Economia

Brasil é exemplo de país que soube aproveitar turismo LGBT, diz Tanzella

Atacado por Bolsonaro, setor cresceu 11% em 2017 e só perde para os Estados Unidos, diz presidente de associação da área em entrevista para EXAME

John Tanzella, presidente e CEO da IGLTA (International Gay & Lesbian Travel Association).

Foto: Germano Lüders

06/05/2019 (Germano Luders/Exame)

John Tanzella, presidente e CEO da IGLTA (International Gay & Lesbian Travel Association). Foto: Germano Lüders 06/05/2019 (Germano Luders/Exame)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 16 de junho de 2019 às 08h00.

Última atualização em 16 de junho de 2019 às 08h00.

São Paulo -  "O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias".

A frase do presidente Jair Bolsonaro em café da manhã com jornalistas no último 25 de abril rodou o mundo e ataca um setor que mostra resultados positivos raros na combalida economia brasileira.

O turismo LBGT registrou alta de 11% no Brasil em 2017, contra 3,5% no turismo de modo geral, segundo pesquisa realizada pelo Sebrae com a Associação Brasileira de Turismo LGBT e a revista ViaG.

Apesar disso, essa área foi retirada, há um mês, do plano Nacional de Turismo, elaborado na gestão do ex-ministro do Turismo, Marx Beltrão, e assinado no governo de Michel Temer.

As estratégias previam “sensibilizar o setor para a inclusão das pessoas idosas e do público LGBT no turismo”. Agora, elas se restringem ao público idoso.

John Tanzella, presidente da Associação Internacional de Turismo LGBT (IGLTA) há 12 anos, diz que esses movimentos não significam, necessariamente, uma trava para os negócios - que vão muito bem, obrigado.

Ele diz que o país é um exemplo e o segundo maior mercado da organização fundada em 1983, com associados em 80 países e sede em Fort Lauderdale, na Flórida.

No último dia 06, Tanzella esteve em São Paulo para participar do Fórum de Turismo LGBT do Brasil e concedeu a seguinte entrevista exclusiva para EXAME:

O presidente Jair Bolsonaro disse recentemente que o Brasil não deveria ser um paraíso do turismo gay. Como você responderia a isso? 

Nós não somos uma organização política e sim de negócios, então o que os políticos dizem não afeta o que fazemos.

Mas houve alguma manifestação de preocupação por parte de operadores ou turistas?

Sempre há preocupação quando líderes no mundo dizem algo contra a comunidade, mas muitas vezes isso nos deixa mais fortes e as pessoas querem apoiar os negócios LGBT aqui porque sabem que é desafiador - assim como é nos EUA, na Itália e em muitos outros países agora. Não afeta, necessariamente, os negócios.

Qual é a situação do turismo LGBT no Brasil?

É gigante! É o segundo maior mercado da IGTLA depois dos Estados Unidos.

Há outro país em desenvolvimento que pode servir de exemplo para o Brasil?

O Brasil que é, na verdade, um ótimo exemplo. O Rio de Janeiro tem se vendido como um destino gay por muitos anos. Na vizinha Argentina, o governo é muito pró-ativo para receber turistas LGBT e gerar receita e empregos. É um bom exemplo na região.

Quando as pessoas pensam em turismo LGBT o que vem primeiro à mente são as paradas. Como diversificar esse conceito para incluir lésbicas e transgêneros, por exemplo?

Temos todos os tipos de negócios, alguns são específicos para o mercado lésbico e alguns são para famílias LGBT, uma área crescente porque cada vez mais países estão legalizando o casamento gay.

É divertido ir para parada, mas é uma semana no ano, e as pessoas LGBT viajam o ano todo e em busca de experiências únicas, e não necessariamente gays.

Quais são algumas das reclamações que você ouve de viajantes LGBT?

Em países menos receptivos, como muitos do Oriente Médio, é desafiador. Não significa que as pessoas não devam ir, porque não apoiamos boicotes, mas não importa quem você seja, você precisa cumprir as leis e entender a cultura de um país. Nem todos os lugares são como o Rio ou São Francisco.

Há uma orientação específica sobre as leis de cada lugar para que as pessoas se orientem?

Sim, trabalhamos com a ILGA (Associação Internacional de Gays e Lésbicas), baseada em Genebra, que produz um mapa de legislação de cada pais que usamos como referência.

Temos membros em vários países como Uganda, onde é desafiador ser LGBT e você não imaginaria que haveria negócios ou turistas LGBT.

Também se fala na fronteira da Ásia, onde há forte crescimento econômico e as atitudes sobre a homossexualidade estão em evolução. Para onde o mercado está olhando?

A Ásia, como qualquer outra região do mundo, tem desafios e pontos luminosos. O Japão tem crescido nesse segmento; com as Olimpíadas chegando, estão tentando abraçar a diversidade. A Tailândia também faz um ótimo trabalho de divulgar os seus destinos, como Bangcoc.

Há outros exemplos de lugares convidativos como Bali, na Indonésia. A cada ano temos mais asiáticos em nossas convenções; o interesse está definitivamente crescendo.

Nestes 12 anos na organização, o que mais mudou e te surpreendeu?

Quando eu comecei, não tínhamos nenhum parceiro corporativo e agora você vê marcas globais como Marriott, Delta Airlines e South African Airways se promovendo para a comunidade.

Elas sabem que tem funcionários LGBT e querem fazer a coisa certa e tentamos ajudar nesse processo de aprendizado e de aceitação. Não se pode dizer só "queremos viajantes gays’: primeiro precisam fazer o trabalho correto interno para garantir que os seus funcionários tem os mesmos benefícios do que aqueles que não são LGBT, senão você será acusado de pinkwashing [crítica ao uso da associação ao público LGBT como mera estratégia de marketing].

Acompanhe tudo sobre:GaysLGBTTurismo

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo