Caminhões participam de protesto na BR-116 em São Paulo (Leonardo Benassatto/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 28 de maio de 2018 às 18h52.
Última atualização em 28 de maio de 2018 às 19h51.
São Paulo - A turbulência entre os caminhoneiros começou a ser gestada há muito tempo e não será resolvida com as medidas anunciadas pelo governo.
É o que mostram os números do setor e sugerem economistas ouvidos por EXAME. Veja a cronologia que culminou na atual crise, ainda não equacionada:
Em 2009, o governo criou o Programa de Sustentação ao Investimento (PSI) como reação à crise financeira internacional.
Ele incluía financiamento via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social_ de bens como caminhões com juros bem menores e prazos bem mais longos daqueles de mercado; associações setoriais e montadoras aplaudiram.
Márcio Holland, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Dilma, diz que o PSI foi "pouco eficaz" no investimento mas que "associá-lo ao evento atual parece enviesado".
Ele destaca que não há estudos demonstrando o excesso de oferta, e que um programa de renovação da frota tem efeitos positivos em frentes como redução de acidentes e de poluição.
O aumento da frota de caminhões brasileira se deparou, a partir de 2014, com a eclosão da crise econômica mais profunda da história do país.
O setor de transportes terrestres teve duas quedas consecutivas de 10,4% em 2015 e 2016, com recuperação ínfima de 0,9% em 2017.
"Gerou esse excedente, o preço cai e as margens são achatadas. E o autônomo, quando a margem é baixa, quer trabalhar mais e por um preço maior. É como um desempregado ou subempregado, mas que não entra na estatística de desemprego porque não está atrás de vaga", resume Paulo Lins, economista do Ibre/FGV.
No primeiro governo de Dilma Rousseff, o preço da gasolina era represado para ajudar a manter a inflação abaixo do teto da meta, gerando perdas gigantescas na estatal.
Em julho de 2017, a Petrobras adotou uma nova política de reajustes quase que diários com base no preço do petróleo no mercado internacional e o câmbio.
Os dois fatores podem oscilar para cima e para baixo, mas o viés tem sido de alta. De acordo com o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o preço do diesel subiu mais de 50% em menos de um ano.
"Como os transportadores em geral trabalham com margens pequenas de rentabilidade e o momento atual é de recuperação da mais grave crise econômica do período recente, a pressão gerada pelo aumento dos preços dos combustíveis é muito prejudicial ao setor", dizia um relatório da CNT (Confederação Nacional do Transporte) ainda em março. Era a faísca que faltava.
O governo apresentou na noite de domingo (27) um acordo que inclui corte de impostos, congelamento do preço do diesel via subvenções à Petrobras, fim da cobrança de eixos vazios e tabelamento do frete.
Seriam quedas importantes no custo dos caminhoneiros, mas elas vão para o bolso de quem? Isso depende da chamada "elasticidade" do mercado.
Se o frete fica mais barato, isso significa que muito mais empresas vão querer transporte? Se for o caso, uma parcela dessa margem será retida pelos caminhoneiros.
Se não, continua o problema: muito caminhoneiro para pouco pedido. Novos contratos serão simplesmente negociados com preço mais baixo, com contratantes absorvendo parte da margem.
A "solução" encontrada foi tabelar o frete com um piso, uma demanda dos autônomos desde 1990. Mas a experiência econômica mostra que alguém sempre paga o preço da rigidez.
"Ou o pessoal começa a furar o piso, e dai ele não serve pra nada, ou isso vai ser racionado, não tem demanda pra todo mundo. Alguém vai ficar de fora e resta ver quem vai ser", diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC).