Sede da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra, Suíça (-/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de janeiro de 2019 às 11h56.
Genebra - O governo brasileiro vai questionar a interpretação dada pelos juízes da Organização Mundial do Comércio (OMC) que, em dezembro, condenaram cinco programas de incentivos fiscais do Brasil.
A queixa, lançada pela Europa e Japão, será adotada nesta sexta-feira, 11, em Genebra, e será iniciado o período de 45 dias durante os quais o Itamaraty terá de chegar a um acordo sobre o que terá de ser feito para desmantelar o apoio hoje dado ao setor privado.
A OMC condenou de forma clara a estratégia de substituição de importação, uma política industrial adotada durante o governo de Dilma Rousseff e que distribuiria R$ 25 bilhões em bondades fiscais.
Depois de cinco anos de contenciosos, a entidade coloca um espécie de "fronteira" à política que poderá ser adotada no País na próxima década.
Foram declarados como irregulares a formas de incentivos previstos na Lei de Informática, no Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays), além do o Inovar Auto, da Lei de Inclusão Digital e o Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos para a TV digital (PATVD).
Três dos programas condenados já foram encerrados. Mas a Lei de Informática vence apenas no ano de 2029 e o Padis vence em 2022. Ambos terão de mudar ou passarão por uma profunda reforma para que não sejam considerados como mecanismos que garantem uma concorrência desleal entre produtos nacionais e importados.
Nesta sexta-feira, a diplomacia brasileira usará a reunião na OMC para levantar uma preocupação surgida depois de ler a decisão dos juízes.
Pelas regras internacionais, uma vez que um produto pague os impostos de importação, ele precisa receber o mesmo tratamento que um produto nacional dispõe. Trata-se do princípio do "tratamento nacional".
Os acordos da OMC, porém, permitem uma exceção, que é a capacidade de governos para conceder subsídios a produtos nacionais. Ninguém discute o fato de que isso cria um desnível na concorrência. Mas essa possibilidade era permitida pelos tratados negociados ainda nos anos 90.
O que chamou a atenção dos especialistas brasileiros é que os juízes aplicaram uma nova interpretação do texto das regras e a condenação criou o que para muitos poderia ser um precedente perigoso na jurisprudência.
Pela decisão da OMC, os juízes interpretaram as leis de forma a restringir o alcance dessa exceção, o que tornaria todos os subsídios condenáveis. Na avaliação do Brasil, isso poderia ter consequências negativas e afetar, entre os outros setores, o da agricultura.
A queixa brasileira não irá mudar a condenação e o governo sabe que terá de cumprir a determinação da OMC. Mas a decisão de levantar esse ponto tem como objetivo demonstrar uma "preocupação sistêmica".
O governo brasileiro ainda vai reforçar outra mensagem: a de que a nova decisão da OMC reverteu parcialmente uma condenação que, um ano antes, havia sido bem mais profunda.
Na primeira instância, também tinham sido condenados o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para empresas exportadoras (Recap) e Programa Preponderantemente Exportador (PEC).
O Itamaraty, porém, conseguiu que eles fossem absolvidos. Os programas, no fundo, apoiam centenas de empresas nacionais, entre elas a Samarco e a Embraer.
Com a adoção do relatório nesta sexta-feira, europeus e japoneses pedirão que o Brasil reforme seus programas dentro de um período a ser negociado.
Se não houver um acordo no prazo de 45 dias, europeus levarão o caso de volta à OMC e pedirão uma arbitragem para que a entidade determine o prazo para que o Brasil retire seus programas de funcionamento.
Legalmente, o fim desses programas não é tão simples, já que existem obrigações assinadas com empresas que fizeram investimentos e compromissos contratuais.
Caso o Brasil não cumpra a decisão da OMC, Tóquio e Bruxelas já indicaram que irão solicitar a autorização para retaliar o Brasil.