Soja: "o solo ainda tem boa reserva de nutrientes graças ao bom nível de tecnologia na última safra", avaliou o diretor de agronegócios do Itaú BBA (Tom Gannam/Reuters)
Reuters
Publicado em 27 de julho de 2018 às 10h33.
São Paulo - Produtores brasileiros se preparam para semear uma área recorde com soja na safra 2018/19, mas os trabalhos devem se desenvolver, a partir de setembro, em condições consideradas mais desafiadoras, com incertezas domésticas e externas, e em meio a custos elevados.
Por ora, ainda há poucas estimativas sobre o próximo ciclo, mas já se forma um consenso de que o plantio crescerá em cerca de 1 milhão de hectares, para pouco mais de 36 milhões, apesar de receios quanto a entrega e uso de insumos, da alta do dólar ante o real, dos fretes mais caros e da disputa comercial entre Estados Unidos e China.
"O solo ainda tem boa reserva de nutrientes graças ao bom nível de tecnologia na última safra. Ninguém vai deixar de plantar, mas pode ter variabilidade na produtividade", avaliou o diretor de agronegócios do Itaú BBA, Pedro Fernandes, em entrevista à Reuters.
Em estudo, o banco aponta que os custos para a implantação da soja, o principal produto do agronegócio do Brasil, tendem a subir em 2018/19 justamente por causa do câmbio e de seus reflexos sobre os preços dos insumos, desde fertilizantes a agroquímicos no geral, muitos dos quais importados.
Em Mato Grosso, maior produtor do país, a tendência é de que os custos cresçam cerca de 10 por cento, para 2,1 mil reais por hectare, mas com as margens de ganhos podendo cair pela metade ante a última safra, para algo entre 1,2 mil e 1,5 mil reais por hectare, segundo o trabalho do Itaú BBA.
"A rentabilidade da soja em 2018/19 voltará à média de cinco anos. Será uma safra rentável ainda, mas não como foi 2017/18. Essa queda nas margens virá do aumento do custo e da diminuição da receita por saca, por causa da queda dos preços na Bolsa de Chicago", destacou Fernandes.
Tendo-se por base o contrato mais negociado na CBOT, as cotações da oleaginosa acumulam perda de mais de 10 por cento em 2018 em razão da escalada da tensão entre Estados Unidos e China, o maior importador mundial da commodity.
O recuo se acentuou após Pequim anunciar tarifas sobre as importações de soja norte-americana, o que fez disparar os prêmios do produto do Brasil, líder mundial em exportações da commodity e principal fornecedor do mercado chinês.
"A queda dos preços em Chicago foi parcialmente compensada pelos prêmios mais altos. Mesmo assim, nesses últimos três meses o preço FOB de exportação de soja (do Brasil) caiu 15 por cento", disse nesta semana o chefe do setor de grãos da Datagro, Flávio França Júnior, minimizando ganhos para o país em meio à disputa entre as duas maiores economias do mundo.
Para ele, o maior risco para o produtor ainda é o dólar, que deve ter forte volatilidade em razão das eleições de outubro. Segundo o analista, dependendo do vencedor do pleito, o câmbio pode estar no momento de venda da colheita em um patamar totalmente diferente do observado na época do plantio.
"O produtor pode plantar com o dólar a 3,80 reais e, se alguém comprometido com o mercado, com reformas, vencer as eleições, poderá vender a soja a 3,20 reais lá na frente."
Outra frente de preocupação para os produtores diz respeito aos fretes, que agora seguem uma tabela instituída pelo governo na esteira dos protestos de caminhoneiros, em maio. O receio não é só com o transporte da soja que será colhida no verão, mas com a oferta de insumos para o plantio ainda neste ano.
No primeiro semestre, por exemplo, as entregas de fertilizantes ao mercado brasileiro caíram 2,3 por cento na comparação anual, de acordo com a Associação Nacional para Difusão de Adubos.
"Definitivamente o mercado de grãos não está nada satisfeito com as novas regras", afirmou o diretor da corretora Cerealpar, Steve Cachia.
"Apesar de o mercado internacional estar conspirando para que o Brasil registre uma explosão na área de soja, não acho que isso vai acontecer neste ano. Acho que as outras incertezas pesam para que o produtor brasileiro tenha mais cautela e cuide mais do patrimônio", avaliou ele.
Em uma projeção preliminar, Cachia diz esperar que a área de soja no Brasil cresça entre 1 e 3 por cento, de 35 milhões de hectares em 2017/18. A próxima colheita somaria um recorde de 121 milhões de toneladas, ante cerca de 119 milhões de toneladas estimadas pelo governo brasileiro no ciclo anterior, segundo a Cerealpar.
A Safras & Mercado tem previsões semelhantes, apostando em semeadura de 36 milhões de hectares e colheita de quase 120 milhões de toneladas.
"Nesta nova temporada, notamos mais uma vez um quadro bastante favorável ao cultivo da oleaginosa. As grandes produtividades registradas em todo o país na temporada 2017/18 aliadas à elevação dos preços praticados ao longo de todo o ano de 2018 culminaram na manutenção de uma margem razoável para os produtores, mesmo com o crescimento dos custos de produção", afirmou o consultor da Safras, Luiz Fernando Roque, em nota.
Mas ele reconhece que a forte alta do dólar e a questão dos fretes são fatores que inicialmente impedem uma expansão ainda maior da área plantada.
"Neste primeiro momento, nota-se uma grande incerteza em torno desses fatores fundamentais, o que traz insegurança para a decisão produtor. Aliado a isso, a recuperação dos preços do milho nos últimos meses também deve impedir um maior avanço da área de soja", completou.
Por outro lado, o plantio de soja do Brasil poderia crescer até 5 por cento, na avaliação da Corteva Agriscience, divisão agrícola da DowDuPont, uma das maiores companhias de insumos agrícolas que atuam no país.
O fato é que, caso a produção prevista para o Brasil em 2018/19 se concretize, o país deve se firmar como maior produtor mundial da oleaginosa.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) prevê uma safra de 120,5 milhões de toneladas de soja para o Brasil em 2018/19, ao passo que a colheita daquele país está estimada em pouco mais de 117 milhões.