Idoso brasileiro enrolado em bandeira do Brasil no Rio de Janeiro (Igor Alecsander/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 5 de maio de 2020 às 15h20.
Última atualização em 7 de maio de 2020 às 14h06.
A ajuda emergencial de 600 reais a trabalhadores informais e autônomos de baixa renda foi um passo importante e rápido para proteção contra os impactos do novo coronavírus, mas três meses não serão suficientes, segundo Monica de Bolle, em avaliação compartilhada por outros economistas.
"Se a gente já está vendo problemas de cadastramento e filas, seria melhor uma alteração por lei complementar para estender de imediato por no mínimo seis meses", disse a professora da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em debate promovido pela Fundação FHC nesta terça-feira.
"Levando em consideração o que pessoas da linha de frente de pesquisas e combate à covid-19 já sabem, podemos conviver por muito tempo ainda com o vírus, com ou sem vacina. Então é fato que não vai passar tudo em três meses. Já temos um desafio colocado", diz.
Antes da pandemia, projetos de renda mínima já ganhavam espaço, especialmente em países desenvolvidos, diante de fenômenos como o aumento da desigualdade e o risco de que o avanço da automação cause mais problemas de empregabilidade.
Mas estes projetos agora ganharam caráter de urgência já que as políticas de isolamento usadas para conter o vírus limitam a atividade de ao menos 38 milhões de brasileiros que vivem do trabalho informal, muito dependente do movimento de pessoas nas ruas.
Ao contrário de trabalhadores formais, que tem seus direitos assegurados em casos de demissão ou redução de jornada, os informais sofrem com falta de salvaguardas e dependem, muitas vezes, do que ganham no dia para se alimentar. "Com a crise, pessoas que precisam sair para ganhar o dinheiro do dia e botar comida na mesa começaram a aparecer de todos os lados em todos os países", diz de Bolle.
O cenário de calamidade também revela, segundo o economista Marcelo Medeiros, que os dois extremos socioeconômicos no Brasil são protegidos - temos o Bolsa Família de um lado, contemplando os 20% mais pobres, e do outro lado os mais ricos, contemplados pelas leis do trabalho formal.
Entre eles existe um "meião", equivalente a 40% da população, que fica de fora: "é preciso um sistema de proteção muito maior do que o de hoje", diz Medeiros, professor especialista em desigualdade. Para ele, há necessidade de considerarmos outras pandemias do tipo, mas também problemas ambientais que serão cada vez mais frequentes diante do aquecimento global.
A ampliação do debate de renda mínima também vai trazer resultados interessantes sobre a eficiência da política da renda, segundo de Bolle. Nos EUA, por exemplo, foi aprovado o cheque único com valor de 1,2 mil dólares a cada núcleo familiar, mas o país discute estender a ajuda.
Na América Latina, o Chile também estuda a ideia e o Equador, que tem economia dolarizada, ofereceu 60 dólares por prazo determinado, de 3 a 6 meses, como no Brasil.
A ideia da renda básica foi colocada em prática pela primeira vez em que se tem registros, segundo Monica, na Inglaterra do século 18, durante as guerras napoleônicas, para proteger a população e produtores rurais de um pico nos preços dos grãos, que encareceu a alimentação e fez pessoas morrerem de fome.
À época, conta a economista, começaram a surgir também os primeiros críticos da ideia, como Thomas Malthus, que dizia que a política de renda faria aumentar a população e reduzir a comida disponível, junto de outros argumentos, como o de que a renda seria um desestímulo para o beneficiado trabalhar.
Apesar de instituições como o BID e FMI, assim como estudos acadêmicos, indicarem que essa é uma política que pode atender a necessidades importantes e ser positiva dependendo do contexto, isso não é um consenso. Ainda assim, tampouco há evidências fortes de que crie incentivos perversos, diz Bolle.