Os cortes no fornecimento de gás afetaram pelo menos 200 empresas, e algumas sofreram um ajuste de até 70% (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 2 de maio de 2012 às 21h40.
Buenos Aires - Os deputados argentinos iniciaram nesta quarta-feira uma sessão de dois dias para discutir o projeto de lei de desapropriação da petrolífera YPF das mãos do grupo espanhol Repsol, enquanto cresce a polêmica sobre os problemas energéticos no país.
O governo prevê repetir a contundente vitória que obteve na semana passada no Senado e conseguir os votos de pelo menos 200 dos 257 membros da Câmara dos Deputados durante a discussão que começou nesta quarta-feira e que se estenderá até esta quinta-feira.
O projeto de lei enviado ao Congresso pela presidente Cristina Kirchner estabelece a desapropriação de 51% das ações da Repsol na companhia petrolífera YPF e na empresa YPF Gas.
Ao início da sessão, integrantes de uma orquestra formada por filhos e familiares de ex-funcionários da petrolífera cantaram o hino nacional no recinto, onde havia cartazes com bandeiras argentinas e o antigo logotipo da empresa, quando era estatal.
A deputada governista Rosana Bertone argumentou que ''a desapropriação encontra raiz na Constituição''. Segundo ela, ''o governo argentino não atentou nem atenta contra a segurança jurídica''.
No entanto, os legisladores da oposição, inclusive aqueles que se mostraram favoráveis ao projeto, acusaram o governo de Cristina Kirchner e o de seu antecessor e marido, Néstor Kirchner, de terem adotado más políticas no campo energético.
''Em consequência das errôneas políticas aplicadas'', começou ''a diminuir na Argentina não só a produção, mas as reservas de gás e petróleo'', disse o deputado do radicalismo Ricardo Alfonsín, que afirmou que votará a favor do projeto.
''Queremos uma YPF controlada, e não nas mãos dos que a levaram a esta condição'', ressaltou o legislador do peronismo dissidente Francisco de Narváez, que antecipou seu voto contrário ao texto em debate.
O debate coincide com as queixas pelos cortes de fornecimento de gás que atinge a indústria argentina no inverno e desencadeou graves conflitos internos na oposição que, em sua maioria, defende a nacionalização, mas não deseja aparecer como cúmplice da gestão do governo.
O maior conflito afeta a União Cívica Radical, principal grupo opositor, que decidiu em bloco apoiar a proposta e tenta evitar que vários de seus legisladores rompam a disciplina partidária e se ausente do recinto durante a votação.
''Por que, em nome da coerência histórica da União Cívica Radical, temos de votar juntos com aqueles que mal administraram a YPF e foram pelo menos cúmplices do esvaziamento?'', questionou o parlamentar radical Rafael Pascual, ex-presidente da Câmara dos Deputados, em declarações à imprensa local.
Opiniões vindas do entorno do dirigente radical Ricardo Alfonsín advertiram nesta quarta-feira que os legisladores que romperem a disciplina partidária terão de assumir as consequências.
Para o esquerdista Pino Solanas, a proposta suscita um dilema. Seu partido, Projeto Sul, apoia a nacionalização, mas reconhece que o novo interventor da companhia petrolífera, o ministro do Planejamento, Julio de Vido, ''é o responsável pelo esvaziamento energético''.
Tal como ocorreu no Senado, o projeto contará na Câmara com a rejeição do movimento conservador Proposta Republicana (PRO) e de vários deputados do peronismo dissidente.
Enquanto os legisladores se preparam para uma longa sessão no Congresso, o governo se viu obrigado a responder às queixas sobre o corte de fornecimento de energia que afetou um número considerável de empresas nos últimos dias, situação que se agravou com uma intensa onda de frio no país.
Os cortes no fornecimento de gás afetaram pelo menos 200 empresas, e algumas sofreram um ajuste de até 70%, informou nesta quarta-feira o jornal econômico ''El Cronista''.
O interventor do Ente Nacional Regulador do Gás (Enargas), Antonio Prosanto, buscou amenizar as críticas ao afirmar que as restrições à indústria são frequentes e ocorrem para garantir a demanda residencial diante do frio.
''Os processos industriais se mantêm produtivos, pois já contemplam essas reduções, que fazem parte do fornecimento que as indústrias contratam com a possibilidade de interrupção, com pleno conhecimento de que se restringe quando há baixas temperaturas'', destacou Prosanto em comunicado.
''A situação da Repsol nada tem a ver com essas restrições'', acrescentou o funcionário, em alusão à decisão do grupo espanhol de cancelar a provisão de GNL (gás natural liquefeito, transportado de navio) à Argentina após a intervenção ordenada pelo governo e o anúncio de nacionalização da YPF.
A indústria não foi o único setor que criticou os problemas energéticos no país. A presidente da Federação de Combustíveis da República Argentina (Fecra), Rosario Sica, admitiu ao jornal ''La Nación'' que o problema de abastecimento de combustível é ''estrutural'' e ''não resta outra saída senão importar'', decisão que choca contra a política de restrição de importações do governo para evitar a fuga de dólares.
*Atualizado às 21h38