Brasil: país deixou de figurar no mapa em 2014 (Mario Tama/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de outubro de 2017 às 15h56.
Rio de Janeiro - Especialista em segurança alimentar, o economista Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e consultor da ActionAid Brasil, explica por que o País pode estar prestes a voltar para o Mapa da Fome da ONU.
O Brasil deixou de figurar no mapa em 2014 - quando foi constatado que menos de 5% da população estava em situação de vulnerabilidade extrema. Um relatório entregue às Nações Unidas em julho e assinado por 40 ONGs que atuam no País, entre elas o Ibase e o ActionAid, foi quem primeiro fez o alerta sobre o aumento da fome.
Ao avaliar as políticas usadas para alcançar as metas do milênio das Nações Unidas, o relatório revela que o risco se deve a uma combinação de fatores registrados desde 2015, como a alta do desemprego, o avanço da pobreza, o corte de beneficiários do Bolsa Família e o congelamento de gastos públicos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
O último dado disponível, de 2014, do IBGE, mostra que o País tinha 7 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema, o que é menos de 5% da população. Por que vocês acreditam que este número aumentou?
Um dos objetivos do milênio da ONU é o fim da fome. Por isso nos debruçamos sobre a análise das políticas que estão sendo usadas nesse sentido, para produzir um relatório. A fome está muito associada à pobreza extrema e a situação do desemprego se agravou muito. Não só pelo fato de termos 14 milhões de desempregados, mas pelo fato de as populações mais pobres serem as mais prejudicadas. Além disso, o governo cortou R$ 1,1 milhão em benefícios do Bolsa Família, sob a alegação de irregularidades. Num quadro de desemprego, esse nível de redução agrava a situação social.
Mas vocês ainda não tem esse número?
Não, não temos. Os dados de renda, que são um bom indicativo, referentes a 2015, 2016 e início deste ano, deveriam ter sido divulgados em junho pelo IBGE. A divulgação foi adiada para outubro e, depois, para novembro. Então ainda não temos esses números. Mas estamos trabalhando com a ideia de que a situação piorou muito e é bastante grave entre as camadas mais pobres.
Em relação às políticas públicas adotadas para a redução da fome, o que a análise de vocês constatou?
Estive agora debruçado sobre a proposta de orçamento para 2018 e ela assusta bastante. Muitos cortes previstos têm um impacto direto no agravamento da situação de pobreza. Como exemplo, eu citaria a redução de 92% das verbas do programa de cisternas no semiárido e de 99% dos recursos voltados para a aquisição de alimentos da agricultura familiar para distribuição em áreas mais carentes. Nós somos observadores e temos que dizer: medidas como essas nos levam à situação de fome.
A retomada da campanha Natal Sem Fome, depois de dez anos, é um outro indicativo desse caminho?
Sim. O Daniel (de Souza, filho do sociólogo Herbert de Souza) tomou essa iniciativa com base em dados muito concretos. A Ação da Cidadania convive em comunidades muito pobres e acompanha a realidade do dia a dia, da vida das pessoas. Da mesma forma que em 2006 ele falou que ia parar com a campanha porque seria mais produtivo se dedicar a outras ações, ele agora resolve retomar. A campanha volta a se justificar: não porque vá resolver a situação, mas ela é simbólica, adverte e chama a atenção para a situação.