Economia

Argentina é elogiada por sacrificar economia no combate ao vírus

Na América Latina, onde um grande número de pessoas depende da economia informal para sobreviver, não há boas opções para os líderes

Plaza de Mayo, Buenos Aires, 20 de março de 2020: maioria dos argentinos aprova a resposta do governo. (Bloomberg/Bloomberg)

Plaza de Mayo, Buenos Aires, 20 de março de 2020: maioria dos argentinos aprova a resposta do governo. (Bloomberg/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 28 de março de 2020 às 08h14.

Última atualização em 3 de abril de 2020 às 08h32.

Quando Alberto Fernández visitou o México em sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu a presidência da Argentina, disse que os dois países enfrentariam o “desafio da globalização” juntos.

Menos de cinco meses depois, as respectivas posturas de Fernández e do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, no combate à pandemia de coronavírus não poderiam ser mais diferentes.

Enquanto só agora o líder mexicano tenha decidido instar os cidadãos a ficar em casa - depois de incentivá-los a comer fora para apoiar a economia local -, a Argentina paralisou a vida social e impôs uma rígida política de quarentena há uma semana, mesmo sob o risco de afetar desproporcionalmente os meios de subsistência da base de eleitores de Fernández, de classe média baixa.

A chave para essa decisão foi a mudança de surto para pandemia e conversas com líderes no centro do combate à doença, disseram pessoas a par da estratégia.

“A escolha é cuidar da economia ou cuidar da vida”, afirmou Fernández na quarta-feira. “Eu escolhi cuidar da vida.”

Na América Latina, onde um grande número de pessoas depende da economia informal para sobreviver, não há boas opções para os líderes. A decisão de Fernández de ir com tudo para combater o Covid-19 se destaca não apenas por seu contraste com o México, mas também com o Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro tem subestimado os riscos e entrado em confronto com governadores que tomam medidas rigorosas para conter a propagação.

Momento decisivo

“Este é um momento de decisivo para Alberto Fernández mostrar que está no controle e liderando o país”, disse Jimena Blanco, chefe de pesquisa política da América Latina da consultoria Verisk Maplecroft. “O pior cenário é obter uma resposta desordenada, ou nenhuma resposta, que é o que estamos vendo no México e no Brasil.”

A decisão de Fernández de colocar o país em quarentena foi profundamente influenciada pelo anúncio da Organização Mundial da Saúde, em de 11 de março, de que o surto de coronavírus havia se tornado pandemia, segundo uma autoridade do governo. A médica Maureen Birmingham, representante da OMS na Argentina, está em constante contato com autoridades e com o próprio Fernández.

Essa decisão foi reforçada quando o presidente argentino viu os casos aumentarem rapidamente na Itália e na Espanha - dois países de onde vêm muitos ancestrais argentinos. Antes de anunciar o bloqueio, Fernández conversou com os primeiros-ministros italiano e espanhol, Giuseppe Conte e Pedro Sánchez, para ouvir suas experiências, disse a autoridade. Fernández fortaleceu os laços com os dois líderes depois de visitá-los no início deste ano. O presidente do México, por outro lado, é notoriamente relutante em viajar ao exterior.

Ganhar tempo

Ele também queria ganhar tempo devido ao frágil sistema de saúde da Argentina, tentando achatar a curva o mais rápido possível, disse a autoridade. O presidente fala diariamente com o governador da província de Buenos Aires e com o prefeito da cidade, onde a maioria dos casos está concentrada.

Na quinta-feira à noite, o governo ordenou o fechamento das fronteiras para impedir que até argentinos saiam e entrem no país até o fim da quarentena. Ao mesmo tempo, Fernández, que reconheceu publicamente que sua estratégia afundará ainda mais a economia, disse que espera que o pico dos casos ocorra na primeira quinzena de maio e está disposto a estender o bloqueio que termina em 31 de março, se necessário.

Pesquisas mostram que a maioria dos argentinos aprova a resposta do governo.

Ainda assim, é uma grande aposta para Fernández. Enquanto os ricos podem escapar da crise trabalhando em casa, esse luxo não está disponível aos menos abastados que compõem sua base eleitoral. Em 2018, quase metade dos argentinos trabalhava na economia informal, de acordo com o instituto de pesquisa da Universidade Católica da Argentina.

Ainda não há garantia de que as duras medidas, também implementadas por outras economias menores, como Chile, Peru e Colômbia, serão bem-sucedidas no combate à pandemia que se espalha rapidamente pela América Latina.

Os casos na Argentina subiram para 589 na noite de quinta-feira, com 12 mortes registradas. Além disso, com apenas cerca de 2.800 testes realizados neste mês, a Argentina mostra um baixo índice de testes em comparação com vizinhos como o Chile, onde o governo do presidente Sebastián Piñera realizou mais de 7,5 mil.

(Com a colaboração de Eric Martin).

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