhões de dólares entraram no Brasil via investimento chinês / Thomas Peter/ Reuters (Thomas Peter/Reuters)
EXAME Hoje
Publicado em 9 de setembro de 2017 às 07h41.
Última atualização em 12 de setembro de 2017 às 14h31.
Pequim – A China terminou a semana em clima de nacionalismo ainda mais exacerbado após a 9a Cúpula do BRICS em Xiamen, cidade litorânea de estratégica importância logística ao sul do país. A declaração que marcou o fim do encontro de chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, grupo que compõe a sigla, prevê o início de uma “década de ouro” para o mecanismo de cooperação que tem a China como principal motor econômico. Os principais veículos de mídia do país reforçaram esse discurso, ao citar o presidente Xi Jinping nas manchetes do dia como o grande embaixador dos países emergentes. O China Daily teve como destaque a reivindicação do governante por maior representação e voz do grupo em organismos de governança global. O People’s Daily enfatizou o discurso em que Xi defende uma agenda de desenvolvimento sustentável para os países do Sul. Já a agência Xinhua deixou a modéstia de lado e estampou em manchete que “Xi navega o navio do BRICS em viagem épica”.
Há de se notar que desde a sua criação em 2006, o BRICS (que deu boas-vindas à África do Sul em 2011) passou a ser tratado com carinho pela China, dentro da estratégia de buscar maior influência para além da econômica no cenário internacional. “Talvez o mundo subestime o BRICS, mas eu o enxergo como o ponto inicial de um sistema de desenvolvimento global que não depende dos países desenvolvidos ocidentais,” afirma Wang Wen, reitor executivo do Instituto Chongyang de assuntos financeiros da Universidade Renmin, de Pequim. O presidente Xi Jinping reforçou isso na cerimônia de abertura da Cúpula: “Na década passada, nós os países do BRICS avançamos e nos tornamos um ponto brilhante na economia global,” afirmou.
Aqui em Pequim, a Cúpula do BRICS tem sido apontada por muitos especialistas como um ponto chave no desenho do futuro das nações emergentes. Os países expandiram as frentes de trabalho para além da questão econômica, com a assinatura de acordos de cooperação científica, tecnológica e de inovação. Também assinaram memorandos de cooperação industrial, educacional, agrícola, ambiental, com o reforço do acordo de Paris assinado em na Convenção Climática das Nações Unidas na capital francesa em 2016. “A China sugeriu uma agenda com foco em aumentar o intercâmbio humano e cultural, que posicione o BRICS como um movimento de linha de frente em política externa,” diz Chen Duqing, ex-embaixador da China no Brasil.
Por outro lado, ficou evidente que a questão econômica continua sendo o centro gravitacional dos BRICS. As duas iniciativas mais concretas dos últimos dois anos foram a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o “banco dos BRICS” – que já tem sede em Xangai, na China, sucursal em Joanesburgo, na África do Sul, e planos de abertura de uma nova sucursal possivelmente em São Paulo -, e a Estratégia de Parceria Econômica do BRICS, que inclui o Arranjo de Reserva Contingente (CRA) – um fundo monetário. Tais iniciativas foram reforçadas na reunião da Cúpula desta semana. “Iniciativas como o NDB e o fundo monetário são valiosas e colocam a cooperação entre os BRICS em um novo patamar,” diz Paulo Nogueira Batista Jr., vice-presidente do NDB, que mora em Xangai.
O inevitável viés econômico da união dos cinco países emergentes foi sinalizado pelo próprio criador do termo BRICS, Jim OʼNeil, ex-economista-chefe do banco Goldman Sachs, quando há uma década defendeu a ideia de que, embora os BRICS não tenham óbvia coerência como grupo político, a sua importância econômica o tornaria tão legítimo quanto o G7. De fato, os cinco países juntos concentram 23% do PIB, 16% do comércio internacional, e 42% da população mundial. E quatro deles ocupa o ranking dos dez maiores PIBs do mundo, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Se não é possível ignorar o peso dos BRICS no contexto internacional, também não é possível fechar os olhos para o peso da China, dona do segundo maior PIB do mundo atrás apenas dos Estados Unidos, no contexto do BRICS. Há quem questione se a união faria sentido se a China não fosse membro. “A única real característica em comum entre os quatro outros países é enxergar a China como um importante investidor e parceiro comercial, pois fora isso o nível de engajamento entre eles é pouco expressivo,” diz Shen Yajie, analista da China Policy, de Pequim, consultoria de estratégia em China que tem como parceira a brasileira Vallya.
Que venham os chineses?
Na atual situação política e econômica do Brasil, estreitar as relações com nosso principal investidor e parceiro comercial, a China, obviamente não é um capricho. Composta por sete ministros, onze parlamentares e algumas dezenas de empresários, a comitiva que acompanhou o presidente Michel Temer à Cúpula dos BRICS teve como pano de fundo a missão de atrair investidores para 57 projetos brasileiros que serão concedidos à iniciativa privada. “O Brasil precisa de capital externo para sair da crise, o que para o investidor chinês representa uma oportunidade fantástica de compra de ativos,” afirma Sergio Werlang, ex-diretor do Banco Central.
Paralelamente às ações do governo, existem iniciativas de brasileiros interessados em diminuir as barreiras a essa relação bilateral. É o caso do Desafio Brasil + China 2017, organizado nos dias primeiro e 2 de setembro pela Brasa Ásia, associação global de estudantes brasileiros que também tem filiais nos Estados Unidos e na Europa. A conferência, que aconteceu na sede da Yenching Academy da Universidade de Pequim, a mais prestigiosa instituição de ensino do país, reuniu políticos, acadêmicos e empresários de alto nível para discutir como os dois países podem trabalhar em conjunto para produzir desenvolvimento em longo prazo.
O evento foi mentorado por autoridades acadêmicas, entre eles Hussein Kalout, cientista político e pesquisador da Universidade Harvard. Durante a visita presidencial, Kalout, que também é secretário especial de assuntos estratégicos da presidência da república, conciliou o evento a outros compromissos da visita de Estado, como um seminário sobre investimentos no Brasil organizado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e pelo Banco de Desenvolvimento da China, em Pequim, no último sábado. “O Brasil é o maior parceiro da China na América Latina, qualquer avanço no tabuleiro dessa relação bilateral tende a ser positivo”, afirma o secretário.
Os interesses da China no Brasil são claros. O país tem uma forte demanda por produtos agrícolas, como grãos e carne, e recursos naturais, como minério e petróleo, – abundantes commodities brasileiras. Segundo, porque a China precisa expandir seu acesso a grandes mercados consumidores, como o brasileiro, para escoar suas manufaturas. Terceiro, porque há um grande interesse em exportação de tecnologias e conhecimentos técnicos que são escassos no nosso país.
Um ponto de partida é a infraestrutura. Entre 2015 e 2016, mais de 20 bilhões de dólares entraram no Brasil via investimento chinês. Para 2017, também foi anunciado o plano de gastar mais 20 bilhões na compra de ativos brasileiros nos mais diversos setores, de acordo com informações da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China. Nessa onda, o Brasil se tornou o segundo maior receptor de capital chinês na área de infraestrutura no mundo, atrás dos Estados Unidos.
O número de empresários chineses interessados em se aproximar do Brasil durante o fórum empresarial do BRICS, evento paralelo à Cúpula, foi expressivo. “Estamos buscando compreender as estratégias políticas e econômicas de países dos BRICS para desenvolver oportunidades de negócios,” afirma Tony Ren, presidente de mercado internacional da Shuangliang Eco-energy Systems, empresa chinesa de bioengergia que participou do fórum em Xiamen.
É interessante perceber a diferença de expectativas entre o Brasil e a China em relação à Cúpula do BRICS. Para o Brasil, a viagem a Xiamen foi uma questão de sobrevivência, dada a urgência de uma recuperação econômica que pode ter na China uma grande aliada. “A agenda preestabelecida da Cúpula coloca o Brasil na pauta dos países do BRICS como um potencial parceiro dos negócios e destino de investimentos, a despeito da recessão por que passa,” diz Larissa Wachholz, sócia-diretora da Vallya, que participou do fórum empresarial do BRICS em Xiamen.
A China, por sua vez, fez uso do evento para se posicionar como potência global não só no âmbito econômico, mas também político, cultural e ambiental. Na primeira metade da década de 1980, Brasil e China tinham praticamente a mesma participação no comércio mundial. Hoje, as exportações brasileiras movimentam um volume próximo a 10% das exportações chinesas. Mais do que correr atrás da diferença, o governo brasileiro quer é aproveitar o poderio chinês. É um plano que casa direitinho com a ambição global dos asiáticos.