Brasil-EUA: Trump e Bolsonaro durante coletiva na Casa Branca na semana passada (Pool/Getty Images)
Isabela Rovaroto
Publicado em 26 de março de 2019 às 11h56.
Última atualização em 26 de março de 2019 às 17h27.
São Paulo — “Uma nova era nas relações entre Brasil e Estados Unidos se inicia, para o bem de nossas nações. Grande dia!”. Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro definiu no dia 19 de março, em sua conta no Twitter, o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Apesar do grande entusiasmo de Bolsonaro com a visita à Casa Branca, especialistas divergem sobre o verdadeiro impacto das negociações com os Estados Unidos.
Como resultado da primeira reunião bilateral no novo governo, Bolsonaro conseguiu o apoio de Trump para a entrada do Brasil na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo formado por 37 países desenvolvidos, sendo Chile, México e Colômbia os únicos representantes da América Latina. A OCDE tem como objetivo ajudar seus membros a alcançarem um melhor crescimento econômico e o melhores níveis de bem-estar social.
“O Presidente Trump saudou os atuais esforços do Brasil no campo das reformas econômicas, melhores práticas e marcos regulatórios em linha com os padrões da OCDE. O Presidente Trump manifestou seu apoio para que o Brasil inicie o processo de acessão com vistas a tornar-se membro pleno da OCDE.”, diz o comunicado conjunto dos países.
A entrada do Brasil na OCDE, no entanto, não depende apenas do apoio dos Estados Unidos. Para Lia Valls, pesquisadora associada ao IBRE/FGV, para ingressar no grupo, o Brasil deve adotar uma série de medidas, entre elas políticas de combate à corrupção, compromisso fiscal e com o meio ambiente.
A Colômbia, por exemplo - que se tornou membro da organização no último ano -, passou por um longo processo de adesão, no qual o país foi objeto de análises e recomendações feitas por 23 comissões da organização desde 2013.
Um ponto negativo em participar da OCDE seria o menor grau de liberdade econômica. De acordo com a pesquisadora Lia Valls, o Brasil ficaria sujeito às normas da organização, que supervisiona e faz recomendações para diversos setores do país. “O Brasil teria que adotar políticas econômicas alinhadas ao grupo e estaria sujeito aos relatórios que podem prejudicar a nossa estabilidade”, explica.
Em troca do apoio de Trump, o governo brasileiro se comprometeu a abrir mão do tratamento diferenciado de “país em desenvolvimento” na Organização Mundial do Comércio. Crítico à OMC, o presidente americano deseja fazer uma reforma na organização. Entre outras medidas, Trump extinguiria benefícios dentro da organização a países “em desenvolvimento”. O tratamento especial e diferenciado dado aos países que se declaram em desenvolvimento permite uma maior flexibilidade na organização, como prolongamento de prazos em negociações.
Apesar de estar em desenvolvimento, o Brasil não recorre com frequência ao seu status de emergente na OMC, como ressalta a pesquisadora Lia Valls. “Países como a Índia e a Coreia do Sul, apesar de diferentes níveis de desenvolvimento, utilizam mais a cláusula para conseguir um tratamento diferenciado”.
Para o embaixador Graça Lima, no momento em que o Brasil pretende ascender na OCDE, ele indica ao mundo que o tratamento especial e diferenciado na OMC não se aplica mais ao país.
“O Brasil ainda é um país menos rico do que muito membros da OCDE pelo critério da renda per capita, mas nós somos a nona economia do mundo, de modo que é perfeitamente natural que o Brasil queira ser um membro efetivo da organização”, explicou.
Como parte do acordo, o Brasil se comprometeu a importar uma cota de 750 mil toneladas de trigo dos Estados Unidos isenta de tarifas, condição dada apenas a países do Mercosul. A Argentina, nossa principal exportadora de trigo, recebeu com preocupação a notícia de que o cereal americano não será mais taxado em 10%.
Além disso, o comunicado conjunto dos dois países diz que o Brasil se comprometeu a importar carne suína americana com “condições baseadas na ciência”. Em contrapartida, os Estados Unidos analisam a importação de carne bovina brasileira “in natura”. Esta semana, o governo americano confirmou que uma equipe visitará o Brasil em julho para fazer uma inspeção sanitária nos frigoríficos brasileiros.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que esteve em Washington, não se mostrou satisfeita com o resultado das negociações. Na semana passada, ela afirmou que a análise da importação de carne bovina por parte dos americanos era um “gesto insuficiente”.
Para o embaixador Graça Lima, Conselheiro do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), o governo tinha grandes expectativas com as negociações e esperava reabrir o mercado americano ao produto nacional. “Uma visita como essa abre portas, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Acredito que a abertura do mercado americano seja uma prioridade permanente do governo”.
Os especialistas apontaram o caráter político do encontro. Durante a visita, Bolsonaro deixou claro ao mundo seu alinhamento ideológico com Trump e passou a mensagem de que o governo brasileiro quer ter uma nova relação com os Estados Unidos e com os demais países.
Durante a campanha presidencial, Bolsonaro já tinha dado sinais de querer maior cooperação com os Estados Unidos. Ao vencer as eleições, um dos primeiros telefonemas que recebeu foi de Trump, relembrou o embaixador. “Apesar de Trump já ter criticado a economia fechada do Brasil e ter afirmado que o país não trata bem as companhias americanas, a mensagem passada por Bolsonaro ao presidente norte-americano foi extremamente positiva e ela foi correspondida”.
O embaixador ressaltou que, apesar da afinidade ideológica entre os presidentes, o governo americano continua restringido a importação de produtos siderúrgicos brasileiros há quase um ano.