Luiz Gonzaga Belluzzo: O desafio para 2015 é esse mesmo que todo mundo fala: é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo. (Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 20 de abril de 2014 às 10h43.
São Paulo - Mesmo sendo um economista "menos crítico ao governo", como ele mesmo diz, Luiz Gonzaga Belluzzo acredita que é importante realinhar a rota do governo: "é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo e elevar a meta de superávit primário", diz. Na sua avaliação, outra tarefa prioritária é se dedicar à solução de problemas estruturais, como a indexação, que faz a inflação persistir, e o baixo crescimento. Entre as estratégias que defende está o fortalecimento da Petrobrás, que pode contribuir com a reindustrialização, e a permanência da política de campeões nacionais. "Você não pode entrar na competição global com uma carroça e concorrer com os caras que estão em carros de Fórmula 1", disse na entrevista que segue.
Como o sr. está vendo a economia?
Eu vejo a economia brasileira eivada de contradições e, às vezes de aporias - contradições que não se resolvem. O Brasil tem dificuldade para lidar com o regime de metas e colocar a inflação na meta. Mas se você olhar ao longo do tempo, fica muito claro que, desde a estabilização, a inflação está, na média, em 5,7%. Recentemente, isso chamou a atenção de um economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) chamado Shaun Roache. Ele usou uma análise econométrica muito sofisticada para identificar essa persistência. A conclusão: não há certeza se essa situação se deve ao fato de a indexação ainda sobreviver na economia ou se o problema decorre da reação do Banco Central, que, na expectativa dos agentes, é inadequada. A segunda questão é o crescimento. Outra vez: a partir dos anos 80, sofreu uma crise bastante importante que teve efeitos de longo prazo e estruturais. O governo Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) teve a seu favor uma melhora sensível das condições internacionais por conta da China. Vários aspectos dessa recuperação tem relação com a condução da política anti-inflacionária. Não é impossível recuperar - ou pelo menos buscar alguns nichos industriais - sem uma política cambial compatível com essa reindustrialização. O que estamos vendo agora? O Banco Central fazendo um esforço enorme para impedir que a inflação avance. Para isso, está admitindo uma certa valorização do câmbio. Ao mesmo tempo, ocorreu algo muito delicado de se tratar: uma crise de confiança, que teve impacto sobre a decisão de investimento. Lá na China, o Estado tem autonomia para tomar decisões. Mas aqui, o Estado precisa fazer o jogo de convencimento para virar as expectativas do mercado ao seu favor. Não adianta subir na parede contra isso porque sempre foi assim. O desafio para 2015 é esse mesmo que todo mundo fala: é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo.
Os críticos dizem que o governo Dilma fez uma aposta errada em mais consumo e que isso levou a mais inflação e pouco crescimento...
Acho essa análise um tanto simplista. Eu não sou tão crítico do governo assim, mas eu falei isso antes de muita gente. Falei porque, a despeito das minhas relações afetivas com pessoas do governo, eu não vou me comportar como se fosse um porta-voz. É correto o que está sendo dito. O governo deveria ter preparado os programas de investimento em infraestrutura. Demorou muito. Além disso, houve um descompasso também em relação à Petrobrás, que tem um peso importante no aumento do investimento. Eu também fiquei preocupado ao ver a ideia de que era preciso tabelar a taxa interna de torno da economia. Eu falei, várias vezes que isso não dava. O Guido (Guido Mantega, ministro da Fazenda) chegou a ficar chateado comigo, mas depois admitiu que eu tinha razão. A demora foi corrigida e as coisas começaram a andar. A Petrobrás também começa a se recuperar. Temos que olhar para a frente. Apesar de tudo, o Brasil tem um horizonte de investimento - coisa que não ocorre em muitos países. Do ponto de vista do longo prazo, é preciso explorar nichos para a reindustrialização. O que a Petrobrás demanda, por exemplo, de equipamentos e serviços são coisas muitas sofisticadas. Não estamos vendo, mas muitas empresas estão fazendo joint ventures (parcerias) para atuar no setor de petróleo e gás e também no de infraestrutura. Se você me perguntar o que vejo quando olho para a frente, vou dizer que o Brasil tem horizonte favorável. Diferentemente de outras pessoas, não creio que a China vá desacelerar. A demanda por commodities agrícolas e minerais vai se manter. Só acho que o pacote de 2015 não vai ser fácil de desembrulhar - você vai encontrar coisas boas e coisas ruins.
Na hora que o pacote for desembrulhado, há uma prioridade?
A política econômica vai ter de caminhar em um corredor muito estreito. Seria muito ruim se tivéssemos uma perda do controle da inflação. Muito rapidamente o vício da indexação pode ser retomado porque ainda não conseguimos debelá-lo. O Brasil tem problema para administrar a inflação quando boa parte do mundo ruma para a deflação. Isso obriga o governo a ser muito cauteloso, principalmente com o ajuste do câmbio. Hoje, muitos componentes são importados. Se você mexe no câmbio, o efeito sobre os preços e sobre a inflação é instantâneo. Na veia. O Banco Central está entendendo isso. E não adianta fazer protecionismo à antiga. Aliás, um comentário: lendo o artigo de um rapaz em O Globo, que falava dos pudores desenvolvimentistas da Unicamp, eu perguntei para o João Manual (economista João Manuel Cardoso de Mello, sócio da Facamp): João, nós somos desenvolvimentistas? Essa é uma palavra vaga. Nós tentamos entender como funciona o capitalismo brasileiro em suas várias etapas e momentos. Não somos desenvolvimentistas. Somos outra coisa. Para vocês saberem: o desenvolvimentismo é algo muito datado. Vem dos anos 30 e vai até os anos 70. Os militares deram sequência nos anos do milagre.
Críticos do governo dizem que boa parte da inflação veio da alta dos gastos públicos e da queda forçada dos juros...
Eu não imagino que estejam falando, neste momento, que a inflação surge porque o gasto público produz excesso de demanda. Acho que tem relação com as dívidas. Pela necessidade de o governo produzir um superávit primário que garanta a estabilização da dívida - e da dívida bruta, porque a líquida, francamente, está muito baixa. Para mim, seria mais razoável se o governo fizesse um esforço fiscal maior. Colocaria menos peso sobre a política monetária. A despeito de toda a oposição de economistas que pensam como eu e têm certa resistência em aceitar isso, acho que é um sacrifício necessário. É crucial para o governo dar esse sinal para o mercado - vai ganhar pontos e ter mais espaços para fazer um política menos apertado. A pior solução seria manter a taxa de juros nas nuvens e elevar o câmbio para combater a inflação.
Qual o superávit necessário?
Acho que caminhar para 3% seria mais confortável.
Mas ainda há inflação represada...
Sim. Eu ia falar disso - e quanto mais você demorar para ajustar, pior.
O sr. falou da função das estatais na condução da economia. Como o sr. avalia a situação das estatais no governo?
Essa ideia de segurar as tarifas foi aplicada nos anos 70 e deu no que deu. Essa tentativa de segurar o preço também teve efeito sobre o setor de etanol. Sei que tem impacto sobre a inflação. Mas lá atrás, quando era necessário subir o preço, tinha que ter sido feito. Não há o melhor dos mundos. É preciso fazer escolhas. Parece que numa reunião recente, com banqueiros, alguém perguntou o que fazer. Algumas questões que vêm lá de trás, não foram tratadas tempestivamente, e o que vai acontecer? Você vai pagar pela decisão. Eu me lembro que em maio de 2013, quando discuti esse tema com algumas pessoas, eu disse: está na hora, a inflação está retrocedendo. Você não pode ter todas as vantagens ao mesmo tempo.
O sr. fala muito dos asiáticos, da China, da Coreia. O modelo deles presume altos investimentos e criação de campeões nacionais. É possível aplicar a receita no Brasil?
Eu tive a pachorra de ler inteirinho o World Economic (World Economic Outlook Database,relatório de perspectivas econômicas do FMI). É muito chato, mas é bom para se informar sobre o que está ocorrendo nos gabinetes dos organismos bilaterais. Fizeram um estudo cuidadoso para fazer relação entre poupança e crescimento, mostrando claramente que o crescimento precede a poupança. A Ásia tem taxa de poupança alta, mas ela é ex post (após). Para aumentar a poupança é preciso crescimento. Você não pode aumentar a poupança sem que a renda cresça. Para que ter renda, alguém precisa estar gastando. Esse é o paradoxo.
Luciano Coutinho (presidente do BNDES) deu uma entrevista para o Estado anunciando que desistira da política de campões nacionais. O sr. acha que ela deveria ser retomada?
Acho que temos problemas sérios de reestruturação da indústria brasileira. Faz tempo que eu não converso com o Luciano. Mas você não pode entrar na competição global com uma carroça e concorrer com os caras que estão carros de Fórmula 1.
Mas isso não gera favorecimentos a grupos empresariais?
Mas isso é a lógica do capitalismo - favorecer grupos empresariais. Ou você acha que tem concorrência perfeita?
A escolha não é algo complicado? Brasil escolhe pecuária ao mesmo tempo que mata o etanol que talvez seria um trunfo numa nova fase energética global...
Nós deveríamos ter levado o etanol como um projeto importante para o Brasil. Foi o que o Lula fez. Nós escolhemos errado. É um setor que vantagens quase absolutas.
O sr. é um interlocutor frequente da presidente Dilma?
Não sou tão frequente assim. Foram duas vezes. É o estilo dela. A frequência era maior com o presidente Lula. Sou amigo dele. Ele chamava a mim e ao Delfim (economista Delfim Netto) com muita frequência. Ele era muito sábio nessas coisas. Ouvia todo mundo e tomava a decisão. Foi assim na crise. Ele escolheu o caminho, ele e o Guido Mantega, que, aliás, é muito injustiçado porque na crise foi muito bem. Agora, no caso dela, não. Ela tem outro estilo. Eu tenho até carinho por ela. Foi minha aluna.