Economia

Em dia de Copom, cenário para inflação deteriora a reboque da incerteza fiscal

Economistas ouvidos pela EXAME afirmaram que inflação permanecerá alta sem medidas efetivas do governo para reduzir o ritmo de alta da dívida pública

Banco Central: mercado espera por ajuste fiscal da gestão petista para reduzir ritmo de alta da inflação e da dívida pública (Leandro Fonseca/Exame)

Banco Central: mercado espera por ajuste fiscal da gestão petista para reduzir ritmo de alta da inflação e da dívida pública (Leandro Fonseca/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 28 de janeiro de 2025 às 06h00.

Última atualização em 29 de janeiro de 2025 às 07h06.

A desancoragem nas expectativas de inflação entre 2025 e 2028 vai de mal a pior. Nesta segunda-feira, 27, o boletim Focus mostrou que a expectativa de inflação para 2025 está em 5,50% — um avanço de 0,42 ponto percentual para a última edição do relatório, da semana semana passada. Trata-se da 15ª revisão para cima do IPCA. Também cresceram as estimativas da alta de preços de 2026 e 2028.

Ou seja, o mercado já acredita que a inflação neste ano estará 1 ponto percentual acima do teto da meta de inflação que o Banco Central (BC) precisa perseguir. A meta é de 3%, com um intervalo de tolerância de mais ou menos 1,50 ponto percentual — isto é, de 1,50% a 4,50%. E vê uma tendência de alta para os próximos anos.

Isso acontece mesmo com a sinalização de que a Selic estará em 14,25% ao ano em março. Na próxima quarta-feira, 29, o Banco Central (BC) elevará os juros para 13,25% ao ano e já está precificada mais uma alta de 1 ponto percentual na reunião de março do Comitê de Política Monetária (Copom).

Para economistas de mercado ouvidos pela EXAME, essa situação persistirá enquanto a gestão petista não sinalizar medidas concretas para um ajuste fiscal e um compromisso real de estabilizar a dívida pública em proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

Essa incerteza fiscal afeta o preço do dólar, pressiona a inflação e leva ao debate sobre a eficiência da política monetária no controle da inflação.

Credibilidade em xeque

O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, afirma que a piora nas expectativas de inflação decorre do que chamou de “enorme perda de credibilidade da política fiscal com a divulgação de um pacote de ajuste considerado ineficiente pelo mercado”.

Para piorar, segundo ele, o governo coleciona outros dois episódios no curto prazo que continuam a minar a confiança da gestão petista: a crise do Pix e afirmação do ministro da Casa Civil, Rui Costa, de que haveria intervenções para reduzir o preço dos alimentos.

“Isso faz com que os agentes econômicos olhem para frente e não acreditem que haverá um ajuste necessário para tornar a política fiscal menos expansionista", diz. "A dívida pública cresce quatro pontos percentuais em relação ao PIB todo ano. Apesar do déficit primário menor, o governo gasta dinheiro fora do orçamento. Existe um problema fundamental de credibilidade."

Camargo ainda afirmou que a crise no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coloca em xeque as estatísticas feitas pelo governo. “Tem sangue na água”, resume.

Juros altos e inflação elevada

Nem a sinalização do BC de que pode levar os juros para mais de 15%, afirma Camargo, tem sido suficiente para ancorar as expectativas de inflação. Segundo ele, a inflação de 2025 será de 5,7% e a de 2026, de 7,2%.

Três pressões inflacionárias preocupam, aponta. A primeira decorre do preço dos alimentos, diante da valorização do dólar, que não foi totalmente repassada para o custo final para o consumidor. Segundo ele, quando o dólar aumenta, os exportadores elevam o valor no mercado interno.

A segunda pressão decorre das incertezas quanto ao preço do dólar. Ainda não está claro se a cotação da moeda estrangeira ficará perto de R$ 5,90 ou aumentará para acima de R$ 6 ao longo do ano. As decisões do governo de Donald Trump nos EUA, avalia Camargo, terão peso significativo no valor da divisa norte-americana, o que traz mais incerteza para o país.

E a terceira questão tem relação direta com a inflação de serviços cujas médias móveis trimestrais e anuais dessazonalizadas mostram que a taxa está acima de 8%, sobretudo nos serviços intensivos em mão de obra.

Com isso, não há perspectiva de redução no curto prazo, diz o economista, diante dos mecanismos inerciais que pressionam a inflação, como a política de valorização do salário-mínimo, que também reajusta benefícios previdenciários, trabalhistas e assistenciais do governo.  “Isso dificulta o combate à inflação”, resume.

Eficiência da política monetária em debate

Drausio Giacomelli, economista sênior e estrategista do Deustche Bank para mercados emergentes, afirma que os juros altos no Brasil não têm impacto sobre as expectativas de inflação porque não há perspectiva de consolidação fiscal nos próximos anos.

Segundo ele, o BC sinalizou, quando justificou em carta aberta os motivos para o estouro do teto da meta de inflação em 2024, que a inércia inflacionária e o câmbio tiveram peso determinante no resultado.

“A parte maior do não atingimento da meta [de inflação] está vindo de outras fontes que não são da demanda e do crescimento”, diz.

Na prática, a alta de juros tem efeito sobre a demanda e sobre o crescimento. Quando o BC sinaliza que o câmbio e a inércia tiveram um peso maior significa dizer que a alta de Selic é ineficiente para combater as causas da inflação. Nesse caso, o compromisso fiscal é a solução.

“O Brasil está em um terreno escorregadio no qual a inflação tem conotações fiscais e de inércia [inflacionária]. Portanto, é uma inflação mais de expectativas do que de demanda. A gestão de demanda quando sobe juros perdeu espaço para a inflação que é de origem fiscal e de inércia”, disse.

A consequência dessa dinâmica de crise de confiança, avalia Giacomelli, é uma perda de confiança na sustentabilidade da moeda e a possibilidade de a inflação subir muito, como de 5% para 10%, por exemplo, em um curto espaço de tempo.

“Estruturalmente, temos visto uma saída elevada de capital do Brasil e o ceticismo do investidor estrangeiro é enorme”, disse.

Mercado reticente

Menos pessimista que a maioria do mercado, o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, avalia que três canais principais pressionam a inflação no curto prazo, além da desancoragem das expectativas. O primeiro deles é a economia aquecida, com alta da atividade econômica e com geração de empregos, diante do impulso fiscal do governo petista.

O segundo ponto é a forte valorização do dólar nos últimos meses que ainda não foi totalmente repassada para o preço de serviços e mercadorias. E por fim, o preço dos alimentos também pressiona a inflação.

“A política monetária continua eficiente, como instrumento único do BC para conter a inflação. Acredito na credibilidade dos membros do BC que estão lá. A questão é se a política monetária vai atuar sozinha. Há um impulso fiscal e, neste momento, o mercado está reticente com a possibilidade de o governo apresentar novas medidas fiscais”, afirmou.

Oliveira projetou que a inflação de 2025 será de 5,1%, os preços livres registrando alta de 4,8% e os administrados subindo 5,9%. Para 2026, ele estimou que que o IPCA terá alta de 4,1%.

Queda no preço dos alimentos e dólar menos pressionado

As projeções menores que as do mercado, afirma o economista, decorrem da expectativa de queda no preço dos alimentos ao longo do ano. Além disso, Oliveira espera que o dólar terminará o ano em R$ 5,75, abaixo das estimativas do mercado.

“Esses dois fatores justificam uma expectativa de inflação menor que o mercado. Mas é uma inflação bastante acima do teto da meta”, disse. "Acredito que para o ano que vem é provável ter uma inflação abaixo do teto da meta."

Diante desse contexto, o economista espera mais duas altas de juros de 1 ponto percentual e uma última alta de 0,5 ponto percentual. Com isso a Selic terminaria o ano em 14,75%.

“Parte da incerteza vai ter diminuído até maio. Não estou falando de volatilidade, mas as medidas tomadas pelo governo Trump serão adotadas nos 100 primeiros dias de mandato. Até maio, a questão fiscal pode ser endereçada com um impulso fiscal negativo”, diz.

Desaceleração no segundo semestre

A alta de juros já em curso, afirma Oliveira, levou para um ambiente econômico de condições financeiras apertadas desde meados no ano passado. Com isso, a tendência é de queda na intensidade da atividade econômica no segundo semestre.

"As condições financeiras já estão apertadas desde meados do ano passado. O efeito disso na economia real já está se dando e vai ganhar mais intensidade no segundo semestre", afirma. "No segundo semestre, o crescimento é muito próximo de zero. O semestre bom de 2025, quando se olha para a atividade econômica, se dará no primeiro semestre. O segundo semestre será mais complicado.".

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