BRAZIL - 2021/02/08: In this photo illustration the Banco Nacional de Desenvolvimento Economico e Social (BNDES) logo seen displayed on a smartphone screen. (Photo Illustration by Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket via Getty Images) (Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 27 de fevereiro de 2023 às 07h12.
A nova gestão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem como uma das prioridades trabalhar pela “reindustrialização” da economia nacional, como já colocou o presidente da instituição de fomento, Aloizio Mercadante, mas a estratégia não passará, como no passado, por oferecer crédito a juros menores em larga escala. É o que garante José Luís Gordon, escalado na equipe de Mercadante como diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior.
Economista especializado em políticas de fomento à inovação, Gordon diz que o foco do apoio à “reindustrialização” será a modernização tecnológica e os negócios nascentes. O objetivo é dobrar o apoio do BNDES à inovação, do atual 1% da carteira de crédito, cerca de R$ 4,6 bilhões, para 2%. De acordo com o diretor do BNDES, a carteira de crédito do banco já chegou a ter 5,5% destinados para inovação empresarial.
“O BNDES saiu da agenda de inovação”, afirmou Gordon. “Como é que eu vou ter uma indústria competitiva internacionalmente? Não dá para ficar com o País fechado. Então temos que abrir o País, mas tem que ter um País competitivo. Como é que eu vou competir se eu não tenho capacidade inovativa nas indústrias brasileiras? Como um banco de desenvolvimento não apoia a inovação?”, completou o diretor.
O apoio à inovação buscará parcerias e lançará mão de fontes de recursos não reembolsáveis ou com juros diferenciados para dar forma a linhas específicas. Essas fontes têm recursos limitados e, portanto, as condições mais vantajosas não serão oferecidas em todas as linhas do BNDES.
A primeira ação, segundo Gordon, será colocar em prática uma linha de financiamento, com recursos não reembolsáveis, para a instalação de equipamentos para conectar escolas públicas à internet. A política está sendo desenhada pela Casa Civil. Os recursos virão do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), formado com contribuições obrigatórias das empresas do setor.
Como os recursos são não reembolsáveis, não se trata de empréstimos. Os valores serão repassados a governos, municipais e estaduais, que cuidam das redes de ensino, mas a indústria poderá se beneficiar da demanda por equipamentos. A previsão é que a linha tenha cerca de R$ 1 bilhão em quatro anos, incluindo R$ 150 milhões previstos já para este ano.
O passo seguinte, conforme Gordon, será desenvolver duas novas linhas de financiamento, capazes de combinar diferentes instrumentos de apoio, incluindo recursos não reembolsáveis.
Uma das linhas será focada em parques tecnológicos, sediados em universidades ou institutos de pesquisa e ensino, com empresas âncora e firmas inovadoras nascentes, as chamadas startups. A outra será focada no apoio direto a essas startups, com uma visão de todo o ciclo de crescimento das empresas, oferecendo os instrumentos financeiros mais adequados para cada fase, como investimento em participação acionária, via fundos ou diretamente, emissão de títulos de dívida e empréstimos tradicionais.
Segundo Gordon, há a intenção de atrair, para essas duas novas linhas, outras instituições especializadas no apoio à inovação, inclusive que operem recursos, como o Senai, o Sebrae, a Embrapii e a Finep, a agência de fomento à inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que aplica a principal fonte de recursos públicos para esse apoio, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
A ideia é lançar mão dessas fontes de recursos, algumas não reembolsáveis, para compor o orçamento das linhas de financiamento, o que permitiria oferecer condições mais vantajosas, inclusive de crédito. No caso da linha para as startups, por exemplo, recursos não reembolsáveis de subvenção à inovação da Finep poderiam ser usados nas primeiras fases de desenvolvimento tecnológico, de maior risco, enquanto a participação acionária e, posteriormente, o crédito, entrariam em fases mais avançados, quando a viabilidade econômica de um produto inovador já estivesse comprovada. Outras fontes com condições especiais ou não reembolsáveis operadas pelo próprio BNDES, como o Fundo Clima, poderiam entrar na conta.
Gordon não mencionou valores para as duas linhas, ainda em discussão, mas eles tendem a ser pequenos na comparação com o crédito total do BNDES para a indústria, que, apesar de bilionário, vem diminuindo nos últimos anos, na esteira da retração geral do BNDES, iniciada em 2016, pelo governo Michel Temer (MDB). Em 2021, o banco liberou R$ 10,4 bilhões para o setor, 16,2% do total. No auge dos desembolsos do banco, em 2010 empresas industriais receberam R$ 163,8 bilhões em financiamentos, em valores corrigidos, ou 46,8% do total.
Alguma recuperação mais geral do crédito do BNDES para a indústria seria impulsionada por ajustes na TLP, taxa de juros que baliza os financiamentos da instituição de fomento. No último dia 15, Mercadante sinalizou que os planos de ajuste visam tornar a TLP menos volátil e a aproximá-la do juro médio da dívida pública. Para Gordon, mesmo que os ajustes se restrinjam a isso, já bastarão para atrair maior demanda da indústria pelas linhas do banco.
Conforme especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, a atuação do BNDES com crédito mais barato deve ser estratégica e não voltada para todo o setor industrial. Entre as críticas à expansão do BNDES nos governos anteriores do PT está o fato de que os custos fiscais de oferecer crédito a juros menores pelo banco de fomento são elevados. Ao mesmo tempo, cria uma proteção para as empresas que conseguem esses empréstimos - ainda que sejam muitas, não são todas -, o que cria distorções e atrapalha a política monetária.
Além disso, a expansão do BNDES entre meados dos anos 2000 e meados dos anos 2010 não interrompeu a tendência de desidratação da indústria no Brasil. Ao longo de toda a década de 1970, a indústria da transformação respondeu por entre 20% e 21% da economia nacional. A partir de 1980, essa participação na economia começou a cair. Em 2021, ficou em 11,9%, conforme dados compilados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Ainda que a perda quantitativa de peso na economia seja um movimento estrutural do processo de desenvolvimento, uma tendência global, que passa pelo aumento do peso do setor de serviços, no caso do Brasil, houve também perda de qualidade, na avaliação de Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi. Segundo o especialista, os ramos de alta intensidade tecnológica foram os que mais perderam espaço.
“A indústria é muito mais do que simplesmente só a indústria. A economia está migrando para serviços, mas quais os serviços queremos na economia? Os serviços da economia alemã são de alta complexidade tecnológica. Quem puxa esse serviço de alta complexidade tecnológica é a indústria. Se temos uma indústria fraca, incapaz de demandar, não conseguimos ter o serviço de alta competitividade, que gera os bons empregos, melhor remunerados”, disse Gordon, do BNDES.
Frequentemente, economistas citam uma série de fatores para explicar a desidratação da indústria nacional, para além das tendências globais de aumento do peso dos serviços. São eles inflação e juros elevados, câmbio desfavorável - quando a cotação do dólar fica baixa demais perante o real, dificulta as exportações e favorece as importações de produtos fabricados no exterior -, desequilíbrios nas contas do governo - que contribuem para inflação e juros elevados -, incertezas políticas, gargalos de infraestrutura, o complexo sistema tributário, a falta de mão de obra qualificada, o elevado custo da energia e a forma como foi feita a abertura comercial nos anos 1990.
A Federação das Indústria do Rio (Firjan), tradicionalmente, defende ações transversais, que afetem a todas as empresas industriais. A política de oferecer juros mais baixos no crédito do BNDES afetaria apenas um dos diversos problemas da indústria e, mesmo assim, não atingiria a toda as empresas. Para o gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, no quadro atual, facilitar um pouco o crédito para pequenas e médias empresas teria um efeito relativamente pequeno na economia.
Por isso, mais eficaz seria avançar em reformas que melhorassem o “equilíbrio macroeconômico” no longo prazo. “Batemos muito na tecla da reforma tributária, porque sabemos da importância dela para o equilíbrio de longo prazo da economia”, afirmou Goulart.
Em documento com 62 propostas para elevar a produtividade, lançado ano passado, a Firjan destaca o reforço da atuação via fundos de garantia como principal papel do BNDES no momento. A referência é o Peac, principal ação do banco de fomento para mitigar a crise econômica causada pela covid-19, em 2020. Com um aporte de R$ 20 bilhões do Tesouro Nacional, o programa temporário avalizou em torno de R$ 92 bilhões em empréstimos concedidos por bancos comerciais. Embora esse tipo de instrumento não ofereça como resultado principal juros mais baixos, facilita o acesso ao crédito para empresas que, normalmente, têm seus pedidos negados.
Segundo Gordon, a repetição desse tipo de medida está no radar da nova diretoria do BNDES, mas a iniciativa ficará a cargo do conjunto de ações para as pequenas e médias empresas. No caso da indústria, as linhas estratégicas em gestação poderiam lançar mão de fundos garantidores direcionados para ampliar o leque de instrumentos oferecidos.
Cagnin, do Iedi, também defende uma atuação estratégica do BNDES em vez de voltar a oferecer juros mais baixos para toda a indústria. Um dos destaques deveria ser uma linha de crédito focada, especificamente, na modernização de maquinário. “É para trocar o maquinário, mas por qual maquinário? Um maquinário mais próximo da fronteira tecnológica. Não é para comprar uma máquina nova num padrão tecnológico obsoleto. Isso é um processo transversal de modernização produtiva”, disse Cagnin.
O financiamento à compra de bens de capital, tanto máquinas e equipamentos quanto veículos, é um dos principais instrumentos oferecidos pelo BNDES à indústria. A Finame, linha de crédito específica para bens de capital, é quase toda operada de forma indireta - o BNDES repassa os recursos para a rede de bancos comerciais credenciados, que firmam os empréstimos com os clientes finais. Além disso, segue regras de conteúdo local - apenas o maquinário produzido no País, com um porcentual mínimo de insumos nacionais, é credenciado para ser comprado com empréstimos da Finame.
O desenho das políticas industriais do Brasil é um alvo frequente da crítica de especialistas. Um livro sobre políticas públicas que deram errado - lançado no ano passado pelo economista Marcos Mendes, professor do Insper que integrou a equipe econômica do governo Temer - tem no apoio à indústria um de seus protagonistas. O conteúdo local e a proteção comercial são marcas históricas das políticas industrias, mas, para João Fernando Oliveira, professor de engenharia da USP e presidente do Conselho de Administração da Embrapii, novas tentativas deveriam partir de uma “análise” nas “cadeias de valor” da indústria.
Historicamente, diz Oliveira, as políticas de proteção tendem a beneficiar a “base” das cadeias, a produção de insumos, geralmente, concentrada em poucas e grandes companhias - como as indústrias de aço ou de máquinas e equipamentos - que são influentes politicamente e pressionam os governos. São atividades intensivas em capital, mas que não geram tantos empregos industriais. A maior parte dos empregos - e dos produtos - está nos elos posteriores das cadeias de valor, que usam os insumos produzidos pela base.
Só que, em parte por causa da proteção na base, os insumos produzidos no Brasil acabam ficando mais caros, e podem ser de pior qualidade, do que os importados, o que acaba por tirar competitividade e apertar as margens das indústrias nos elos posteriores das cadeias. Para Oliveira, as políticas industriais seriam mais eficazes se focassem em garantir as melhores matérias-primas e o melhor maquinário pelo menor custo possível para todos os demais elos das cadeias de valor.
“Se o governo estiver preocupado em desenvolver uma política para ‘reindustrializar’ o Brasil, e isso é muito importante, ele tem que lembrar de fazer uma análise, em algumas cadeias de valor, sobre qual é o custo e o preço de venda ao longo da cadeia”, afirmou Oliveira, completando que, em praticamente todos os casos, as indústrias do fim da cadeia, com maior valor agregado, têm margens apertadas e não conseguem competir.
Eventual apoio para a modernização de maquinário que implicasse a aquisição de importados teria que passar por mudanças nas regras de conteúdo local do BNDES, mas, de acordo com Gordon, isso não está nos planos da nova diretoria. Exceções condicionadas poderiam ser adotadas apenas em linhas para segmentos nascentes, como foi feito na indústria de energia eólica, exemplo sempre citado como bem-sucedido.
Quando os primeiros parques eólicos foram selecionados em leilões da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no início dos anos 2000, o BNDES tinha uma linha de crédito com juros muito baixos para viabilizar os projetos. Como turbinas e pás das torres de geração eram todas importadas, o banco flexibilizou as exigências de conteúdo local, mas conforme um cronograma, em que os mínimos exigidos iam subindo ao longo do tempo, incentivando a instalação de fábricas de pás e montagem de motores no País.
Se uma estratégia semelhante for adotada, será em linhas específicas para segmentos industriais nascentes, diz Gordon. Segundo o diretor do BNDES, esse será o passo seguinte, no planejamento da nova gestão do banco, após lançar linhas de financiamento para parques tecnológicos e para startups. Algumas atividades são candidatas óbvias, como a geração de energia eólica offshore e a fabricação de hidrogênio verde, que poderia se beneficiar da eletricidade renovável gerada pelos próprios parques eólicos em alto mar para produzir o combustível, frequentemente apontado como a melhor alternativa para na transição para uma economia de baixo carbono.