Cristina Kirchner: Governo argentino disse que será "impossível" pagar a dívida até 30 de junho (REUTERS/Eduardo Munoz)
Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2014 às 17h33.
A decisão nos Estados Unidos sobre a dívida argentina se transformou em uma bomba-relógio que o governo tenta desativar antes de declarar novamente uma moratória, afirmam analistas em Buenos Aires.
Nesta quinta-feira parecia afastada a possibilidade de o governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, colocar nas mãos do juiz americano Thomas Griesa suas expectativas de encontrar alguma fórmula para um acordo relativo ao pagamento da dívida suspensa desde a moratória recorde declarada em 2001.
Nas últimas horas, o governo argentino endureceu sua postura ao admitir que será "impossível" pagar em Nova York até o dia 30 de junho os títulos da dívida reestruturada de 900 milhões de dólares acordada com 93% dos credores, porque esse dinheiro será embargado imediatamente.
Além disso, o governo disse que não pretende enviar aos Estados Unidos uma comitiva para negociar com os fundos especulativos e considerou que a decisão de Nova York busca "fulminar a bem sucedida reestruturação da dívida argentina", informou o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich.
A Suprema Corte dos Estados Unidos se recusou a assumir o caso e confirmou que a Argentina deve pagar em dinheiro 100% da dívida de 1,33 bilhão de dólares aos fundos especulativos NML Capital e Aurelius.
Alguns analistas recomendam que o governo acate sem reclamar a decisão de Griesa, confirmada pelo tribunal de Apelações de Nova York, e outros apostam em uma negociação que evite uma hecatombe financeira.
Um 'default' não desejado
O Deutsche Bank indicou nesta quinta-feira em um relatório divulgado em Bruxelas que "uma saída negociada é a única solução viável" para a Argentina, "embora qualquer tipo de acordo específico esteja longe de ser alcançado".
Para Pablo Tigani, diretor da consultoria Hacer, "a única coisa que não se disse até agora é que há muitos atores importantes, bancos de investimentos com títulos argentinos, organismos multilaterais, governos (...) que estão interessados em que esta história não termine mal", disse à AFP.
Terminar mal seria se no próximo vencimento da dívida determinado pela justiça americana, dia 30 de junho, ou no último prazo estabelecido por contrato, 31 de julho, a Argentina não pagasse os 1,33 bilhão e também não possa, pelos embargos ordenados pelo juiz, cancelar os vencimentos de 900 milhões de dólares dos títulos reestruturados nas permutas de 2005 e 2010.
"As opções da Argentina agora são acatar a ordem judicial ou desobedecer essa ordem. Pagar a alguns sim e não a outros foi exatamente o que Suprema Corte descartou", disse à AFP Arturo Porzecanski, da American University, em Washington.
O argumento da presidente Kirchner e de seu influente ministro da Economia, Axel Kicillof, é que, se a Argentina pagar os 1,33 bilhão, cairá sobre o país uma chuva de demandas dos credores, que de fato estariam sendo tratados de forma diferente. As demandas viriam primeiro do restante dos holdouts (que detêm a dívida em moratória), de cerca 15 bilhões de dólares, e depois daqueles que aceitaram a permuta, cerca de 93% dos credores, de mais de 100 bilhões de dólares, segundo cálculos do Ministério da Economia.
Todo credor deve cobrar o mesmo
Uma cláusula da reestruturação da dívida argentina denominada RUFO (Rights Upon Future Offers) estabelece que se um credor recebe uma oferta ou um pagamento melhor, neste caso NML e Aurelius com os 100% em dinheiro, todo o resto deve ser beneficiado da mesma forma.
Kicillof disse que a Argentina tentará evitar apenas a moratória dos títulos reestruturados com um mecanismo de nova permuta da dívida que altere a sede de pagamento, para Buenos Aires, ante o impedimento legal em Nova York derivado da sentença do juiz Thomas Griesa.
Sebastián Briozzo, diretor para Argentina da agência Standard & Poors, advertiu que "a mudança de jurisdição é uma questão muito complexa que não se resolve em 10 dias".
Um eventual default seria diferente daquele de 2001, quando havia uma recessão de três anos e que colapsou um artifício chamado conversibilidade, pela qual um peso argentino tinha o valor de um dólar.
Última opção: acordo nos bastidores
A diferença é que o governo de Kirchner perdeu nos últimos anos o superávit fiscal, os dólares são cada vez mais escassos, inclusive para as milionárias importações de energia, a inflação anual está próxima dos 30% e a economia já não cresce a uma média de 7%-8%, como na última década.
"A menos que haja algum tipo de saída elegante, isto terminará mal. O governo já teve ações sensatas, como acordo (para quitar sua dívida) com o Clube de Paris. Agora, ao não ser que a Argentina mude de opinião, teremos uma moratória", disse Porzecanski.
Economista da consultoria Gran Makro, ligada ao governo, Agustín D'Attelis disse que agora "tudo depende da vontade do juiz", pois "o desacato à Corte empurraria o país para o default".