Economia

As dificuldades da retomada do emprego no Brasil e EUA segundo economistas

Analistas elencam os desafios que explicam a criação de vagas menor do que esperado nos Estados Unidos e a taxa de desemprego que atinge número recorde de pessoas no Brasil

Brasil sofre ainda com incertezas econômicas causadas pela pandemia e grande quantidade de desalentados (Amanda Perobelli/Reuters Business)

Brasil sofre ainda com incertezas econômicas causadas pela pandemia e grande quantidade de desalentados (Amanda Perobelli/Reuters Business)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 10 de maio de 2021 às 17h30.

Última atualização em 26 de maio de 2021 às 19h30.

A criação de vagas de trabalho nos Estados Unidos em abril ficou bem abaixo das expectativas, com 266 mil novos postos, quando as projeções econômicas giravam em torno de um aumento de 900 mil a 1 milhão. O resultado que surpreendeu o mercado mostra que a retomada do emprego no país pode ocorrer mais lentamente do que o esperado mesmo com a vacinação. Ainda assim, a recuperação do mercado de trabalho no país deve ter sucesso no médio prazo, avaliam economistas ouvidos pela EXAME.

Já o Brasil, que atingiu ao fim de fevereiro o recorde de desempregados da série histórica iniciada em 2012, com 14,4 milhões de pessoas na situação, tem pela frente um caminho tortuoso e pode não conseguir, mesmo depois da vacinação em massa da população, retornar aos níveis de emprego pré-pandemia no curto prazo, segundo os especialistas.

A lentidão norte-americana tem como uma de suas causas o fato de que parte da população desempregada ainda não voltou a procurar emprego, aponta o pesquisador de mercado de trabalho do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV Daniel Duque.

"A perspectiva ainda é uma normalização com uma velocidade crescente conforme a vacinação vai chegando à totalidade da população adulta. Mas também isso vai depender de quantas pessoas vão realmente voltar ao mercado de trabalho.", afirma.

O resultado mais tímido do que em março, quando o emprego nos Estados Unidos disparou e foram geradas 770 mil novas vagas, vem em um cenário de desemprego na casa dos 6%. Apesar da desaceleração em abril, o ritmo nos próximos meses pode crescer conforme a população começar a tomar a segunda dose da vacina e mais escolas abrirem, aponta o professor de economia internacional do Insper Roberto Dumas. "Não é um ciclo econômico normal que está acontecendo", ressalta.

A notícia do emprego americano foi seguida de uma alta das bolsas no mundo na sexta-feira, 7, inclusive no Brasil. O economista explica que o resultado indica que o banco central americano, o Federal Reserve, não deve subir juros e retirar estímulos da política monetária por enquanto. Isso faz com que os juros de longo prazo americanos caiam, o que impacta a rentabilidade da renda fixa. "Se a renda fixa nos Estados Unidos não sobe, então continua valendo comprar bolsa no curto prazo", afirma.

O economista aponta que o fato contribui para a defesa do presidente Joe Biden de seu pacote de infraestrutura de 2,3 trilhões de dólares, para além do estímulo de 1,9 trilhão já sancionado em março pelo chefe do Executivo americano.

A notícia aliada à alta da taxa Selic no Brasil, anunciada também na sexta pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, resultou na apreciação cambial do real, aponta o economista.

Já no Brasil, a situação é mais complicada. Além do desemprego atingir 14% da população economicamente ativa, o país tem 5,9 milhões de desalentados, número que não entra na conta do desemprego.

Segundo Daniel Duque, o fato de o país ter uma taxa de desemprego acima de 10% desde 2015 torna a retomada ainda mais difícil. "Estamos com uma parcela importante dos trabalhadores sem emprego há muito tempo que já perdeu experiência e capacidade de contratação", avalia.

Além disso, há incerteza quanto à recuperação dos serviços e da atividade econômica por conta da vacinação lenta e do risco de uma terceira onda de contaminações da covid-19.

O resultado disso é a possibilidade, segundo o economista, de que parte da população que saiu da força de trabalho não retorne e a taxa de participação no mercado de trabalho não volte ao mesmo patamar anterior à crise. No longo prazo, isso reduz inclusive o potencial de crescimento econômico do Brasil, aponta Duque.

Para Dumas, os números do desemprego ainda devem piorar antes de começar a reduzir, principalmente considerando o alto número de desalentados e subocupados. "Esperamos que vá demorar muito ainda. Não há uma política fiscal expansionista à la Biden, nem uma política monetária expansionista à la Fed, porque as expectativas inflacionárias do Brasil não são tão bem ancoradas quanto são nos Estados Unidos", afirma.

Ano eleitoral e risco de investimento

Além dos percalços da pandemia e da crise prolongada de empregos, o Brasil tem um terceiro fator que pode piorar ainda mais a perspectiva dos empregos para o ano que vem, ressalta o economista. O risco fiscal do país, que segue em patamar elevado, pode não arrefecer no ano que vem, quando ocorrem as próximas eleições federais e estaduais.

"Não vamos esquecer que o Orçamento está na mão do Centrão", afirma. Um possível aumento do gasto público, que é praxe em anos de eleição, poderia pressionar os juros a uma alta, o que tende a reduzir o investimento de empresas e, consequentemente, a geração de empregos no país, aponta Dumas.

"O risco Brasil aumenta, o câmbio deprecia, vem mais inflação, o Banco Central tem que puxar juros", afirma. "Na hora em que coloca tudo isso na conta, fica a pergunta: quem vai montar uma empresa,  querer investir e contratar?", questiona.

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