Economia

Banco Central mantém Selic a 2% ao ano e interrompe ciclo de corte no juro

A decisão da autoridade monetária vem após nove cortes consecutivos na taxa, num ciclo de afrouxamento iniciado em julho do ano passado

Banco Central (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Banco Central (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 16 de setembro de 2020 às 18h09.

Última atualização em 16 de setembro de 2020 às 19h22.

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciou nesta quarta-feira, 16, a manutenção na Selic, taxa básica de juros da economia, em 2% ao ano, mínima histórica.

A decisão era amplamente esperada pelo mercado e vem depois de nove cortes consecutivos, num ciclo de afrouxamento monetário iniciado em julho do ano passado.

A autoridade não descarta novos cortes na Selic, apesar de esse não ser o cenário base, mas ao contrário do comunicado na reunião de agosto, quando a possibilidade de mais quedas também não foi descartada, o tom desta vez foi mais duro, o que sugere que o espaço é quase nulo. No radar da instituição, há dois riscos principais: o fiscal e a inflação.

Na ata, o Comitê diz que espera alta na inflação no curto prazo, em função do aumento temporário nos preços dos alimentos e da normalização parcial do preço de alguns serviços, num contexto de recuperação dos índices de mobilidade e do nível de atividade. Cita também a ainda elevada incerteza quanto à possível redução dos estímulos governamentais e à evolução da pandemia da covid-19 no país.

"O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia", diz.

Apesar de a recuperação da economia brasileira ainda se mostrar lenta e insuficiente e incerta, o que poderia prescrever a continuidade da política estimulativa, uma nova redução poderia sugerir uma ousadia por parte do BC num momento em que alguns preços importantes apresentaram fortes altas, segundo Alexandre Espirito Santo, economista da Órama Investimentos:

"O BC foi um pouco mais Hawkish (contido) do que o usual, o que sugere que esse ciclo provavelmente deve se encerrar aqui, novas reduções são pouco prováveis e condicionadas à questão fiscal", diz.

"A discussão agora é até quando a Selic vai ficar nesse patamar de 2%. Se vai entrar até o último trimestre de 2021, tem analistas apostando até na taxa neste patamar durante o ano que vem inteiro", diz Arthur Mota, da Exame Research no programa Questão Macro, desta quarta.

As projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 2,1% para 2020, 2,9% para 2021 e 3,3% para 2022. Esse cenário, diz o comunicado, supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2% a.a., se eleva a 2,50% a.a. em 2021 e a 4,50% a.a. em 2022.

A meta de inflação do Banco Central para 2020 é de 4%, com 1,5 ponto de tolerância para cima e para baixo.

Veja o comunicado na íntegra:

Em sua 233ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 2,00% a.a.

A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

  • No cenário externo, a retomada da atividade nas principais economias, ainda que desigual entre setores, em conjunção com a moderação na volatilidade dos ativos financeiros, tem resultado em um ambiente relativamente mais favorável para economias emergentes. Contudo, há bastante incerteza sobre a evolução desse cenário, frente a uma possível redução dos estímulos governamentais e à própria evolução da pandemia da Covid-19;
  • Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentes sugerem uma recuperação parcial, similar à que ocorre em outras economias.  Os setores mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem deprimidos, apesar da recomposição da renda gerada pelos programas de governo. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais;
  • O Comitê avalia que a inflação deve se elevar no curto prazo. Contribuem para esse movimento a alta temporária nos preços dos alimentos e a normalização parcial do preço de alguns serviços em um contexto de recuperação dos índices de mobilidade e do nível de atividade;
  • As diversas medidas de inflação subjacente permanecem abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;
  • As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 1,9%, 3,0% e 3,5%, respectivamente;
  • No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 2,1% para 2020, 2,9% para 2021 e 3,3% para 2022. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2,00% a.a. e se eleva até 2,50% a.a. em 2021 e 4,50% a.a. em 2022; e
  • No cenário com taxa de juros constante a 2,00% a.a. e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação situam-se em torno de 2,1% para 2020, 3,0% para 2021 e 3,8% para 2022.

O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.

Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado, notadamente quando essa ociosidade está concentrada no setor de serviços. Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.

Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. Adicionalmente, os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos. Esse conjunto de fatores implica, potencialmente, uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica de juros em 2,00% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022.

O Copom entende que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno. Consequentemente, eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva.

De forma a prover o estímulo monetário considerado adequado para o cumprimento da meta para a inflação, mas mantendo a cautela necessária por razões prudenciais, o Copom considera apropriado utilizar uma "prescrição futura" (isto é, um "forward guidance") como um instrumento de política monetária adicional. Nesse sentido, e apesar de uma assimetria em seu balanço de riscos, o Copom não pretende reduzir o grau de estímulo monetário, a menos que as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estejam suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária, que atualmente inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022. Essa intenção é condicional à manutenção do atual regime fiscal e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

*Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio R$/US$ observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

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