Economia

Bets foram barradas por falta de documentos e de idoneidade, diz secretário de Apostas

Em entrevista exclusiva à EXAME, Regis Dudena, secretário de Prêmios e Apostas, não dá prazo para que todas as casas de apostas sem autorização estejam fora do ar e diz que é necessário um esforço com as instituições financeiras para estrangular os ilegais

Regis Dudena: secretário vê um esforço conjunto com o Banco Central para combater os ilegais (Washington Costa/MF/Flickr)

Regis Dudena: secretário vê um esforço conjunto com o Banco Central para combater os ilegais (Washington Costa/MF/Flickr)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 3 de janeiro de 2025 às 10h03.

Das mais de 100 empresas que estavam liberadas para operar no fim de 2024, apenas 66 receberam autorização para atuar no mercado regulado de apostas do Brasil. Segundo Regis Dudena, secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, muitas bets ficaram de fora por não apresentarem a documentação exigida ou por levantarem dúvidas sobre sua idoneidade.

"Algumas dessas empresas não tiveram aprovação porque seus pedidos de autorização eram deficientes. Por exemplo, dos 100 documentos requeridos, algumas apresentaram apenas 20", diz em entrevista exclusiva à EXAME.

Prestes a completar um ano no cargo, o secretário foi enfático ao dizer que o governo não é obrigado a conceder autorização de funcionamento para nenhuma empresa e que a gestão faz uma avaliação cautelosa.

"Se tivermos elementos suficientes para, por exemplo, ter dúvidas legítimas em relação à conduta dessa empresa, à idoneidade dessa empresa ou ao comportamento ilegal dessa empresa, nós podemos não dar essa autorização com base nesse dispositivo da lei", afirma.

Sobre os desafios para o primeiro ano de regulamentação, Dudena não dá prazo para que todas as casas de apostas sem autorização estejam fora do ar e diz que é necessário um esforço conjunto com as instituições financeiras e o Banco Central para estrangular os ilegais.

"A derrubada de domínios vai ser necessária, mas vai ter que ser complementada. Não é só com isso que a gente vai conseguir impedir que empresas ilegais atuem no Brasil", diz. "Estamos tentando identificar uma forma de barrar a realização de pix para remessa de dinheiro ao exterior", afirma o secretário.

Em relação à arrecadação prevista com a tributação das apostas e às medidas de aperto da regulação para responder ao aumento das apostas entre os mais pobres, o secretário da Fazenda afirma que é preciso aguardar os dados do setor para entender qual é o tamanho e para onde vão as apostas no Brasil.

"Imagino que, após o primeiro ano, teremos dados suficientes para avaliar o impacto das medidas e, se necessário, promover alterações. Estamos atentos para corrigir restrições que não forem eficazes ou reforçar regras em áreas que precisem de maior controle", diz.

Veja a entrevista completa com Regis Dudena, secretário de Prêmios e Apostas do ministério da Fazenda:

O que mudou na prática com o mercado regulado a partir de 1º de janeiro de 2025?

Começou de fato o que chamamos de “mercado regulado”. Na prática, a maior mudança é que para atuar nacionalmente, a empresa precisa estar autorizada pelo Ministério da Fazenda . Isso garante que as empresas que prestam o serviço sejam brasileiras, mesmo que seus sócios sejam estrangeiros. Elas precisam estar sediadas no Brasil, com dirigentes conhecidos e usando instituições financeiras reguladas pelo Banco Central. Outro ponto importante são as regras criadas em 2024. Regulamos temas como: o sistema que as empresas devem usar; quais jogos podem ser ofertados; como deve ser estruturada a operação financeira; regras de combate à lavagem de dinheiro; e regras para proteção dos apostadores, especialmente ligadas à saúde mental e financeira. A partir de agora, sabemos quem presta o serviço e como ele é ofertado. Temos também uma portaria de monitoramento e fiscalização, além de outra de processos sancionadores, caso ocorram infrações.

Quais são as sanções para quem desrespeitar as regras?

Elas começam com advertência e, no limite, chegam à cassação, ou seja, perder a autorização. Nem é só suspensão: elas podem efetivamente perder a autorização. Obviamente, tem que haver proporcionalidade entre a conduta e a pena. Se a empresa fez algo ruim a ponto de levar à cassação, ela vai perder a autorização e ficará proibida de atuar no Brasil. Se for algo superficial, na primeira vez, ela toma uma advertência. Mas, se for reiterada, mesmo que sejam pequenas condutas desviantes, isso pode escalonar e levar à cassação. A multa também é outro ponto importante. As multas podem chegar a até R$ 2 bilhões .

Como será tratada a questão das loterias estaduais e o caso da Loterj?

Saiu uma decisão do ministro André Mendonça dizendo expressamente que a Loterj está proibida de prestar serviços fora do estado do Rio de Janeiro. Isso encerra a discussão sobre a possibilidade de uma loteria estadual operar nacionalmente com base em uma autorização local. A interpretação do texto da lei e da Constituição brasileira, que sempre nos pareceu muito clara, foi confirmada pelo Supremo. O que o STF decidiu é que existe uma lei federal e um órgão regulador nacional, que é a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Só esse órgão pode conceder autorizações para operações nacionais. Essa decisão do STF reforça que as loterias estaduais podem atuar apenas dentro dos limites do seu estado.

E o caso de publicidade de empresas que só têm autorização estadual?

A lei deixa claro que a publicidade de loterias estaduais é restrita ao território estadual. Se uma empresa quer patrocinar um clube que atua em âmbito nacional, precisa da autorização do Governo Federal. Essa decisão traz estabilidade jurídica para o setor. Claro, ainda pode haver discussões no plenário do STF, mas esse posicionamento inicial nos dá uma base muito sólida para garantir que as regras sejam cumpridas e que todos atuem legalmente dentro do espaço permitido.

Das mais de 100 empresas que estavam liberadas para atuar no fim de 2024, apenas 66 foram autorizadas de fato. Como ficam essas quase 30 empresas que não tiveram a autorização?

Para uma empresa operar até 31 de dezembro do ano passado, no período de adequação, ela necessariamente precisava ter pedido a autorização até a publicação da portaria de adequação, em 17 de setembro. Ou seja, aquelas que pediram até 20 de agosto deveriam ter uma resposta ainda em 2024. Já as que pediram até 17 de setembro poderiam operar em adequação até o final do ano. O que é importante agora é que, a partir de 1º de janeiro de 2025, apenas empresas com autorização podem atuar nacionalmente . Isso é definitivo. Se uma empresa pediu autorização e teve o pedido negado ou continua em análise, ela não pode atuar. Sem autorização formalmente concedida, em caráter definitivo ou provisório, a empresa está proibida de operar. E, se for identificada atuando, terá o site derrubado.

A Secretaria vai levar em consideração se uma casa de aposta estiver aguardando o pedido de autorização e funcionar ilegalmente?

Se uma empresa estiver funcionando ilegalmente, ou seja, sem autorização, e estiver nesse processo de aprovação, ela está ilegal. Isso vai ser levado em consideração. Aqui é importante, algo que não é claro para todo mundo: a lei determina que o ato de dar a autorização é um ato discricionário do Ministério da Fazenda, levando em conta o interesse público .

O que isso significa?

Significa que nós não somos obrigados a dar autorização para ninguém . Se tivermos elementos suficientes para, por exemplo, ter dúvidas legítimas em relação à conduta dessa empresa, à idoneidade dessa empresa ou ao comportamento ilegal dessa empresa, podemos não dar essa autorização com base nesse dispositivo da lei. É importante até para as empresas que estão sendo avaliadas terem clareza disso: se a empresa está sem autorização e insiste em prestar o serviço, isso vai ser levado em consideração. E isso pode, possivelmente, resultar em ela não conseguir essa autorização por conta desse comportamento.

Quais foram os principais motivos que levaram algumas empresas a não conseguirem autorização?

Algumas dessas empresas não tiveram aprovação porque seus pedidos de autorização eram deficientes. Por exemplo, dos 100 documentos requeridos, algumas apresentaram apenas 20. Quando notificadas para complementar, não trouxeram os documentos necessários, então os processos foram arquivados. Além disso, tivemos um grupo menor de empresas com problemas de idoneidade. Essas informações chegaram de áreas de monitoramento e fiscalização ou de parceiros como a Polícia Federal e a Receita Federal. O que fazemos não é um pré-julgamento, mas uma avaliação cautelosa: se há dúvidas legítimas, preferimos não conceder a autorização. Por fim, há um grupo em análise porque fizeram alterações relevantes, como mudança de sócios ou até de CNPJ e nome. Quando isso ocorre, o processo é aditado e, na prática, volta para o fim da fila. Essas empresas ainda precisam esperar a conclusão do processo para poder atuar.

Como a secretaria lida com os sites ilegais que tiveram seus domínios derrubados, mas que podem voltar ao ar? O governo acredita que o mecanismo que criaram no final do ano passado será suficiente para impedir que essas casas não autorizadas continuem operando?

Eu diria que a derrubada de domínios vai ser necessária, mas ela vai ter que ser complementada. Não é só com isso que a gente vai conseguir impedir que empresas ilegais atuem no Brasil. Aqui existe uma primeira coisa que é: a existência de empresas autorizadas e legais tende a levar os apostadores para que apostem nessas empresas. Se eu tenho uma dúvida se a empresa é séria ou não, e eu sei que uma delas é autorizada pelo Ministério da Fazenda, a tendência, na média, é que os apostadores prefiram aquelas que são autorizadas. Então, esse é o primeiro passo. A existência de um mercado legalizado é um bom começo para a gente saber como lidar e para os apostadores saberem onde apostar com mais segurança.

E qual o outro passo?

Vamos continuar esse rastreamento e vai continuar a derrubada desses sites. Você tem razão quando fala que existe a possibilidade de elas reaparecerem com outro domínio. Mas isso passa a ser custoso para elas, porque eventualmente perdem a carteira de clientes e a capacidade de fazer a sua marca prevalecer no mercado. Normalmente, essas empresas que ficam trocando de domínio são mais fraudulentas do que as que querem se estabelecer no mercado.

E o papel do sistema financeiro?

No artigo 21 da Lei 14.790, tem um dispositivo bastante importante que proíbe instituições financeiras e instituições de pagamento de terem relação com casas de apostas não autorizadas. Estamos trabalhando junto com o Banco Central em mecanismos para fazer com que os prestadores de serviços financeiros, as IFs (instituições financeiras) e as IPs (instituições de pagamento), deixem de prestar serviços para essas empresas de apostas que não tenham a autorização.

Existe previsão de bloquear transações?

Estamos tentando identificar uma forma de barrar a realização de Pix para remessa de dinheiro ao exterior. Basicamente, como funciona hoje: você tem empresas que atuavam até o ano passado no Brasil, tanto as sérias quanto as menos sérias. Elas usavam intermediários, que abriam contas em instituições financeiras ou de pagamento e centralizavam os recursos das apostas. Esses intermediários remetiam o dinheiro para um banco de câmbio, que então enviava os recursos para o estrangeiro, onde estava a empresa operadora. Quando a gente identificar esse fluxo, será possível bloquear essa saída de recursos. A ideia aqui é ter um conjunto de elementos. A derrubada de domínios é relevante, é importante, mas não é suficiente sozinha. Ela precisa de outros mecanismos complementares.

Com as portarias e a lista de empresas autorizadas divulgadas, a Fazenda tem uma previsão de quando os sites irregulares deixarão de funcionar? 

Eu gostaria de poder dizer que em duas semanas a gente não terá nenhum site não autorizado funcionando, mas sabemos que será um desafio constante. Devem surgir novas empresas, e vamos precisar atuar com monitoramento e fiscalização o tempo inteiro. O Banco Central também precisa atuar na área deles. A tendência é que, com o tempo, os incentivos econômicos para operar ilegalmente no país diminuam cada vez mais.

Como compara o mercado ilegal de apostas com outros que funcionam no Brasil?

É importante entender que o mercado legalizado cria uma concorrência direta com as empresas ilegais. Há uma diferença em relação a outros tipos de mercado ilegal, como streaming ou TV a cabo, em que o produto oferecido pelas empresas ilegais é o mesmo, só que mais barato. No caso das apostas, o incentivo econômico para apostar em uma empresa ilegal não é tão evidente. Quando o apostador aposta em uma casa de apostas autorizada, ele tem muito mais garantias de que seus direitos serão preservados, que sua saúde mental e financeira serão protegidas e, principalmente, que receberá o prêmio caso ganhe.

Já com empresas ilegais, o apostador expõe suas finanças, sua saúde mental e não tem garantia de que receberá o prêmio. Então, o que acreditamos é que, com o tempo, operar ilegalmente será cada vez menos viável, tanto pela atuação do regulador quanto pelo mercado se ajustando. Mas sabemos que será uma tarefa de acompanhamento contínuo.

Há uma previsão de arrecadação para 2025?

Ainda não temos uma previsão exata, porque não sabemos o volume total de recursos que o mercado movimentará. Agora que começamos a receber os dados financeiros das empresas, teremos condições de estimar melhor a arrecadação anual. Ainda temos um número alto de empresas com pedidos de autorização pendentes. Algumas delas devem ser autorizadas no início deste ano, o que pode gerar novas outorgas. Há um fluxo contínuo de pedidos, então a arrecadação também continuará ocorrendo ao longo do tempo.

Com a discussão sobre o aumento das apostas entre os mais pobres, setores da sociedade e parlamentares afirmam que a regulamentação precisa ser revista. Como a secretaria vê essa questão?

Sempre tivemos clareza de que regulação é algo que precisa ser acompanhado. Não é algo estanque, criado uma vez e que não pode ser modificado. O que pretendemos fazer agora é observar como o mercado vai reagir às regras que implementamos e avaliar se elas estão funcionando como planejado. Tomamos decisões com base em motivos claros e ferramentas específicas para mitigar problemas identificados no setor. Estamos confiantes de que acertamos na média, mas sabemos que, eventualmente, podem surgir situações que exigirão ajustes.

O legislativo apontou que a proibição das apostas pode ser uma solução. Qual é a posição da secretaria sobre isso?

Não é papel da secretaria dizer que o legislador não pode ou não deve tratar do assunto. O que podemos fazer como reguladores é estudar, acompanhar e, se necessário, apontar tecnicamente o que funciona ou não. Sobre a proibição total das apostas, a nossa leitura é de que uma proibição absoluta simplesmente jogaria a demanda para o mercado ilegal . Já vimos isso acontecer em outros lugares, e temos um histórico de que não dá certo.

O senhor acredita que teremos dados suficientes neste ano para entender o setor?

Imagino que, após o primeiro ano, teremos dados suficientes para avaliar o impacto das medidas e, se necessário, promover alterações. Estamos atentos para corrigir restrições que não forem eficazes ou reforçar regras em áreas que precisem de maior controle. A regulação precisa ser dinâmica, acompanhando o mercado e respondendo às suas necessidades de forma técnica e eficiente. Isso só será possível com paciência e o uso de dados concretos para embasar qualquer decisão futura.

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