FMI: é "crucial" apressar a arrumação das contas públicas e frear o endividamento, disse o Fundo Monetário Internacional (Bloomberg/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de abril de 2018 às 08h29.
Num mundo superendividado, o Brasil se destaca por uma dívida pública muito maior que a dos outros grandes emergentes - um importante fator de risco, na avaliação de especialistas do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Para tornar o País menos vulnerável a choques externos, é "crucial" apressar a arrumação das contas públicas e frear o endividamento, segundo o diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo, Vitor Gaspar.
O perigo de turbulências no mercado financeiro tem crescido com a política de juros baixos e crédito fácil, num ambiente propício a operações de risco e à valorização excessiva de ativos.
A lembrança do estouro da bolha financeira há dez anos, começo da última grande crise, tem justificado as advertências de economistas e dirigentes de entidades financeiras e econômicas multilaterais.
Qualquer choque um pouco mais forte pode ser desastroso num ambiente de enorme endividamento, segundo têm alertado analistas do FMI e de outras instituições.
A soma das dívidas pública e privada atingiu US$ 164 trilhões em 2016, valor correspondente a 225% do produto global. A dívida pública total chegou a 83,1% do produto naquele ano e em seguida recuou ligeiramente, passando a 82,4% em 2017 e 82,1% em 2018.
Nas economias avançadas o endividamento alcançou 105% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, o nível mais alto desde a Segunda Guerra Mundial. A proporção deve ficar em 103% neste ano e declinar lentamente até 100,4% em 2023, pelas contas do FMI.
Mas o cenário se complica nos Estados Unidos, a potência econômica número um, com a política fiscal expansionista do presidente Donald Trump. A dívida pública americana está projetada para 108% do PIB neste ano e 116,9% em 2023.
A situação dos emergentes parece bem mais administrável que a do mundo rico, mas a diferença é explicável, em parte, pelo menor acesso a financiamentos. Nas economias emergentes e de renda média dívida bruta do governo geral chegou a 49% do PIB no ano passado, deve subir para 51,2% em 2018 e alcançar 57,6% em 2023.
No Brasil o comprometimento das finanças públicas é muito maior. Estava em 84% do PIB em 2017, é estimado em 87,3% neste ano e continuará avançando, segundo estimam economistas do FMI, até 96 3% em 2023.
Pelos cálculos do governo brasileiro, a dívida pública ainda está abaixo de 80%. A diferença ocorre porque o critério seguido em Brasília desconsidera os títulos do Tesouro mantidos no Banco Central (BC).
Mas a distinção de critérios de nenhum modo reduz o problema ou afeta de forma significativa as avaliações do mercado. Essas avaliações são por enquanto favoráveis, mas podem mudar com o crescimento continuado da dívida ou, ainda mais velozmente, no caso de um choque financeiro.
É uma proporção excessiva para um emergente, comentou Vitor Gaspar, retomando em entrevista coletiva a recomendação incluída no Monitor Fiscal, um relatório publicado pelo FMI em abril e outubro.
O Brasil, segundo a publicação, deve aproveitar as condições criadas pelo crescimento econômico e adiantar a execução dos ajustes e reformas, para estabilizar a dívida bruta antes do prazo previsto de 2024. A decisão de como cuidar do assunto caberá, é claro, às autoridades do Brasil, ressalva o economista mas a recomendação técnica está feita.
O problema prático é saber como o governo poderá gerar superávits primários, nos próximos anos, em volume suficiente para estabilizar a proporção entre a dívida e o PIB. As contas públicas brasileiras têm sido fechadas com déficit primário desde os anos finais do governo da presidente Dilma Rousseff.
Há superávit primário quando sobra algum dinheiro depois das despesas de operação governo, aquelas necessárias para o custeio da administração e, quando possível, para algum investimento. Há anos o dinheiro tem sido insuficiente até para cobrir esses gastos. Neste ano, por exemplo, o governo federal se esforça para conter déficit primário em R$ 139 bilhões. Para o próximo ano a meta deve ser um buraco de R$ 129 bilhões.
Sem alguma sobra, falta dinheiro até para cobrir uma pequena parcela dos juros vencidos no ano. É preciso, portanto, refinanciar os juros e, naturalmente, o principal da dívida. Assim, cresce o valor devido. Pelas projeções correntes em Brasília, a dívida continuará em expansão até o fim do próximo governo e só se estabilizará em 2023 ou 2024.
E mesmo essas estimativas podem estar erradas, a depender da orientação política implantada nos próximos anos.
O atual nível de endividamento público dos emergentes, perto de 50% na média, foi verificado pela última vez nos anos 1980, período de crise conhecido como a década perdida, lembrou Vitor Gaspar. Muito acima disso está o do Brasil, superior a 80% do PIB e no rumo de 96%, pelas contas do FMI.