Economia

Brasil domou inflação e câmbio, mas juros altos são problema, diz CEO global da Michelin

Florent Menegaux vê país como espaço para criar novas soluções ambientais, mas destaca a forte desigualdade social

Florent Menegaux, CEO global da Michelin: desigualdade no Brasil é bem maior do que em outros países (Divulgação/Divulgação)

Florent Menegaux, CEO global da Michelin: desigualdade no Brasil é bem maior do que em outros países (Divulgação/Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 7 de setembro de 2023 às 06h04.

O Brasil tem lidado bem com a inflação e o câmbio, porém a taxa de juros e a desigualdade social, ambas em nível elevado, são entraves para o país. A avaliação é de Florent Menegaux, CEO global da Michelin, uma das maiores fabricantes de pneus do mundo.

"Vocês têm dominado a inflação de forma muito melhor, o câmbio está sob controle. Mas vocês ainda tem uma taxa de juros muito alta. Essa é a grande questão de financiamento do Brasil", diz Menegaux, em entrevista à EXAME, durante passagem pelo país.

Na conversa, o executivo disse ver o Brasil, como um espaço importante para o desenvolvimento de novas soluções na área ambiental, como técnicas para reciclar pneus e produzir borracha de maneira sustentável. "O Brasil tem muito mais intimidade com a natureza do que outras partes do mundo, e pode nos dizer o que fazer."

Como vê a situação da economia brasileira e as perspectivas para os próximos meses?

O Brasil tem sido, por muitos anos, um país de muitas esperanças em termos economicos e, como na maioria das economias, isso ocorre em ciclos. Vocês têm dominado a inflação de forma muito melhor, o câmbio está sob controle. Mas vocês ainda tem uma taxa de juros muito alta. Essa é a grande questão de financiamento do Brasil. O fato de ter uma taxa de juros muito alta é um problema. No entanto, por causa da forma como o país funciona, assim que você começa a baixar os juros, a inflação rapidamente sobe. Esse é um ponto difícil para a economia.

Socialmente, outra questão do Brasil é que a repartição da riqueza não é feita. O Brasil é um país de extremos. Você tem pessoas e negócios muito ricos e uma enorme maioria da população que não se beneficia disso. Quando você compara o Brasil com outros países do mundo, essa divisão é menos extrema do que no Brasil. E isso afeta a capacidade do país de aumentar o poder de compra da sociedade.

Qual o peso do Brasil hoje nos planos da Michelin?

Temos uma presença muito forte no Brasil. Temos aqui nosso HQ para a América do Sul e quatro plantas. O Brasil é muito importante para nossos setores de inovação e de sustentabilidade, e o país provavelmente pode desempenhar um grande papel na área. Estamos trabalhando há 35 anos para estudar um cogumelo que pode destruir seringueiras. Com isso, queremos desenvolver uma nova geração de árvores que possam resistir à ele. Fizemos isso no Brasil e agora estamos vendo como expandir isso para o resto do mundo.  Em termos de meio ambiente, temos duas iniciativas robustas. Uma na Bahia, nossa plantação histórica onde desenvolvemos um novo modelo, que alia proteção à biodiversidade com desenvolvimento social. Na Amazônia, temos um plano, com o WWF, para ver como podemos ter desenvolvimento social, proteção da biodiversidade e produção de borracha das seringueiras históricas da Amazônia. O Brasil tem muito mais intimidade com a natureza do que outras partes do mundo, e pode nos dizer o que fazer. 

Nos últimos anos, a Ford deixou de fabricar no Brasil, enquanto montadoras chinesas anunciaram a instalação de unidades de produção no país. Esse movimento afeta os planos da Michelin de alguma forma?

Trabalhamos com todas as montadoras de carros ao redor do mundo, então não posso comentar porque uma montadora está deixando o país enquanto outras estão chegando. Cada um toma suas próprias decisões de negócio, e vendemos tecnologia para qualquer uma delas. 

Como avalia a reciclagem de pneus no Brasil? Quais projetos a Michelin tem na área que envolvem o país?             

Colocamos de pé um processo para cortar pneus gigantes, que foi desenvolvido no Brasil. Esses pneus gigantes, geralmente usados em mineração, são uma questão ambiental porque, depois de usados, acabam ficando nas minas e ninguém sabe o que fazer com eles. No Chile, temos outra iniciativa para transformar pneus em óleo ou outros tipos de materiais sustentáveis, que está em fase de testes. No Brasil, temos um programa de reciclagem, que cuida da destinação e faz com que poucos pneus acabem em lixões. Mas não vemos importadores, que estão crescendo no Brasil, fazerem a mesma coisa. Como um fabricante local, fazemos isso como um investimento, mas algumas vezes sofremos porque as pessoas veem imagens de pneus que não estão na destinação correta, e a maioria deles são importadas. 

Falando sobre o futuro, como a empresa vem se preparando para suprir os veículos elétricos?

Temos investido em pneus para elétricos há 30 anos, que mudou todo o nosso processo de fabricação. Assim, atualmente, todos os pneus Michelin são compatíveis com veículos elétricos. Algumas vezes afinamos eles para algum modelo específico, como fazemos com qualquer pneu, mas não temos uma categoria dedicada aos eletricos. Agora, é preciso saber que um elétrico demanda muito mais dos pneus. É mais pesado, tem mais torque, uma repartição diferente do peso, e precisa de uma resistência de rolagem menor. Então, os pneus dissipam menos a energia do que os outros. E essa resistência de rolagem pode gerar autonomia adicional. Por isso, trabalhamos muito bem com fabricantes chineses, europeus e americanos.

E como andam os estudos para fabricar pneus sem ar?

Pneus sem ar atraem muito a imaginação das pessoas, porque todo mundo lembra dos furos, que nunca acontecem na hora certa ou no lugar certo. É sempre um problema, mas não acontece com muita frequência. Quando você olha de modo estatístico, a probabilidade de ter um furo é muito pequena. 

Porém, é muito mais caro construir esse tipo de pneu do que um normal, porque precisa substituir o ar pelo que chamamos de raios, que fazem a função do ar, mas o ar é grátis. Então, a tecnologia estará disponível, mas para ser usada em casos que alguém esteja preparado para pagar o preço, porque será muito mais caro que um pneu clássico. Será algo mais para a mobilidade urbana, para entregas locais. Haverá muita demanda para aplicação em veículos autônomos porque, ao estar em um deles, a última coisa que você quer é receber uma mensagem de que você terá de parar e trocar o pneu. Talvez eu esteja errado, mas não acho que vamos trocar os velhos pneus, que são muito úteis, por pneus sem ar. 

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