Economia

Austeridade fiscal de Dilma abrirá caminho para recuperação

Os cortes que ameaçam a popularidade de Dilma podem reanimar o crescimento e desencadear uma recuperação do mercado ainda neste ano, dizem especialistas


	A presidente Dilma Rousseff: "enquanto as medidas são anunciadas, os resultados começam a aparecer", diz especialista do Goldman Sachs
 (Ueslei Marcelino/Reuters)

A presidente Dilma Rousseff: "enquanto as medidas são anunciadas, os resultados começam a aparecer", diz especialista do Goldman Sachs (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 23 de fevereiro de 2015 às 17h16.

Brasília/Rio de Janeiro - As medidas de austeridade fiscal estão mudando as vidas dos brasileiros ao elevarem o custo de vida associado a itens como cartões de crédito e gasolina.

Elas também poderão arrumar a bagunça no campo econômico e abrir caminho para a recuperação do país.

Os governos de todas as esferas estão reduzindo gastos em um momento em que a presidente Dilma Rousseff busca evitar um rebaixamento do rating de crédito após o fim de uma década próspera do setor de commodities.

Os empréstimos baratos, os aumentos salariais e as isenções fiscais que impulsionaram farras de compras em Miami e transformaram o Brasil no quarto maior mercado automotivo do mundo deram lugar a reduções nos benefícios trabalhistas e previdenciários e aumentos nas taxas de juros.

Os impostos aplicados a produtos como batom e combustível estão subindo em meio a uma queda nos preços internacionais do petróleo.

A sensação de mal-estar poderá piorar antes de melhorar. O ritmo de criação de empregos está desacelerando, as taxas de juros aumentam e o crescente escândalo de corrupção na produtora de petróleo controlada pelo Estado domina as manchetes.

Contudo, os cortes que provocam protestos agora e ameaçam a popularidade de Dilma têm potencial para reanimar o crescimento e desencadear uma recuperação do mercado ainda neste ano, disse Alberto Ramos, diretor-gerente do Goldman Sachs Co.

“Isso não consertará a economia da noite para o dia, provavelmente nem mesmo em um ano”, disse Ramos. “Mas enquanto as medidas são anunciadas, os resultados começam a aparecer e a retórica continua no lugar correto, o mercado irá melhorar”.

O Ibovespa subiu 2,5 por cento, para 51.235 pontos, até esta altura de 2015, e saltará para 56.000 pontos até o fim do ano, segundo a UBS Securities LLC.

‘Trará dinheiro’

“Há uma imensa quantidade de más notícias precificadas pelo mercado no momento”, disse Geoffrey Dennis, chefe de estratégia internacional para mercados emergentes.

“O impacto da melhora sobre o lado fiscal trará dinheiro de volta para a renda fixa e uma parte se derramará sobre as ações”.

A recuperação iminente transforma os fundos de ações brasileiros em “itens essenciais” para 2015, disse Rodolfo Riechert, CEO da Brasil Plural, que administra R$ 20 bilhões (US$ 7 bilhões) em ativos.

A economia se expandirá 1,5 por cento em 2016, após uma contração de 0,5 por cento neste ano, segundo a consulta mais recente do Banco Central a analistas. Mark Mobius, presidente-executivo da Templeton Emerging Markets Group, disse que o Brasil poderia até mesmo crescer 3 por cento a 4 por cento em 2016.

Durante a campanha para a eleição presidencial de 2014, os mercados de ações mergulhavam cada vez que Dilma subia nas pesquisas de opinião porque os investidores estavam preocupados que ela desse sequência nas políticas que quase triplicaram o déficit fiscal em seu primeiro mandato e estimularam as taxas de inflação, que já estavam acima da meta de 4,5 por cento.

Políticas de austeridade

Em março de 2014, a Standard Poor’s reduziu a classificação do Brasil para um nível acima do grau especulativo e seis meses depois a Moody’s Investors Service rebaixou sua perspectiva para a nota Baa2 para negativa, segunda nota de investimento mais baixa.

Após reeleger-se em outubro pela margem mais apertada desde 1945, pelo menos, Dilma prometeu conter a inflação e aumentar a confiança do investidor implementando políticas de austeridade.

Ela iniciou a meia-volta em novembro, quando nomeou ministro da Fazenda Joaquim Levy, um economista que estudou na Universidade de Chicago e que é conhecido pelos colegas por sua propensão para reduzir gastos quando era secretário estadual de Finanças do Rio de Janeiro.

Depois de assumir, Levy reduziu em um terço o montante mensal que o governo pode gastar em alguns itens e aumentou os impostos sobre o combustível, as importações, o crédito e os cosméticos. Ele elevou a meta de superávit primário, que exclui pagamentos de juros, para 1,2 por cento do produto interno bruto neste ano, contra um déficit de 0,6 por cento em 2014.

‘Novas oportunidades’

“Quando colocarmos a casa em ordem, o setor privado encontrará novas oportunidades, novos mercados, e nós retornaremos a um caminho de crescimento”, disse Levy a investidores, em Nova York, em 18 de fevereiro.

Os maiores vencedores em 2015 poderão ser os investidores em bonds, pois a austeridade, em um primeiro momento, tem um impacto maior sobre a redução do risco para o credor do que sobre o estímulo ao crescimento, disse Enestor dos Santos, economista principal do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria.

Após uma queda de 2,9 por cento nos últimos seis meses, os bonds brasileiros agora parecem atrativos na comparação com alguns outros títulos soberanos que possuem o mesmo rating de crédito.

Os bonds oferecem um rendimento extra de 312 pontos-base em relação aos títulos do Tesouro, ou 74 pontos-base a mais que os da África do Sul, que tem o mesmo rating do Brasil, BBB-, no S&P. Em 22 de agosto, os títulos brasileiros rendiam 10 pontos-base menos.

Ainda assim, a recuperação do Brasil enfrenta vários perigos.

As denúncias de suborno na Petrobras, a petroleira controlada pelo Estado, estão pesando sobre o crédito e os mercados de ações. As investigações a respeito das cobranças ameaçam enervar mais os investidores, disse Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da TOV Corretora.

Denúncias na Petrobras

Maria das Graças Foster se demitiu do cargo de CEO no dia 4 de fevereiro, um dia antes de surgirem acusações de que US$ 200 milhões em fundos da empresa haviam sido desviados ilegalmente para o Partido dos Trabalhadores, a legenda do governo.

Os legisladores de oposição, em uma comissão parlamentar de inquérito, buscam determinar a responsabilidade de Dilma, que foi presidente do Conselho de Administração da empresa entre 2003 e 2010. O partido diz que todas as doações foram legais; Dilma e Maria das Graças negam qualquer irregularidade.

O preço das ações da Petrobras caiu 68 por cento em relação ao pico do ano passado, registrado em setembro, e no dia 3 de fevereiro a Fitch Ratings reduziu a empresa em um nível, para BBB-, o mais baixo de grau de investimento, e colocou o rating sob vigilância negativa.

O escândalo, juntamente com os aumentos na inflação, diminuiu a popularidade de Dilma e levantou dúvidas a respeito de sua promessa de austeridade.

‘Verdadeiro teste’

“O verdadeiro teste para a determinação dela ainda está por vir”, disse João Augusto de Castro Neves, analista da empresa de consultoria de risco político Eurasia Group.

O rating de aprovação de Dilma caiu 19 pontos porcentuais desde dezembro, para 23 por cento, o mais baixo de qualquer presidente brasileiro em 15 anos, segundo uma pesquisa realizada pelo Datafolha entre 3 e 5 de fevereiro.

Os protestos contra a corrupção e as reduções dos benefícios sociais irromperam em diversas cidades nos últimos dois meses, com alguns manifestantes pedindo o impeachment de Dilma.

A assessoria de imprensa da presidente não comentou a pesquisa e seu compromisso de cortar gastos.

Alguns brasileiros que votaram em Dilma dizem que se sentem traídos. Três dias após sua reeleição, o conselho do Banco Central, que pode ser demitido pela presidente a qualquer momento, elevou a taxa básica de juros pela primeira vez em seis meses, uma reviravolta em relação ao alerta feito por Dilma na campanha, de que a aplicação de taxas mais altas desaceleraria o crescimento e aumentaria o desemprego.

Restrições orçamentárias

“Ela disse que a classe trabalhadora não arcaria com o ônus dos ajustes -- bem, não é o que está sendo sentido --”, disse Sílvio Ferreira, um encarregado de construção de 43 anos, em um posto de gasolina de Brasília, após ver os preços do combustível subirem 7 por cento.

Ferreira não está sozinho. Os professores de Brasília protestaram em dezembro quando o governo local atrasou o pagamento de seus salários devido a restrições orçamentárias, e servidores públicos do estado do Rio de Janeiro tiveram seus bônus limitados e o uso de água e telefones restringidos em edifícios públicos.

A possível escassez de energia e água causada por uma seca no Sudeste do Brasil poderá diminuir o crescimento econômico ainda mais e elevar a inflação, segundo o UBS AG.

Ainda assim, o cenário de referência pressupõe que o governo não terá que racionar eletricidade em 2015 da mesma forma que ocorreu em 2001.

A inflação irá acelerar neste ano para 7,33 por cento, segundo economistas consultados pelo BC, pois o governo está elevando os preços regulados de itens como eletricidade e transporte público.

Tony Volpon, chefe de pesquisa de mercado emergente para as Américas da Nomura Securities International Inc., disse que as políticas fiscais mais restritas e um compromisso “muito mais forte” do BC para diminuir a inflação provavelmente farão com que os aumentos dos preços ao consumidor se aproximem da meta em 2016. Volpon, que em 2014 criticou Dilma por não conseguir conter a inflação, foi nomeado diretor do BC neste mês.

Ao longo da última década, o Brasil provou sua capacidade de reagir às crises com um impulso ao crescimento econômico, disse Marcos Troyjo, que é professor e codiretor de um fórum sobre mercados emergentes da Universidade de Columbia, em Nova York.

“Serão 12 a 18 meses difíceis”, disse ele. “Depois desse período, haverá uma janela dourada de oportunidade no Brasil”.

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