Economia

Brasil deve alcançar corrente de comércio de US$ 1 trilhão até 2027, projeta diretora da ApexBrasil

Ana Paula Repezza afirma que confirmação da meta depende do desempenho da economia global, mas diz que governo tem trabalho para diversificar produtos da pauta comercial, para abrir novos mercados e tornar mais empresas exportadoras

Ana Paula Repezza: diretora de Negócios da ApexBrasil afirma que o continente africano e países como a Nigéria têm potencial para demandar produtos e serviços de empresas brasileiras (Divulgação/Exame)

Ana Paula Repezza: diretora de Negócios da ApexBrasil afirma que o continente africano e países como a Nigéria têm potencial para demandar produtos e serviços de empresas brasileiras (Divulgação/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 22 de agosto de 2024 às 06h00.

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A meta de alcançar uma corrente de comércio de 1 trilhão de dólares deve ser alcançada no fim de 2027, projeta a diretora de Negócios da Agência de Promoção e Exportação do Brasil (ApexBrasil), Ana Paula Repezza, em entrevista exclusiva à EXAME. Esse resultado, afirma ela, depende do desempenho da economia global. O crescimento do mundo pode impulsionar as importações e exportações brasileiras e uma recessão pode adiar o atingimento desse objetivo. Apesar disso, a diretora da ApexBrasil mostra confiança e diz que o governo brasileiro tem trabalhado para alcançar esse valor.

"O que faz um país ter uma corrente de comércio rica, tanto em termos de valor, como em termos de qualidade da pauta de exportação? Diversificação de mercados e destinos, diversificação de produtos e de setores exportados, além de diversificação de origem, nos estados brasileiros, de onde saem as exportações. Só vamos atingir 1 trilhão de dólares se a gente mirar nessas três frentes", diz Ana Paula.

Em 2023, a corrente de comércio do Brasil totalizou 580,4 bilhões de dólares, dos quais 339,7 bilhões de dólares corresponderam as exportações e 240,7 bilhões de dólares, as importações, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. No primeiro semestre de 2024, a soma das vendas para outros países e compra de outras nações totalizou 346,8 bilhões de dólares.

Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária mostram que de janeiro de 2023 a junho de 2024, o Brasil alcançou um total de 150 mercados em 52 países. Nos seis primeiros meses de 2024, soja, petróleo, minério de ferro, açucares e melaços, além de combustíveis derivados de petróleo, foram os produtos brasileiros mais vendidos para o mundo.

"Não tem nenhum problema o Brasil ser um fortíssimo exportador de comodities. Muito pelo contrário. Nós precisamos derrubar esse mito e reconhecer que existem economias fortes, como Canadá e Austrália, que são grandes exportadores de commodities. E nem por isso existe essa preocupação de que esses países só exportam commodities. Esses países também têm outros itens na pauta [de exportação]. Nós temos o desafio de manter a competividade natural das commodities, mas precisamos desenvolver outros setores exportadores", afirma.

Leia abaixo a íntegra da entrevista

Como o Brasil pretende atingir uma corrente de comércio de 1 trilhão de dólares?

Quem falar que existe uma bala de prata para atingir esse 1 trilhão de dólares está errado. O que faz um país ter uma corrente de comércio rica, tanto em termos de valor, como em termos de qualidade da pauta de exportação? Diversificação de mercados e destinos, diversificação de produtos e de setores exportados, além de diversificação de origem, nos estados brasileiros, de onde saem as exportações. Só vamos atingir 1 trilhão de dólares se a gente mirar nessas três frentes.

O presidente Lula tem ajudado na abertura de mercados?

Do ponto de vista de diversificação de mercados, nós temos um presidente que faz uma diplomacia presidencial de forma muito forte. Estou na Apex desde 2007 e nunca vi em, dois anos de governo, tantas visitas presidenciais com essa pauta comercial como temos agora. Isso é um fator importante para a abertura de novos mercados. Em cada visita há acordos assinados. A entrada dos produtos brasileiros em novos mercados, cada vez mais, depende de outros fatores que vão além da questão tarifária. Todas as questões ligadas a regulação desses mercados, políticas fitossanitárias, políticas de compras governamentais dos países são fatores tão determinantes quanto a questão tarifária.

Quantos mercados foram abertos desde 2023?

Ainda que a gente não consiga avançar em acordos tarifários que envolvam o Mercosul com a velocidade que gostaríamos, nós estamos avançando em outras pautas que são tão importantes quanto. Um exemplo disso é o trabalho do Ministério da Agricultura e Pecuária. De janeiro de 2023 a junho 2024, o Brasil alcançou um total de 150 mercados em 52 países. Essa agenda de abertura sanitária de mercados é muito importante. E isso leva para outro ponto importante que é a diversificação dos produtos e setores que exportam.

A dependência da exportação de comodities é um problema para o Brasil?

Não tem nenhum problema o Brasil ser um fortíssimo exportador de comodities. Muito pelo contrário. Nós precisamos derrubar esse mito e reconhecer que existem economias fortes, como Canadá e Austrália, que são grandes exportadores de commodities. E nem por isso existe essa preocupação de que esses países só exportam commodities. Esses países também têm outros itens na pauta [de exportação]. Nós temos o desafio de manter a competividade natural das commodities, mas precisamos desenvolver outros setores exportadores. E é nesse ponto que começa também o trabalho da Apex. Quando fazemos o trabalho de qualificação e capacitação de empresas dos mais diversos setores para que elas também exportem de forma competitiva, assim como os setores do agronegócio.

Em que setores a Apex enxerga potencial de desenvolvimento e abertura de mercados?

O Brasil é muito forte em tudo que diz respeito a economia criativa: moda, vestuário, calçados, cosméticos, móveis. O mobiliário de design brasileiro foi muito reconhecimento neste ano. Vencemos um concurso em Milão, no Salão de Design de Milão. Um fabricante brasileiro de móveis recebeu um prêmio da exposição neste ano. Temos alguma competitividade em produtos químicos e derivados de químicos. Produtos farmacêuticos. Vale lembrar que o Brasil desenvolveu o conceito e a tecnologia dos genéricos. Isso é muito importante para outros países em desenvolvimento garantirem o acesso a saúde pública e básica. A Apex trabalha com um conjunto de 53 setores da economia. Desses 53 somente 20 são do agronegócio. E mesmo assim é um agronegócio de valor agregado. Estamos falando de alimentos processados, carnes processadas, de superfoods. Não podemos negar a nossa competência e capacidade de sermos o supermercado do mundo. E não há demérito nisso. Mas existem outros setores igualmente importantes.

O setor de startups também é importante?

Outro setor muito importante e está relacionado a economia criativa são as startups. Toda a parte de soluções tecnológicas que o Brasil tem apresentado uma competividade e criatividade no mercado internacional pensando em soluções especialmente para países em desenvolvimento e que enfrentam os mesmos problemas econômicos e sociais que o Brasil. O país também tem esse condão de oferecer soluções climáticas para todo os países que estão na mesma faixa climática. Não só para o desenvolvimento do agronegócio com mais produtividade, mas soluções para drenagem de solo, enriquecimento de solo. Temos toda essa competividade.

O que mais pode ser feito para o aumento das exportações?

O último vetor para o crescimento das nossas exportações é ter mais empresas exportadoras em todas as regiões do Brasil. Ainda temos uma concentração muito forte nas regiões Sul e Sudeste. Só a partir da atuação da Apex nas regiões Norte e Nordeste, no ano passado, conseguimos aumentar em 34% o número de empresas apoiadas nessas regiões com biodiversidade interessante e única no mundo. Nessas regões há necessidade de geração de emprego e renda muito grande e sabemos que o comércio exterior é uma via muito importante nesse sentido. Não só qualificando empresas que atuam nos principais centros, mas buscando em outras regiões empresas que possam começar a exportar e, a partir desse movimento, gerar mais emprego, mais renda e mais desenvolvimento.

Com todas essas ações, quando seria possível alcançar uma corrente de comércio de 1 trilhão de dólares?

É difícil cravar uma data porque dependemos do comportamento da economia mundial. Mas eu acho que em mais dois ou três anos, no máximo, conseguiremos esse número. Podemos fechar 2027 com uma corrente de comércio de 1 trilhão de dólares.

Como a pauta de energias renováveis e do hidrogênio verde se enquadra nesse contexto?

O setor de energias renováveis pode impulsionar a corrente de comércio em três vias. Na via da exportação do hidrogênio, mas ainda há um desafio logístico internacional de como transportar, de forma segura, o hidrogênio. Mas o principal é o fornecimento de energia para todo e qualquer setor que queira produzir a partir da utilização de hidrogênio verde. Com isso você zera a emissão de carbono do ponto de vista de consumo energético para qual setor. Esse produto chega com uma vantagem comparativa fortíssima. Essa é a segunda via. E a terceira via é a atração de investimentos. O mundo todo está olhando para isso. Como a Apex também atua com a atração de investimentos e o setor de energias renováveis é um dos nossos setores prioritários para a atração de investimentos nós percebemos que há um mercado fortíssimo para a atração de capital estrangeiro e desenvolvimento dessa cadeia de geração e distribuição de hidrogênio verde no Brasil. Ainda temos um campo enorme de exploração para desenvolver vários projetos, como o hidrogênio offshore.

Que mercados e países estão na mira da Apex?

Cada mercado tem uma função no nosso tabuleiro. Grandes mercados e tradicionais como Estados Unidos, União Europeia e China têm um papel importantíssimo de garantir o nosso fluxo comercial. Garantem o grosso das exportações, assim como os demais países da América Latina, para onde vendemos muito. Entre os mercados que estão se abrindo e a Apex olha com muito carinho um deles é a Nigéria.

Nigéria? Vamos vender o que para eles?

Tudo! A África precisa de absolutamente tudo. O que acontece, as projeções apontam que até 2030 a Nigéria terá o maior crescimento populacional do mundo. Com um PIB percapita interessante porque é um país produtor de petróleo. E ao mesmo tempo é um país que precisa de muita coisa. É um mercado que vai crescer muito rápido, com bom poder de consumo e com uma necessidade muito similar ao que o Brasil tem para oferecer. É um mercado que a Apex observa com muita atenção e carinho porque a Nigéria tem tudo para ser um próximo parceiro comercial importante para o Brasil.

A Nigéria será a porta de reentrada do Brasil na África?

A África é desafiadora de qualquer ponto de vista. Qualquer país africano é bastante desafiador em função da regulação, que é diferente da nossa. Ainda há países com institucionalidade em amadurecimento e se solidificando. Logo, o exportador brasileiro, em alguns casos, tem receio e não sabe se receberá os pagamentos quando vender os produtos ou serviços. Com isso, estamos fazendo o nosso dever de casa de retomar o sistema de financiamento as exportações. O nosso grande desafio com relação a África está dentro do Brasil. Precisamos fazer esse sistema voltar a funcionar. O governo Lula já fez um excelente trabalho de revitalizar o sistema que foi desidratado pelo governo Bolsonaro. Agora estamos recompondo todos os fundos para que essas garantias possam ser dadas para um volume maior de empresários e exportações.

O Brasil também tem um desafio interno do agronegócio de produzir no mesmo espaço ou recuperar áreas hoje degradadas?

Sim, mas o interessante, nesse caso, é que neste governo estamos dispostos a encarar esses desafios. Não estamos simplesmente escondendo a cabeça e negando que há algo acontecendo. As medidas estão sendo tomadas. A questão do aumento da produtividade sem aumentar a área de agricultável é um mantra do presidente Lula, do ministro Fávaro, da ministra Marina Silva, o presidente Jorge Vianna. Se não for assim nós não venderemos para os nossos principais mercados. E isso está sendo encarado com muito seriedade. Realmente, a coisa precisa andar da melhor maneira possível. Há um papel importante da Embrapa nesse sentido.

A entrada do Brasil na Rota da Seda faz sentido diante do contexto geopolítico conturbado entre China e Estados Unidos?

É muito interessante a posição do Brasil em relação a China e aos Estados Unidos. A nossa posição é de neutralidade, historicamente. E de entender que os interesses comerciais que nos favorecem estão acima de qualquer disputa política entre um país ou outro, quaisquer que sejam. Para nós não faz muito sentido e os números da balança comercial com cada um desses países mostram aumento da corrente de comércio.

Mas qual é o valor em entrar na Rota da Seda?

O Brasil fazer parte da Rota da Seda é quase que uma figura de linguagem. Seria se tornar um sócio, digamos assim. Para nós interessa porque é uma rota logística superimportante para a chegada na China como em diversos países da Eusaria. Realmente é um trajeto importante para nós com um parceiro comercial importantíssimo. Faz sentido. Mas, de novo, não significa que ao aderir a Rota da Seda o Brasil vai abrir mão de outros parceiros comerciais. Se aderir a Rota da Seda significar abrir mão de outras parcerias comerciais não fará sentido para o Brasil. O Brasil é o país com múltiplos parceiros comerciais.

Reduzir a importação de fertilizantes para reduzir a dependência da Rússia é uma estratégia do governo?

Sim. Na verdade, entra na nossa atividade de atração de investimentos. Esse é um dos nossos setores prioritários para a atração de investimento estrangeiro para que nós consigamos encontrar no Brasil ou aqui na América do Sul essas rotas de extração e distribuição dos minerais necessários para a produção de fertilizantes. A questão toda os fertilizantes são os minerais. A tecnologia para produzir, eu não tenho dúvida que nós temos. Mas precisamos extrair esses minerais de forma competitiva quer seja em território brasileiro ou na região.

Onde estão esses minerais na América do Sul?

No Brasil, no Chile e na Argentina encontramos potássio e fósforo. Na Bolívia também é um fornecedor importantíssimo até pela questão do gás natural que também é insumo vital para a produção de fertilizantes. Você já deve ter ouvido falar no círculo do fogo dos minerais. O cone sul do Brasil com Argentina, Bolívia, Paraguai e Chile. Somos uma região rica nesses minerais e tecnologia em mineração não é um problema para o Brasil.

Mas na Argentina há um agronegócio que também quer esses fertilizantes.

Depois que começou o conflito entre Rússia e Ucrânia o mundo inteiro iniciou essa busca por fertilizantes. A nova busca pelo petróleo são os minerais para fertilizantes.

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