Economia

Aumentam os apelos para criação de impostos sobre a riqueza na AL

No Brasil, propostas nessa linha não avançaram no Congresso e nem figuram nas atuais iniciativas de reforma tributária; especialista diz que a discussão é bem-vinda

 (C. Fernandes/Getty Images)

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Fabiane Stefano

Publicado em 18 de fevereiro de 2021 às 15h16.

Última atualização em 18 de fevereiro de 2021 às 15h17.

Milionários cada vez mais ricos em um mundo onde o coronavírus aprofunda a pobreza: o contraste entre aqueles que têm mais e os mais desfavorecidos alimenta os apelos para a criação de impostos sobre a riqueza na América Latina. Muitas vezes catalogada como "a região mais desigual do planeta", a AL apresenta fortes disparidades na distribuição de renda, o que a pandemia pode aprofundar.

A Rede Latino-americana por Justiça Econômica e Social (Latindadd) revelou no final de 2020 que o 1% mais rico da região detém 41% da riqueza. Mas esse grupo contribui apenas com 3,8% da arrecadação dos cofres públicos. Segundo a ONG Oxfam, "em apenas nove meses, as 1.000 maiores fortunas do mundo já haviam recuperado as perdas econômicas causadas pela pandemia".

Enquanto gigantes como Amazon, Facebook e Tesla estão quebrando recordes em Wall Street, um relatório da Oxfam publicado em janeiro, antes do Fórum Econômico de Davos, adverte que pode levar uma década para que os mais pobres a superem. Globalmente, os bilionários viram suas fortunas aumentar em US$ 3,9 trilhões entre 18 de março e 31 de dezembro de 2020, observou a Oxfam.

Como muitos defensores dos mecanismos de redistribuição direta, a Latindadd promove o "imposto sobre as grandes fortunas", que, de acordo com a Oxfam, permitiria combater "o vírus das desigualdades". Na América Latina, esse mecanismo arrecadaria mais de 26,5 bilhões de dólares, cifra que a Latindadd considera suficiente para distribuir gratuitamente a vacina contra a covid-19. Embora esse tipo de imposto tenha sido introduzido na Argentina e na Bolívia, sua eficácia é questionada em países como Brasil e Chile.

Teoria e prática

Temerosa de uma explosão social, a elite econômica e política de Davos expressou sua preocupação com o agravamento das desigualdades.

"Em vez de chorar lágrimas de crocodilo, os donos do mundo deveriam passar para o trabalho prático", reagiu à AFP o economista Thomas Piketty, que defende um imposto universal "sobre parte das receitas fiscais (...) dos atores econômicos mais prósperos do planeta".

Alguns indivíduos extremamente ricos que aumentaram suas fortunas durante a pandemia multiplicaram as iniciativas pessoais de doação. Bill e Melinda Gates, da Microsoft, são os principais doadores privados da OMS. MacKenzie Scott, a ex-esposa do fundador da Amazon, Jeff Bezos, doou US$ 6 bilhões em 2020 para diferentes causas de caridade. Kim Beom-su, fundador do KakaoTalk, o serviço de mensagens mais popular da Coreia do Sul, doará mais da metade de sua fortuna de US$ 9,4 bilhões.

Mas a América Latina está longe desses números de doações individuais e alguns países preferem uma opção mais sistemática e obrigatória.

Argentina e Bolívia

O governo de centro-esquerda de Alberto Fernández, na Argentina, pretende arrecadar US$ 3 bilhões este ano com um imposto que atingirá cerca de 12.000 pessoas, para financiar insumos para a pandemia, ajudas às pequenas e médias empresas (PMEs), ou bolsas de estudo.

Ainda mais pontual foi o imposto instituído pelo presidente da Bolívia, Luis Arce, que atingirá apenas 152 pessoas com patrimônio superior a 4 milhões de dólares e arrecadará apenas 14,3 milhões de dólares, valor que o torna bastante simbólico.

No Brasil, as propostas não avançaram no Congresso e nem figuram nas atuais iniciativas de reforma tributária, embora se trate de um tributo previsto na Constituição de 1988 que pede expressamente "a instituição de impostos sobre (...) grandes fortunas", regulamentados por uma lei que nunca foi aprovada por medo de fuga de capitais.

No ano passado, no Chile, parlamentares da oposição aumentaram um imposto temporário sobre os "superricos", para arrecadar 2,5% sobre os ativos daqueles com mais de 22 milhões de dólares. A ideia, que visa a gerar cerca de 6,5 bilhões de dólares para apoiar a luta contra a covid-19, não prosperou.

Tributar a riqueza é uma solução?

Para o especialista em política fiscal do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Alejandro Rasteletti, a discussão é "bem-vinda" em uma região desigual, onde "a política fiscal tem um impacto redistributivo muito baixo".

"O imposto sobre as grandes fortunas torna o sistema mais progressivo", ou seja, busca fazer com que quem tem mais pague mais, mas "não acaba sendo tão redistributivo, porque na prática não pode arrecadar tanto", pois " é uma carga relativamente difícil porque você pode escapar de diferentes maneiras", explica ele à AFP.

Na Europa, um continente rico, a arrecadação por meio desse mecanismo chega a apenas 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), um volume "muito baixo", acrescenta o especialista.

"No BID, tentamos há tempos empurrar o imposto predial, ou imobiliário (...), que é muito difícil de evadir (e) é absolutamente progressivo, porque as casas maiores são propriedade dos mais ricos", resumiu.

 

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