Christine Lagarde, diretora do FMI, e Mauricio Macri, presidente da Argentina. Foto: Daniel Jayo/Getty Images) (Daniel Jayo/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 6 de julho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 6 de julho de 2019 às 08h00.
Diante de uma profunda crise cambial, líderes argentinos buscaram ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) no ano passado, e a mensagem de Christine Lagarde foi clara: podem contar comigo.
Pouco mais de um ano depois, Lagarde deixa o FMI depois de ser indicada para a presidência do Banco Central Europeu. Com a mudança, o presidente argentino Mauricio Macri fica sem um de seus principais aliados internacionais enquanto se prepara para disputar a reeleição em uma campanha cheia de desafios.
O toque pessoal de Lagarde no acordo com a Argentina se refletiu em recursos para gastos sociais e em igualdade de gênero. A então diretora-gerente do FMI também se esforçou para divulgar o acordo de uma maneira que melhorasse a imagem do Fundo, visto na América Latina como um falcão de austeridade insensível, de acordo com duas pessoas com conhecimento direto do pacto com o FMI. E, como a Argentina enfrentava um período de volatilidade, Lagarde foi muito flexível e apoiou mudanças de políticas.
Lagarde conversava frequentemente por telefone com Macri e enfatizou durante uma reunião em dezembro que o presidente deveria investir em programas sociais para ajudar a proteger os argentinos do impacto das medidas de austeridade. Lagarde também compartilhou um bate-papo do WhatsApp com o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, de acordo com as pessoas, que pediram para não serem identificadas porque não estão autorizadas a falar publicamente.
"É claro que Lagarde apostou sua reputação neste resgate", disse Benjamin Gedan, diretor do Projeto Argentina no Wilson Center. “Foi o maior empréstimo na história do FMI e representa uma obrigação gigantesca para o Fundo", de modo que qualquer diretor-gerente investiria seu capital pessoal para proporcionar à Argentina a flexibilidade necessária para sair da crise, disse Gedan.
A relação de confiança de Lagarde com Macri e Dujovne tornou a negociação e supervisão do acordo mais fáceis do que seriam normalmente, segundo uma autoridade do governo argentino. No entanto, a saída de Lagarde não muda nada no pacto, porque o principal apoio veio dos membros do FMI que financiaram o acordo. Além disso, Dujovne já conhece o chefe interino do FMI, David Lipton, muito bem, segundo a autoridade, que também pediu para não ser identificada.
O pacote histórico foi apoiado pelo governo dos EUA, maior financiador do FMI, bem como pelo Japão, Europa e Canadá. Gedan diz que a postura dos EUA em relação à Argentina é o que determina o futuro do acordo.
Ainda assim, Lagarde fez de tudo para apoiar Macri publicamente, segundo uma das pessoas. Depois que a Argentina enfrentou críticas sobre sua capacidade de sediar a Cúpula do G-20 no ano passado, Lagarde elogiou os líderes argentinos. A reunião terminou com a assinatura do tradicional comunicado em Buenos Aires, e as tensões comerciais entre China e EUA pareciam ter dado uma trégua.
De qualquer forma, as coisas não foram fáceis para Lagarde. O acordo teve que ser renegociado e ampliado. Enquanto isso, a inflação continua alta, o desemprego atingiu os dois dígitos e a economia não saiu oficialmente da recessão.
Esses contratempos levantam a possibilidade de que o próximo líder do FMI mude o tom em relação à segunda maior economia da América do Sul. Uma questão importante no horizonte é se um novo governo tentará modificar os termos do acordo, algo que o líder da oposição, Alberto Fernández, já sugeriu. As eleições presidenciais da Argentina acontecem em 27 de outubro.