Economia

Brasil encerra pior década em crescimento desde 1900 — o que esperar agora

Cálculo feito pelo economista Roberto Macedo, da USP, mostra que performance da economia brasileira foi a pior em mais de um século

Brasil na lanterna: desempenho econômico do país nas últimas quatro décadas foi bem inferior ao dos países emergentes (cbies/Getty Images)

Brasil na lanterna: desempenho econômico do país nas últimas quatro décadas foi bem inferior ao dos países emergentes (cbies/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 13 de janeiro de 2020 às 18h40.

Última atualização em 13 de janeiro de 2020 às 18h57.

São Paulo — A economia brasileira acaba de sair da sua pior década de crescimento desde 1900. O cálculo foi feito por Roberto Macedo, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), que já foi ex-secretário de Política Econômica e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Segundo o economista, a variação média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil entre os anos de 2010 e 2019 foi de 1,39%. É a menor taxa das últimas 12 décadas, puxada para baixo por dois anos de recessão (2015 e 2016) e uma recuperação tímida desde então.

Na década anterior, iniciada em 2000 e finalizada em 2009, a taxa média de crescimento foi dois pontos percentuais mais alta, de 3,39%.

"A gente passou nessa década pela pior recessão da nossa história recente. É natural que tivéssemos o menor crescimento de todo esse período do qual temos informação sobre o PIB, que vem de 1900 para cá", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.  

O período de retração da economia começou no segundo trimestre de 2014 e foi até o último de 2016. Nesse período, o PIB encolheu 8,6%. A maior recessão que o Brasil havia visto até então foi de 1981 a 1983, quando o PIB caiu 8,5%, em meio à crise da dívida externa brasileira.

Para Vale, não se cria uma recessão dessa magnitude só com uma medida específica ou uma decisão equivocada: é algo que se constrói com o tempo.

Ele avalia que o desastre foi sendo construído durante o segundo mandato do governo Lula, entre 2007 e 2010, quando o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, começou a desmontar as estratégias econômicas do seu antecessor, Antonio Palocci.

"Especialmente na parte fiscal e, no final, um pouco na parte monetária", diz.  O país vivia um contexto de recuperação da crise mundial que eclodiu em 2008 e, por conta disso, passou por um ativismo fiscal mais intenso.

As políticas intervencionistas e de estímulo ao consumo usadas pelo governo para superar a crise global teriam fugido de controle ao longo do primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014), segundo ele.

"O crescimento nos anos seguintes foi muito baixo, porque tivemos a politica monetária afetada pela crise (em 2015, a Selic, taxa básica da economia, atingiu maior nível da história) e também por conta de todos os pequenos choques que o país sofreu posteriormente, como o impeachment de Dilma, o vazamento da delação premiada feita pelo empresário Joesley Batista, dono do grupo JBS, durante o governo Temer, a greve dos caminhoneiros em 2018 e a crise econômica na Argentina", diz Vale.

"A economia brasileira saudou o fim da recessão em 2017, mas ainda não encontrou uma forma de sair da depressão, do buraco em que está. Estamos há quatro décadas com uma taxa de crescimento muito insatisfatória comparada com a média de países em desenvolvimento e mercados emergentes", completa Macedo.

Os países emergentes registraram um crescimento médio anual de 5,11% no mesmo período, mais de três vezes o brasileiro.

Próxima década

Daqui para frente, na opinião de Vale, o Brasil entra num processo inverso. Ou seja, de reconstrução gradual do que perdeu nos últimos anos, sobretudo no campo fiscal e no de política monetária.

"É provável que a gente tenha com uma performance econômica melhor agora. O que está sendo construindo mostra isso. E o governo tende a seguir com reformas microeconômicas, que passam por privatizações e concessões", diz.

A Selic chegou em dezembro ao menor nível da história, o que facilita a concessão de crédito a pessoas físicas e jurídicas e reduz o custo da dívida.

Além disso, em outubro, o governo conseguiu aprovar a reforma da Previdência, que alivia o cenário fiscal nos próximos anos, já que o gasto com aposentadorias é a maior rubrica do orçamento federal. Mas isso não é suficiente.

"Fala-se em crescimento de 2% como se fosse uma maravilha, mas as reformas fiscais não bastam para tirar o Brasil desse estado doente da economia", diz Macedo.

Um dos pontos que deve garantir algum crescimento nos próximos anos, segundo economistas, é a ocupação da capacidade ociosa da economia brasileira, que está operando abaixo da sua capacidade. Um aceleração do crescimento nos próximos anos dependerá, no entanto, de mais investimentos.

Macedo destaca que não estão na agenda do governo medidas na direção de inovação, tecnologia, educação e outros pontos necessários para aumentar a competitividade do Brasil em relação ao resto do mundo.

"Os jovens são os mais prejudicados. Com a estagnação econômica, perdemos a chance de melhorar toda uma vida. O que o jovem mais quer é ser independente financeiramente. Mas, numa situação dessa, e pelo andar da carruagem, essa realidade foi e será inviabilizada para muita gente", diz Macedo.  

Acompanhe tudo sobre:economia-brasileiraIpeaPIBPIB do BrasilUSP

Mais de Economia

Estímulo da China impulsiona consumo doméstico antes do 'choque tarifário' prometido por Trump

'Quanto mais demorar o ajuste fiscal, maior é o choque', diz Campos Neto

Manifestantes se reúnem na Avenida Paulista contra escala 6x1

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade