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João Pedro Caleiro
Publicado em 16 de março de 2015 às 11h51.
São Paulo – No último 27 de novembro, momentos após ser confirmado como ministro da Fazenda, Joaquim Levy sentou na frente das câmeras e anunciou que o governo perseguiria um superávit primário de 1,2% em 2015.
Desde então, uma série de medidas foi anunciada: a restrição ao seguro-desemprego (que explodiu nos últimos anos), o fim de repasses do Tesouro para a conta energética, cortes em despesas não obrigatórias e vários aumentos em impostos como IOF, CIDE e PIS/COFINS.
Mas os obstáculos continuam. O primeiro é a rigidez orçamentária: grande parte dos gastos tem vinculação obrigatória por lei e simplesmente não pode ser tocado pelas "mãos de Tesoura" do Levy, como a Previdência.
“A margem de manobra é muito limitada, por isso que há de se recorrer a aumento de receita. Criou-se um ambiente em que qualquer ajuste fiscal de curto prazo é muito complicado”, diz Maílson da Nobrega, ministro da Fazenda no governo Sarney, hoje na consultoria Tendências.
Raul Velloso, um dos maiores especialistas em contas públicas do país, teve um encontro com Levy em Brasília na semana passada. Ele lembra que há formas de driblar essa rigidez no curto prazo e que a conta pode (e vai) ser fechada com o que puder ser empurrado para frente, como já foi feito no passado.
"Estamos tratando de um governo que executava muito mal os gastos. Se limpar muita coisa, vai fazer bem. Na época dos acordos com o FMI, a gente tinha que fazer um programa pra valer em um mês a partir de agora, com metas trimestrais. Você acha que isso que o Levy está fazendo é muito diferente? É o que se faz em uma situação de crise. Só que hoje não temos meta formal e sim informal, e agora são as agências de risco e não o FMI.”
As contas também precisam considerar que nos últimos anos, foi abundante o uso de receitas não-recorrentes e de contabilidade criativa. Após uma sucessão de anos com piora do equilíbrio orçamentário, as contas públicas registraram em 2014 seu primeiro resultado negativo desde 2001. Isso significa que "o ajuste fiscal de 2015 já larga do box", nas palavras de Caio Megale, economista do Itaú BBA.
Outra dificuldade para o governo é saber como que a economia vai reagir ao longo do ano. Isso importa muito para uma equipe que pretende recuperar a credibilidade do governo deixando para trás o otimismo incorrigível das projeções de Guido Mantega.
No começo do ano, um cenário com resultados positivos de cerca de US$ 55 bilhões ficou até perto de ser teoricamente atingido, mas os números continuaram mudando. A revisão do PIB pelo IBGE aumentou a base de comparação - e, por consequência, o nível de economia necessário. Enquanto isso, as projeções para a recessão só pioram, o que é mau agouro para a previsão de receita.
Risco político
Além da deterioração econômica e da rigidez orçamentária, outra pedra no caminho do ajuste é o cenário político. Ao contrário do que se pensa, a maior parte dos cortes de gastos e aumentos de impostos nem depende do Congresso, mas ele ainda pode atrapalhar - e muito.
Grande parte da própria base do PT denuncia publicamente os cortes, e Renan Calheiros chocou o Planalto ao devolver a Medida Provisória que revertia parte das desonerações da folha de pagamento. Foi a primeira vez que isso aconteceu no governo Dilma.
A prioridade do Planalto é pelo menos evitar que sejam aprovados novos gastos, mas esta é uma área no qual o Legislativo não costuma mostrar grande pudor. A tentação de forçar Dilma a vetar medidas caras mas populares pode ser forte demais no cenário atual:
“O parlamentar brasileiro não tem nenhum incentivo para ser responsável, porque a população não associa sua irresponsabilidade com os efeitos na economia”, diz Maílson.
O ministro deve continuar a ter um peso importante nessa balança. Ao contrário de como tem sido pintado, ele está longe de ser um mero tecnocrata:
“É um cara com canal próprio para dialogar com o Congresso. Foi o que ele fez com o Cunha e o Renan no caso do IR. Diante da animosidade que existe hoje, ele pode dar este outro tipo de ajuda e defender o ajuste de uma forma que o governo não pode. Ele não é um radical que vai dizer que 'precisa aprovar tudo do jeito que eu mandei''", diz Velloso.
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Maílson acredita que diante das dificuldades, o mercado já aceitaria como positivo um superávit primário por volta de 0,8% no fim do ano, enquanto Velloso acha que a meta será atingida na totalidade.
Mas em uma coisa eles concordam: Dilma está comprometida em fazer o ajuste acontecer. Se não por convicção, por sobrevivência política - seria duro demais engolir a perda do grau de investimento, tão comemorado pelo governo quando foi obtido em 2008.
“Se vier a perda do grau de investimento, é porque o governo jogou a toalha, e eu não consigo imaginar isso”, diz Velloso. Maílson concorda: "A rigor, a agenda da Dilma se resume a duas grandes questões: evitar a perda do grau de investimento e evitar o impeachment. Acho que as duas coisas serão evitadas."